Jornal Correio Braziliense

Cidades

Número de famílias em busca de filhos é superior ao de crianças em espera

Dia 25 de março é comemorado o Dia Nacional da Adoção

No Distrito Federal, são quase 5 famílias por criança . Enquanto 513 pessoas estão na fila em busca de um filho, 117 crianças e adolescentes estão à espera de um novo lar. Hoje é comemorado o Dia Nacional da Adoção e a razão para o número de pessoas à procura de um filho ser maior que o de crianças à espera de um novo lar deve-se às exigências na hora de escolher um perfil.

A legislação não prevê que o candidato a adotar, escolha a criança, mas ele pode selecionar características do adotando. É o sistema de justiça que avalia e seleciona as famílias habilitadas para adoção. Em nota, a Vara de Infância e Juventude (VIJ) reforçou que ;As crianças têm direitos, que devem ser respeitados em sua dignidade e não devem ser escolhidas como um objeto;.

O processo da adoção

Os pretendentes, quando demonstram interesse, passam por uma série de avaliações. Caso aprovado, eles entram em uma fila e esperam a criança dentro do perfil pretendido.

Segundo a advogada e professora de direito da família do UniCeub, Renata Malta Vilas-Bôas, quanto mais criteriosa a determinação das características, mais tempo o pretendente poderá esperar na fila. Ela conta que há preconceito na delimitação de perfil. ;Existem casos de famílias que não são consideradas loiras colocarem no formulário que esperam uma criança branca, loira e de olhos claros. A VIJ tem um trabalho muito importante de conversar com estes candidatos a desapegarem destas características, que são a minoria e ampliem suas opções de escolha;, conta.

Adoção direcionada

A lei não aceita casos de adoção direcionada, caso em que os pais biológicos indicam alguém para adotar o filho. ;Na norma, não há possibilidade de ocorrer esta preferência, pois entende-se que a justiça deve analisar se a família terá condições de se responsabilizar pela criança, além de desrespeitar as inúmeras pessoas que aguardam na lista de espera. No judiciário, eu já vi decisões em ambos os sentidos e não aconselho que ocorra, pois os adotantes pode se apegar a criança e não conseguir a guarda;, aconselha a professora.

Renata explica que a adoção é irreversível, por isso os pais adotivos não podem se arrepender e cancelar o processo. ;É avaliado o que é melhor para criança, caso ela não se adapte à nova família, poderá voltar ao abrigo, mas os adotantes continuarão a ser os pais e deverão arcar com pensão e indenização à criança. A adoção é irrevogável e irreversível, os vínculos legais não são desfeitos;.

Há instituições que auxiliam o processo de adaptação entre os membros na nova família, como é o caso da Aconchego, que presta apoio psicoterapêutico às crianças e aos pais, segundo explica a presidente da entidade, Soraya Pereira. Ela conta que a maior dificuldade que enfrentam é a falta de verba para o desenvolvimento dos projetos e que trabalham em equipe com a Vara de Infância e Juventude, com a Defensoria Pública e a Promotoria da Infância e Juventude. Segundo Soraya, os casos que tem menos preferência são crianças e adolescentes que tenham problemas de saúde e os que são maiores de 12 anos.

Passo a passo

O candidato que busca uma criança ou adolescente para adoção deve procurar um advogado ou ir à Defensoria Pública para dar entrada no processo de habilitação. O pretendente deverá ter idade igual ou superior a 18 anos, respeitando a diferença mínima de 16 anos entre ele e o adotando. É preciso apresentar documentos pessoais e se casado ou em união estável, apresentar um comprovante da condição. Após esse procedimento, é obrigatória participação no curso de preparação psicossocial e jurídico.

Após aprovação nesta etapa, a próxima é entrevista técnica e recebimento de visita domiciliar. A equipe avaliadora apresenta um relatório que sugere ou defere o pedido de habilitação. O Ministério Público se manifesta e o juíz dá a sentença de habilitação ou não para a adoção. Se a decisão for favorável, o nome vai para o cadastro nacional.

Personagens da notícia

Juliana Dantas, 41 anos, é professora e mãe adotiva de duas meninas. Desde que conheceu o marido, os dois concordaram em ter filhos biológicos e adotados, mas após dois abortos espontâneos, decidiram apenas adotar. A espera da primeira filha, Clarissa, durou nove meses. Em relação às outras famílias, foi um tempo curto. Isso se deve ao fato de não ter pais na lista de espera para o perfil de Clarissa, que teve paralisia cerebral após complicações no parto. Hoje, ela tem 10 anos, e encontrou a nova família com 40 dias de vida.

Para adotar a segunda filha, os pais ficaram três anos na fila de espera. O perfil escolhido pela família seria de uma criança de 6 anos, mas, cansados de esperar, mudaram para até 8 anos. Três meses depois, foram apresentados à Lorrany, hoje com 13 anos. ;A espera pela adoção é angustiante, porém, cheia de sonhos e idealizações do filho. O meu sentimento hoje é como de qualquer mãe, amor incondicional e preocupação constante; conta Juliana.

;Não basta ter vontade de adotar, é preciso estar disposto a enfrentar os desafios, educar é uma missão árdua. É preciso ter paciência, amor e sabedoria;, acrescenta a professora. Apesar de descrever as experiências como emocionantes, ela diz que não pretende adotar mais crianças.

A justiça é inclusiva e aceita todos os tipos de família para adoção, inclusive pais e mães do mesmo sexo. Mulheres e homens sozinhos, casais homoafetivos, todos que se enquadrem nas exigências legais para abrigar uma criança em seu lar têm competência para impetrar o pedido junto à justiça. Assim ocorreu com Ricardo Trevisan, 42, que se tornou pai de duas meninas, no fim do ano passado.

Ele deu entrada no processo em 2014, na condição de família monoparental, e passou pelo curso obrigatório da Vara da Infância e Juventude do DF (VIJ). ;O curso foi muito bom, ele tira aquela imagem romântica da adoção. Conhecemos o passados destas crianças, muitas foram vítimas de abusos e violência ou conviveram com pais viciados em drogas;.

Ele explica que em razão de querer adotar o filho sozinho, optou por uma criança de 1 a 6 anos e aparentemente saudável, independente de raça ou gênero. No período que havia dado entrado com o pedido, Ricardo conheceu o atual companheiro, com quem cria as duas filhas, de 5e 7 anos. ;Apesar de ter feito o pedido apenas em meu nome, em 2015 eu conheci meu companheiro e, após um tempo, tive uma incrível experiência de como cuidar de alguém, antes de receber uma criança em minha casa. Jair (companheiro) foi diagnosticado com câncer no estômago, passou por cirurgias e quimioterapia, o tumor comprometeu vários órgãos e eu precisei dar assistência a ele;, relembra o professor universitário.

Agora, com a nova formação de dois pais, o casal decidiu ampliar o perfil da criança buscada. Eles acreditavam que uma dupla de irmãos seria a melhor opção. ;Sendo duas crianças, elas se dariam apoio, sobretudo para compreender a nossa formação familiar com dois pais;. Com as novas características de busca, em oito meses eles foram chamados para conhecer duas irmãs, que estavam há um ano e meio no abrigo. ;Tivemos interesse e conhecemos as duas em outubro. Então, foram dois meses de intensivo contato, nós as visitávamos no abrigo e, no segundo mês, passamos a sair com elas em passeios e levá-las para pernoites em nossa casa;, conta.

Em 1; de dezembro, as meninas que tinham na época 4 e 6 anos, foram morar com os novos pais, com o termo de guarda provisório. Todos os integrantes passaram por sessões terapêuticas da VIJ, ;Vivências e Convivências; e outras no Instituto Aconchego. ;Foi fundamental participar das sessões, nos ajudou muito a enxergar essa família recém constituída e entender a dinâmica da nova vida;.

O professor conta como foi o impacto da chegada das crianças. ;Eu priorizei minha vida profissional, quando mais jovem, vivi em vários cidades e países, mas nada chega perto do que eu estou vivendo com elas. É uma transformação de autoconhecimento, com tantas trocas e vivências. Tê-las por perto foi um respiro aos 40 anos de vida;, completa.

O que acontece em Brasília

Em comemoração do Dia Nacional da Adoção, lembrado dia 25 de maio, terão eventos programados. Nesta sexta-feira ocorre no Conselho Nacional de Justiça, 514 Norte, um diálogo sobre adoção, de 14h30 às 18h. E no domingo (27), às 17h, terá uma dança circular na Praça dos Três Poderes.

*Estagiárias sob supervisão de