Augusto Fernandes, Marlene Gomes - Especial para o Correio, Isa Stacciarini
postado em 02/08/2018 06:00
O jornalista Ari Cunha, que morreu terça-feira, aos 91 anos, era exímio contador de histórias. Bem-humorado, tinha sempre ditados cearenses na ponta da língua. Criou até um alter ego, o Filósofo de Mondubim, para atribuir algumas das citações que recheavam os causos do dia a dia e as notas da coluna Visto, lido e ouvido.Era natural, então, que Ari fosse também protagonista de boas histórias, permeadas não só pelo humor característico, mas também pelos gestos de generosidade e humildade. Dos passeios cheios de pílulas de sabedoria pelas ruas de Brasília ao prato que ganhou seu nome em um restaurante da capital, familiares, amigos e funcionários se lembram de alguns desses momentos marcantes ao lado de Ari.
A história da professora e psicóloga aposentada Beatriz Maria de Oliveira Cunha, 55 anos, e da família de Ari Cunha se misturaram desde que ela nasceu, em 1962. ;Fomos os primeiros moradores do Bloco K da 305 Sul. Eu morava com meus pais e irmãos no quarto andar, enquanto o Ari e a família dele moravam no primeiro. Os filhos dele e eu crescemos juntos. Éramos uma grande família. Sempre que possível, o Ari almoçava no nosso apartamento. Sobretudo, quando a comida era estrogonofe, algo que ele amava. O Ari não tinha cerimônia. Se precisasse, ele sentava no chão;, recorda-se.
Para Bia, como é chamada, as melhores lembranças são de quando Ari Cunha abria as portas de sua outra casa, no Setor de Mansões do Lago Norte. ;Todas as festas que aconteciam lá, eu ia. Aquele lugar é maravilhoso. Assistir ao pôr do sol era uma das minhas atividades favoritas;, comentou. A beleza do lugar fez Bia pedir algo inusitado a Ari: quando ela decidisse se casar, gostaria que a cerimônia fosse realizada no local.
;E eu acabei realizando este sonho. Só não imaginava que eu iria me casar com o filho dele;, admitiu, aos risos. Bia é mulher do filho mais velho de Ari ; Ari Lopes Cunha, 66, ex-técnico gráfico do Correio ; há 20 anos. Do sogro, Bia se recordará da personalidade acolhedora. ;Ele fazia questão de manter a família por perto. Todo fim de semana gostava de reunir os filhos, netos e demais parentes para fazer um almoço. Ele era um homem que carregava grandes valores, como amor e carinho. Uma pessoa muito humana, que queria o bem de todos;, comentou.
Nome de prato
O empresário Marco Aurélio Costa, 68 anos, foi o dono do restaurante Piantella por 40 anos. Do tradicional restaurante localizado na quadra 202 Sul, guarda na memória as histórias de clientes fiéis. Ari Cunha era um deles. ;Tinha até um sanduíche com o nome dele;, lembrou. O ;Ari Cunha; era feito de tiras de filé bem finas, ovo frito e cebola caramelizada.Criado em 1984 pelo próprio Ari, o prato fez tanto sucesso que entrou no cardápio da casa, sem direito a pagamento de royalties ao autor. ;Era um sanduíche muito pedido. Quem mais gostava dele era o ex-senador Luís Eduardo Magalhães;, disse Marco Aurélio.
O ex-dono do Piantella recordou-se também da época em que Ari Cunha aparecia diariamente no restaurante para confraternizar com algum conhecido. ;Ele não abria mão do seu drinque e da conversa com os amigos. O happy hour era todo dia, das 18h às 21h, no máximo.;
Pela cidade
O cearense que aprendeu amar Brasília gostava dos ipês da cidade. ;Brasília é uma floresta;, dizia quando circulava de carro pelo Eixinho. Durante as manhãs, apreciava um café em casa, observava os passarinhos e, quando estava frio, aconchegava-se próximo à lareira da residência.Ari Cunha gostava das coisas simples: de passear por Brasília, de ir à Ponte JK, passar pelo Aeroporto e pelo Buraco do Tatu: ;Aqui é o marco zero;, explicava quando estava com o motorista Ricardo Nogueira dos Santos, 42 anos.
;Sabe quem construiu essa ponte (JK)? O Oscar Niemeyer;, contou Ricardo, ao relembrar das histórias narradas pelo jornalista. Morador do Lago Norte, Ari vivia perto da casa do ex-ministro Jarbas Passarinho, que morreu em 2016. Gostava de visitá-lo e, mesmo quando não ia, lembrava-se dele ao passar pela residência onde o amigo morava. ;Uma vez o Jarbas Passarinho chorou ao ver o seu Ari;, recorda Ricardo que levava o vice-presidente do Correio para compromissos.
Ricardo, que dirigia para Ari há seis anos, destacou a sabedoria do jornalista. ;Ele tinha muito conhecimento. Às vezes, falava algumas palavras difíceis que você via que vinham de uma pessoa estudada. Mas, ao mesmo tempo, ele era humilde. Uma pessoa muito boa.;
Generosidade
Assim como Ricardo, Aldaci Oliveira, 64 anos, dirigiu para Ari Cunha por 25 anos. Ele se lembra que um dos lançamentos da marca Hyundai, um Sonata, foi para o presidente do Correio. ;Ele me chamou e disse: ;Olha, você vai ficar com esse carro na sua casa e, quando eu precisar, você me pega;;, recorda Aldaci, com bom humor.Quando tinha compromissos em algum restaurante, Ari Cunha fazia questão que Aldaci se sentasse em uma mesa em que ele pudesse ver o motorista. ;Ele fazia questão de que eu me servisse. Nunca me faltou nada. Era uma pessoa que gostava de comer bem, em bons restaurantes, e que gostava de conhecer o mundo.;
Aposentado, Plácido Pereira da Fonseca, 71 anos, ingressou no Correio como porteiro e telefonista. Passou para a área de expedição e, nos últimos anos, estava como motorista. ;Seu Ari tinha muita atitude. Ele respeitava do funcionário que servia cafezinho até o mais alto jornalista. É um exemplo de cidadão para mim. Bom, humilde e que corrigia os funcionários com retidão. Ele não gostava de mentira nem deixava os outros mentirem.;