Jornal Correio Braziliense

Cidades

Projeto social oferece aulas de empreendedorismo a população de baixa renda

Agência de fomento oferece os cursos em todo o país e promove a formação pela primeira vez em Brasília, no Centro da Juventude de Samambaia Norte


Decidir realizar, tentar, pôr em execução. O dicionário da língua portuguesa ajuda a entender o significado da palavra ;empreender;. A aplicação do verbo é bem mais difícil do que se pode imaginar. E não estamos falando de conjugação. A situação é mais crítica quando se trata de comunidades carentes, marcadas pelo desemprego, baixa renda e violência.
O cenário adverso não impede que jovens moradores dessas localidades sonhem em montar pequenos negócios. Para ajudá-los nessa missão, a Besouro, uma agência de fomento de Porto Alegre (RS), promove cursos de empreendedorismo nas periferias do país, com recursos da Secretaria Nacional da Juventude. A atividade está sendo realizada pela primeira vez em Brasília, no Centro da Juventude de Samambaia Norte.
;caro Pamelo da Silva, 23 anos, já trabalhou como auxiliar de serviços gerais, confeiteiro e empacotador, além de lavador de carro em um lava a jato localizado em Taguatinga. Do tempo dessa última atividade, o rapaz guardou o aprendizado, experiência e a inspiração para montar o seu próprio negócio. Há três meses, Ícaro gastou R$ 165 para comprar um aspirador e um jato d;água, de segunda mão, mas em ótimo estado.
Depois, investiu em materiais ; sabão, cera, silicone, pretinho (produto para encerar os pneus) e aromatizantes. Concretizava, assim, a montagem do seu próprio lava a jato, na casa onde mora, em Samambaia, com a mãe, doméstica, o pai, auxiliar de limpeza, e mais uma irmã.

No Centro de Estética Automotivo, como foi batizado, Ícaro cobra entre R$ 25 e R$ 35 pela lavagem, dependendo do tipo de serviço realizado. O pequeno negócio traz lucro, suficiente para que o rapaz consiga pagar as suas próprias contas e ainda ajudar nas despesas da família. O jovem sonha com o dia em que precisará contratar pessoas para ajudá-lo na lavagem dos carros.
Até lá, já aprendeu que existe muito chão e a caminhada exige o conhecimento do cliente, a valorização do trabalho e um diferencial do negócio. ;A confiança do cliente é o meu diferencial. Tenho clientes que me entregam o carro em um dia e só vem buscá-lo no outro dia;, explica o rapaz.

Fotografia

Jéssica Martins de Abreu Santana, 20 anos, queria se profissionalizar em fotografia, mas teve que trancar a matrícula do curso porque não conseguia pagar as mensalidades da faculdade. Antônio Joecio Costa Cardoso, 21, por sua vez, sempre foi o ;fotógrafo oficial; dos eventos de sua igreja. Namorando há um ano, os dois jovens, moradores da Estrutural, querem fazer da afinidade um pequeno negócio.
A atividade profissional começou com a contratação do casal, por R$ 150, para fotografar uma festa de 15 anos de uma amiga. Depois, um casamento, por R$ 300. E a propaganda boca a boca ajudou a abrir o leque para que a dupla conquistasse novos clientes.

Atualmente, Jéssica e Antônio desenvolveram uma marca, a Dual Fotografia, promovem um sorteio de um ensaio fotográfico pelo Instagram e pensam em divulgar a atividade por meio de folders e cartão de visita. Os planos paravam por aqui, mas o curso de empreendedorismo instigou os dois a buscar alternativas para desenvolver o negócio. ;Precisamos conhecer melhor o mercado, melhorar a parte de orçamento, ver os custos e também saber quem são os concorrentes e a média de valores cobrados;, analisa Jéssica.

Filha de agricultores, Edenilza dos Santos Jaques, 19, mora em uma chácara no setor rural de Samambaia. Depois que terminou o ensino médio, no ano passado, a moça relata que começou a pensar em realizar um trabalho que pudesse lhe garantir uma renda.
Habilidosa com batons, rímel, lápis e pincéis, Edenilza pretende se dedicar à arte da maquiagem. ;Eu pensava em ter um pequeno negócio, mas não tinha noção de nada. Vou fazer cursos de maquiagem, trabalhar em um salão e depois tentar montar um estúdio, mas, antes disso, precisarei conhecer melhor esse mercado;, revela a jovem.

Sonho e expectativas


O caminho de um candidato a empreendedor é um pouco assim - cheio de sonhos e expectativas, mas também de desinformação. No caso de jovens de comunidades carentes, a necessidade de escapar do desemprego desencadeia, muitas vezes, a ilusão de que é simples desenvolver um pequeno negócio. Não é bem assim.
;Qualquer empreendedor precisa estudar bem o mercado onde ele pretende aplicar o negócio, conhecer o público-alvo e entender que o diferencial realmente faz toda a diferença;, explica Matheus Rosário, 28 anos, professor da agência Besouro, responsável pelo curso de empreendedorismo no DF.

A metodologia do curso aplica o método%u202FBy Necessity,%u202Fque consiste em estudos a fim de ajudar jovens de baixa renda a desenvolver um plano de negócios. Os cursos são de 30 horas de aulas presenciais,%u202Fdivididas em 10 módulos temáticos e cinco encontros e, no fim,%u202Fo aluno sai com um plano de negócios e estruturação que lhe permitem iniciar o empreendimento imediatamente.
Depois do curso, os alunos ainda têm um%u202Fperíodo de três meses de incubação, em que continuam sendo assistidos. Os cursos são financiados por instituições da iniciativa pública ou privada.

Para o idealizador do projeto, Vinícius Mendes Lima, nascido e criado na periferia de Porto Alegre, em um ambiente hostil, onde não%u202Fhá sequer saneamento básico, existem pessoas que conseguem se reinventar, empreender e sustentar sua família.
;A metodologia%u202Fé acessível e leva em conta as limitações que frequentemente são impostas àqueles que empreendem por necessidade, como a falta de tempo, ausência de investimento inicial e de conhecimentos teóricos sobre marketing e administração, assim como a necessidade de retorno financeiro imediato;, diz.