Dona Marilene é uma mulher humilde. Moradora de Planaltina de Goiás, município com cerca de 88 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ela é figura conhecida na cidade. O que tem de humilde, tem de coração grande. "Ela tem uma dedicação que não se vê mais nem entre os seres humanos", diz um vizinho da mulher, apelidada carinhosamente na comunidade como A Senhora dos Cães. E não é à toa. Atualmente, Marilene mantém dentro de casa 70 cachorros, todos resgatados das ruas. Machucados. Muitos à beira da morte. "São meus filhos", diz ela, emocionada.
Ao caminhar pelas ruas da cidade que fica a 30km do Plano Piloto, Marilene Pereira, 51 anos, conta que não planeja um resgate. "Ele simplesmente acontece", diz. O primeiro animal a chegar foi Apollo, um pastor alemão, em 2011. Ele foi atropelado por uma moto e teve a coluna partida ao meio. "À época, eu queria apenas confortá-lo para que ele não morresse sozinho", relembra.
Inspirada na resistência de Apollo, a dona de casa buscou ajuda de veterinários. Todos sugeriram que o entã pequeno cão fosse submetido a uma eutanásia, ao custo de R$ 1.500. Além de achar o ato uma crueldade, o montante era insustentável à realidade dela, que mora com a filha, Larissa Pereira, 20 anos.
"Não poderia deixar que o matassem. Sei que não dariam esse tipo de conselho se fosse um ser humano. Lutariam por ele. E foi isso que eu fiz, lutei por ele até o fim". Apollo sobreviveu "por sorte", como ela mesma diz. A experiência fez com que dona Marilene enxergasse os animais abandonados de uma forma mais indulgente.
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Desempregada, e sem casa própria, A Senhora dos Cães conta que a falta de apoio da família foi a primeira barreira a ser superada, desde que decidiu dar um lar aos animais de rua. Oriunda de Sobradinho, ela precisou sair do lote que dividia com os sete irmãos, devido ao número de animais de estimação, que já começara a crescer. "Cheguei a ser despejada várias vezes por causa da quantidade de animais", conta.
De lar em lar, entre maio de 2010 e meados de 2017, dona Marilene, a filha Larissa e os cães já moraram em Planaltina, Mestre D;Armas, Estância e Fercal. Hoje, com bastante espaço disponível, a família já chegou a cuidar de 200 cachorros. Muitos deles morreram de cinomose ; doença viral altamente contagiosa entre caninos.
Tão dedicada à causa quanto a mãe, Larissa comenta que Marilene não deixa faltar a ração para os "filhos de quatro patas". "Já ficamos meses sem água ou luz, mas faço o que for preciso para manter o espaço deles limpinho e com comida nas vasilhas", diz.
Para alimentá-los, a dona de casa vende artesanatos e conta com doações de pessoas sensíveis à causa. Apesar das dificuldades, ela deixa claro que não doaria nenhum dos animais. "Eu os quis quando ninguém mais os queria. Sei que ninguém amaria nenhum deles como eu amo. Eles são como meus filhos", emociona-se a mulher, que sabe de cor e salteado o nome de cada um dos cachorros.
Anjo anônimo
A chácara que ocupa atualmente, em Planaltina de Goiás, foi cedida há um ano por um filantropo anônimo, para que ela não precisasse mais se mudar devido à intolerância aos animais. "Ele também manda doações por meio do motorista regularmente. Não sei quem é esse anjo, mas rezo por ele todos os dias. Antes eu tinha curiosidade de saber quem é, mas agora procuro entender sua atitude", diz sobre o benfeitor.
Vizinho de Marilene e Larissa, Antônio de Oliveira, 47 anos, admira a disposição da mulher em acolher animais necessitados. "É muito carinho que ela tem com os bichos. É uma dedicação que não se vê mais nem entre os seres humanos", disse. Maria do Socorro, 56 anos, também mora próximo à chácara de Marilene, e diz que a considera uma "alma caridosa". "Ela segue os ensinamentos de São Francisco de Assis, os animais também são nossos irmãos", diz.
Cuidados após resgate
Com um espaço de 3 mil metros quadrados, dona Marilene considera abrir uma Organização não Governamental (ONG), mas confessa sentir-se desanimada pela burocracia. A veterinária Michele dos Santos, especialista em clínica médica e cirúrgica de animais de pequeno porte, explica que, a melhor escolha seria elaborar um projeto de suporte, angariando fundos para a construção de um ambiente saudável e limpo para os cachorros.
"Apesar da burocracia, uma ONG inscrita no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) ganha posição de vantagem na busca por benefícios na hora de procurar assistência social. No entanto, para que isso ocorra, a organização deve ser formalizada, o que demanda uma equipe, mesmo que seja formada apenas por voluntários", diz Michele.
Os cães recém-chegados da rua precisam ser mantidos em quarentena, para não oferecer riscos aos demais resgatados. De acordo com a especialista, os animais devem ser avaliados por um médico veterinário, para serem feitas vacinas e vermifugação. "As doenças que mais acometem os animais são as viroses, como por exemplo parvovirose e cinomose. Essas doenças não são transmissíveis ao ser humano, mas passa de um para o outro quando não tem a vacinação adequada para fazer a imunização. A ajuda de voluntários para a limpeza e banho dos animais nesse caso seria indispensável", destaca Michele.
Na região do Entorno, dona Marilene conta com o suporte das equipes de segurança ambiental da Secretaria Municipal de Saúde do Goiás (SMS/GO), que visitam sua residência em épocas de campanha de vacinação contra raiva. Do DF, o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) afirmou ao Correio que está se mobilizando para garantir a castração de todos os cães.
AJUDE
; Os interessados em ajudar com doações podem entrar em contato com Marilene pelo e-mail: costapereiralm@gmail.com ou pelos telefones (61) 99416-7608 e (61) 99221-2073.
* Estagiária sob supervisão de Anderson Costolli