Por Ari Cunha
Espalhava-se por todo o país uma onda de pessimismo contra Brasília, e a oposição ao governo do dr. Juscelino Kubitschek, embora representada na administração da Novacap, bombardeava a obra por todos os lados, e não se dava ao trabalho de ver em que pé estavam as obras.
Espalhava-se por todo o país uma onda de pessimismo contra Brasília, e a oposição ao governo do dr. Juscelino Kubitschek, embora representada na administração da Novacap, bombardeava a obra por todos os lados, e não se dava ao trabalho de ver em que pé estavam as obras.
Dizia-se país afora que no Planalto Central estava uma malta de ladrões roubando o dinheiro do governo dos Institutos de Previdência e que não estavam construindo nada. O Congresso aprovou a data de 21 de abril de 1960 para a transferência da capital e, mesmo assim, a descrença era grande entre seus pares.
Por sua vez, a Novacap estimulava os deputados, acenando com grandes negócios imobiliários, como era na época, a compra de mansões com prestações de 8 mil cruzeiros por mês. A maioria dos deputados não conhecia Brasília, e votava o projeto marcando a data da mudança, com olhos fitos, também, nas vantagens que adviriam. Imaginem, morar numa cidade em apartamentos mobiliados ;ricamente; pelo governo, comprar carro financiado, e adquirir uma mansão para fins de semana, com 8 mil cruzeiros de prestações.
[SAIBAMAIS]Havia em muitos a fascinação de morar numas casas de tijolos vermelhos, telhado bastante inclinado, paredes cobertas de eras, grandes jardins floridos, gramados verdejantes, enfim, uma mansão como convinha a um deputado. E muitos não esconderam a tremenda decepção quando, acompanhados de funcionários do DEP, iam visitar suas mansões, e entravam, cerrado adentro, vendo apenas os piquetes que determinavam os limites de seu terreno. Eles achavam que o presidente havia dado ;um golpe;, mas na posição em que se encontravam não podiam reclamar. Ficava feio demonstrar que haviam sonhado demais.
Enquanto isso uma equipe, como nunca se reuniu na história da humanidade, lutava contra o tempo e trabalhava dia e noite para entregar uma cidade pronta em três anos.
Na imprensa
Nos Diários Associados, como na imprensa de todo o Brasil, o apoio à obra era dado com entusiasmo, mas as restrições não deixavam de existir. Toda vez que o dr. Juscelino encontrava o dr. Assis Chateaubriand ou João Calmon, cobrava a instalação de um jornal em Brasília, que era sempre adiada. Os planos não poderiam incluir a construção de um jornal e de uma televisão numa cidade que não tinha comércio, a não ser o de madeira, da Cidade Livre.
Os levantamentos feitos não davam conta de rentabilidade para o capital empregado. Enfim, na ponta do lápis, com o papel na mão, ninguém poderia montar um jornal em Brasília.
Mas o dr. Edílson Varela, então superintendente em Goiânia, anteviu o que seria Brasília, e começou a desenvolver esforços para que a capital federal tivesse um jornal impresso em seu próprio território no dia da inauguração. Foi o pai da ideia e o grande entusiasta. De Goiânia, sempre vinha a Brasília e, ao atingir a colina próxima ao Riacho Fundo, quando vislumbrava o grande canteiro de obras antecedido pela poeira da Cidade Livre, sua exclamação era sempre a mesma: ;Não é possível! São uns doidos;. Mas como ele vivia aquela doidice! Como ele entendia o que estava se passando no Brasil!
Dos entendimentos surgiu a ideia de reeditar o Correio Braziliense, que Hipólito José da Costa editara em Londres, em 1808. Hipólito era defensor da interiorização da capital do Brasil, e sua ideia, de 150 anos atrás, estava sendo concretizada. Foi assim escolhido o nome que o jornal levaria.
Mas a essa altura, já estávamos em 1959, e a cidade crescia a olhos vistos. Brasília era toda um canteiro de obras, e as nossas estavam atrasadas.
Em julho de 1959, o superintendente dos Diários Associados em Goiânia era o dr. Edílson Cid Varela, hoje nosso superintendente em Brasília. Nessa época, o dr. Edílson teve a incumbência de coordenar a instalação de um jornal e uma televisão no futuro Distrito Federal.
Começou então a revoada de técnicos a Goiânia e Brasília para estudar o local, as condições, orçar as despesas, convocar a equipe. A todo esse trabalho, Edilson Varela e Nereu Bastos controlavam pessoalmente o seu desenvolvimento e orientavam a equipe associada que já se formava para construir os dois prédios que abrigariam o jornal e a televisão.
O departamento de engenharia dos Diários Associados de Belo Horizonte foi encarregado da obra civil e, enquanto os meses se passavam, o dr. João Calmon via as dificuldades que seria a construção de dois prédios em tão pouco tempo. E sua missão era a mais difícil. Carrear dinheiro para Brasília, a todo pano, porque as despesas eram grandes demais.
Embora Nereu Bastos tentasse reduzi-las com seus empenhos de gerente, nada conseguia, e tanto ele como Edilson Varela se transformavam nos transportadores semanais do dinheiro que o dr. Calmon, à custa de muito suor, conseguia reservar para Brasília. Reservar, não. Fazer.
;Aumentem o número de candangos. Queremos a obra pronta. Reduzam as despesas. Esta obra vai custar um conto de réis de uísque por metro quadrado. Cale a boca, que quem bebeu tudo isso foi você e seus convidados;. Tudo isso eram indagações, afirmações e respostas.
Pedra fundamental
Em meio a tudo isso, a 12 de setembro de 1959, aniversário do dr. Juscelino Kubitschek, todos os diretores associados do Brasil chegavam a Brasília para, no dia seguinte, lançarem a pedra fundamental do que hoje é o Correio Braziliense.
Já de manhã, a planta não estava pronta, e o Chico Martins apertava o Oscar Niemeyer para desenhar qualquer coisa de um esboço para o jornal. Foi feito às pressas, e depois completado. Mas a solenidade seria às 16h, e já eram 10h, e ninguém sabia onde era o terreno. Fomos até lá num caminhão de areia. Era impossível lançar a pedra fundamental dentro do cerrado. Foi quando veio a solução. Faz aqui mesmo, gente! Pertinho do asfalto e dá ideia de que o prédio ficará na beira da estrada. Se for lá dentro o homem se apavora!
E foi lançada a pedra fundamental, ao lado do Eixo Monumental, numa solenidade que contou com a presença do presidente da República e do presidente da Novacap.
Quase seis horas da tarde, a solenidade havia terminado, o presidente já tomara seu helicóptero com o dr. Israel, quando chega o jipe da Novacap, com três pessoas dentro. Cadê a urna! Tira logo, que vai haver outra pedra fundamental no Centro de Recuperação! E lá levaram a urna.
TV Brasília
A esta altura, o lote da TV Brasília ainda era mata cerrada, e ninguém conseguira localizar, porque o DEP ainda não havia feito a demarcação da área. Nem a Novacap acreditava no que estava vendo. Em pouco tempo, a mata era derrubada, o canteiro era plantado, e a obra se iniciava. Enquanto isso, uma equipe, das mais destemidas, providenciava a ligação de micro-ondas entre Rio e Brasília, para transmitir pela tevê o espetáculo da inauguração. Isso não foi conseguido, mas pouco tempo depois, transmitíamos diretamente do Alvorada e do Palace Hotel para Rio e São Paulo, constituindo um espetáculo dos mais ousados da história da televisão no Brasil.
Assim começou a história dos dois prédios e das duas empresas. A 13 de setembro de 1959 era lançada a sua pedra fundamental e, voltando ao Rio, o dr. João Calmon não escondia sua preocupação em ;instalar um jornal dentro do mato;. Era, de fato, difícil o acesso ao local onde está hoje o Correio Braziliense. Os jornais, em todas as cidades, sempre ficavam no centro urbano, à altura da mão dos seus leitores, anunciantes e das pessoas que normalmente fazem suas reclamações.
Mas, dizia-se na época, nós devemos estar mal-acostumados. Se foi feito o planejamento por quem entende, fecharemos os olhos à vizinhança e planejaremos o jornal dentro do mato.
Naquela época, seriemas e antas ainda rondavam pelo nosso terreno e veados eram vistos comumente pelas imediações do prédio. O acordar cedo era ao canto das seriemas, que já se acostumavam ao barulho das betoneiras, dos vibradores.
A 2 de janeiro de 1960 foi iniciada a obra do Correio Braziliense. As chuvas nesse ano foram terríveis, e ninguém poderia prever o fim da obra em tempo hábil. Eram dificuldades de toda ordem. Chuva e lama eram uma constante, e não havia um dia em que não chovesse. E como era água!
Os candangos da Geotécnica armavam uma barraca de lona amarela ao lado do tripé do bate-estaca e aqui e ali interrompiam a operação. Às vezes, quando o bate-estaca atingia a maior profundidade, uma nuvem de lama cobria todos, mas o trabalho não cessava. Das 6 da manhã às 23h, todos trabalhavam, todos davam o máximo de si pensando na obra.
As visitas
Aos sábados, havia um avião da Real que chegava às 9h e outro que saía às 17h. Era o avião dos que vinham reclamar, achar a obra atrasada, ruim o serviço, pedir para reduzir a despesa. Mas, ao mesmo tempo, era o avião dos que traziam o dinheiro, dos que justificavam depois onde ele estava sendo empregado. Era, enfim, um avião esperado com gosto.
Ademais, vinham as visitas, os convidados, e a gente, por alguns instantes, se transformava em guia turístico, deixava de almoçar na cantina dos candangos, na obra do Correio, e ia almoçar feijoada no Palace Hotel, onde fervilhava de visitantes. Era preciso proteção com o Erwin, maitre, ou com o Maurício Fernandes, gerente, para conseguir uma mesa que abrigasse 15 pessoas.
Era o dia de higiene mental. Às cinco horas da tarde, depois de falar em superquadra, Eixo Rodoviário, Eixo Monumental, Plataforma, Unidade Vizinhança e tudo o mais, vinham as despedidas. Vez por outra, no meio da semana, o dr. Edilson, que geria ainda O Jornal, dava um pulinho a Brasília para ver o que necessitávamos. E assim a obra andava.
O dr. Assis Chateaubriand não conhece o Correio Braziliense. No dia da chegada do presidente Eisenhower, ele esteve em Brasília, vindo no ;Viscount; do dr. Juscelino, em companhia de dona Sarah e do embaixador Sette Câmara. Nós estávamos fazendo cobertura da chegada do presidente americano, e não havia ninguém para recepcioná-lo, que fosse integrante da equipe associada.
O Hindemburgo Pereira Diniz, entretanto, que a esta época já era cogitado para diretor-secretário da S.A. Correio Braziliense, foi o cicerone do nosso chefe. Saiu do aeroporto antigo, rodou por toda a parte e não conseguiu achar a obra do Correio Braziliense. De fato, àquela época, para vir do aeroporto até aqui, havia tantos atalhos e dificuldades que só uma pessoa habituada poderia acertar. Depois de rodar durante muito tempo procurando a obra, Hindemburgo rumou para a obra da TV Brasília, onde, por felicidade nossa, já estávamos e recebemos o chefe. Havia muita lama, manhã chuvosa. Ele desceu do carro, foi até o local onde está a torre, entrou pelo corredor, balançou a cabeça, e resmungou: ;Os Diários Associado também estão cheios de Kubitscheks;.
Com efeito, dias depois escrevia seu último artigo antes de ser atingido pela doença, e o título era: ;Uma tarde nos céus de Brasília;. Neste artigo, há um trecho onde se lê: ;Como tudo aqui obedece ao ritmo titânico do presidente, estes dois Kubitschekzinhos queridos, Calmon e Varela, dentro de mais dois meses entregarão aos seus companheiros associados dois edifícios, um para uma estação de televisão e outro para um matutino;.
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*Vídeo produzido em comemoração aos 40 anos da coluna "Lido, Visto e Ouvido", de Ari Cunha no Correio Braziliense
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*Vídeo produzido em comemoração aos 40 anos da coluna "Lido, Visto e Ouvido", de Ari Cunha no Correio Braziliense
Enfim, o jornal
Mas o importante era entregar tudo pronto no dia 21 de abril. E assim aconteceu. Na TV Brasília, um mundo de técnicos remexia os complicados equipamentos, e as experiências em circuito fechado davam ótimo resultado. No jornal, anda ainda se podia fazer, porque não havia energia elétrica. A Novacap não acreditara, e o dr. Afrânio Barbosa tinha mil coisas para ver.
Faltava, para nós, um transformador, porque a corrente de alta-tensão já passava perto do terreno. Não temos, era a resposta. Não temos tempo para fazer em São Paulo, era a réplica.
Entre as baforadas do seu charuto, e as nossas aflições, o dr. Afrânio anunciava vagamente que ;lá pelo dia 19 nós receberemos uns de Belo Horizonte, e darei um para vocês;.
; Mas dr. Afrânio, está em cima!
; Tenham calma, o mundo foi feito em sete dias; a cidade, em três anos; tem tempo demais.
Faltavam a rigor quatro dias. Finalmente, às vésperas da inauguração, chegou o transformador, instalado às pressas, para testar as máquinas. Na oficina, uma gravura era retirada na embalagem original. Cinco linotipos traziam, ainda nos caixotes, a marca Mergenthale; e a rotoplana, dividida em caixotes de pinho suíço, marcava a sua estreia também para o dia da inauguração da cidade.
A equipe vinda do Rio, sob o comando de Paulo Vial Correa, sentia o choque da diferença de quem faz um jornal no Rio de Janeiro ; mas deu também o exemplo de como uma grande obra empolga e como se superam as dificuldades quando o trabalho é agradável e alegre. Havia em todos o espírito e a responsabilidade de uma equipe. Nos últimos momentos, não havia Edílson Varela, João Calmon, ninguém. Havia uma equipe pensando a mesma coisa. Cumprir com a palavra.
Assim nasceu o Correio Braziliense, assim nasceu a TV Brasília. Assim nasceu a imprensa no Distrito Federal.
Nota para o leitor: O primeiro jornalista associado a residir em Brasília foi Ari Cunha, colunista neste jornal. Sua vinda para o Distrito Federal muito cedo fez com que ele acompanhasse toda a vida do Correio Braziliense e da TV Brasília, desde antes de sua construção. Em 1959, reformava a Folha de Goiaz, também associada, quando recebeu do dr. Edílson Varela, superintendente em Goiás e coordenador das empresas em Brasília, a incumbência de representar, no futuro Distrito Federal, O Jornal e o Diário da Noite, do Rio de Janeiro. Foi acompanhando todos os passos do Correio Braziliense que o colunista Ari Cunha viveu os instantes áureos da construção de Brasília, e agora dá seu testemunho, anos depois, escrevendo a história do jornal.