Amigos de Gabriel Lima Braga, 23 anos, afirmam que o jovem demonstrava sinais de depressão e transtorno de personalidade, mas não recebeu ajuda ou tratamento. Ele é acusado de assassinar o pai, José Pereira Braga, 57, e esfaquear a mãe, a pastora Josenita Lima Braga, 50, e está preso na Ala de Tratamento Psiquiátrico (ATP) da Papuda. O crime ocorreu na madrugada desta segunda-feira (13/8).
Amigos desmentem o depoimento da mãe, segundo quem o filho "mexe com magia negra, feitiçaria e bruxaria". Segundo colegas de religião, ele frequentava cultos de candomblé, e os pais, pastores de uma igreja evangélica, não aprovavam.
A melhor amiga do jovem, que pediu para não ser identificada, conta que Gabriel é uma pessoa inteligente, que estudava francês, escrevia poemas, desenhava e participava de projetos artísticos, como grafite. Gabriel passou para história na Universidade de Brasília (UnB) no segundo semestre de 2013. ;Ele era uma pessoa que falava com todo mundo, mas se abria para poucos;, contou a melhor amiga.
Após completar 18 anos, Gabriel assumiu para os familiares que é gay. Até então, ele frequentava o Ministério Internacional Vida Abundante (Miva), igreja onde o pai atuava como pastor. A partir daí, ele foi iniciado no candomblé, o que teria ocasionado mais brigas dentro de casa. Todos os amigos ouvidos pelo Correio relatavam que os familiares ;fingiam não saber que o filho era gay;, e que Gabriel só conseguia expressar a sexualidade na UnB.
[SAIBAMAIS]A amiga, que hoje atua como professora de história, conta que passou por um quadro de depressão em 2015, e que Gabriel a ajudou enfrentar a doença. ;Ele me levou a procurar psicólogo e psiquiatra. Quando tomava remédio, falava comigo todo dia, segurava a minha barra;, relembra. Durante esse período, Gabriel começou a relatar para a amiga que estava ouvindo vozes e com a sensação de que era seguido na rua. ;No começo estranhei, mas estava envolvida com meus próprios problemas e acabei deixando para lá;, relata.
Em 2016, ele foi desligado da UnB por não cumprir requisitos do calendário acadêmico. A partir disso, passou a se afastar dos amigos. No ano seguinte, tentou passar novamente para a universidade, mas não conseguiu ser aprovado. ;Aí o quadro dele piorou. A família não dava atenção, acreditavam que era coisa do demônio, falta de Jesus;, diz a amiga.
A professora de história recebeu a notícia do assassinato na manhã de segunda-feira (13/8). ;Não consigo mais dormir nem parar de chorar. Eu me sinto culpada por não tentar ajudá-lo mais. É errado tanta gente julgá-lo, ele estava doente, assim como eu. A diferença é que sou privilegiada em ter acesso a psicólogo e psiquiatra, ele não tinha isso;, afirma.
Ajuda espiritual
Segundo amigos da UnB, Gabriel sempre deixou claro que a relação com os pais era complicada. Em 2017, eles teriam tido uma briga grande, o que fez os pais pedirem que ele se retirasse de casa. A mãe o ajudou financeiramente no primeiro mês, mas sem dinheiro, o jovem teve que voltar para casa. A tia de Gabriel, Gislaine Lima, 44 anos, negou à reportagem que o jovem tenha sido expulso e garantiu que ele sempre foi bem recebido pelos pais. "Uma vez ele disse que queria morar sozinho, depois ficou com a tia por uns meses;.
Meses depois, sem condições de se manter, Gabriel teria pedido para voltar para a casa dos pais, em Vicente Pires. "Os dois concordaram e aceitaram ele muito bem, com muito carinho. Ele nunca foi expulso. Todas as decisões que tomou foram por conta própria, porque ele era maior de idade", contou Gislaine.
A tia relatou ainda que o jovem tinha um comportamento ;estranho;. ;Tinha horas em que não dava para entender direito o que falava. Ele ficava andando pela casa e havia momentos em que conversávamos sobre um assunto e ele entrava em outro;, disse.
Transtorno de personalidade
Gabriel participava um grupo de amigos do curso de história da UnB. No último ano, começou a se afastar e, quando encontrava os colegas, apresentava comportamento ;desaparecido da realidade;. ;Ele mudava o tom da voz do nada. O Gabriel tinha depressão, mas não era tratado como alguém com problema neurológico ou psiquiátrico. Ele agia como se fosse duas pessoas, como se tivesse transtorno de personalidade;, conta uma amiga. O grupo não soube informar se Gabriel já havia passado por alguma avaliação psiquiátrica.
Na manhã desta terça-feira (14/8), o juiz Aragonê Nunes orientou que Gabriel fosse mantido separado dos demais custodiados, tendo em vista que apresenta sinais de problemas psiquiátricos. Os amigos se dizem aliviados com a decisão. ;Ele tem que pagar pelo que crime que cometeu, mas tem que fazer isso como uma pessoa que tem problemas psiquiátricos;, acredita a melhor amiga.
A reportagem procurou a família de Josenita e José, que pediu para não ser incomodada no momento de luto. O Correio não conseguiu contato com a defesa de Gabriel.