Quando bebê, ainda no Rio de Janeiro, batia com talheres na mesa seguindo ritmos predefinidos. Na pequena infância, escutava os passarinhos e adivinhava a nota que cantavam. Aos 13 anos, nas salas de aula do Colégio Marista, compunha músicas eruditas, depois de, claro, resolver todos os exercícios do livro de matemática em curto tempo. A trajetória foi longa: aulas de piano, discos de Beethoven doados pelas avós, idas a concertos e a influência da mãe.
O menino, que cresceu ouvindo o toque das teclas e os sopranos dos corais, tornou-se regente de quem sempre escutou e admirou. Desde 2011, Artur Soares, 33 anos, carrega o título de maestro antes do nome e orgulha a capital ao reger orquestras. Ele também é compositor e, entre as obras autorais, destacam-se uma sinfonia, concertos e músicas corais.
Com uma infância tipicamente brasiliense, o pequeno Artur, que morava no fim da Asa Norte, brincava debaixo dos blocos, passeava com a mãe no Parque Olhos D;água e começava a herdar os gostos da família, muito ligada à música clássica. ;Sempre fui agitado e gostei de batucar. Eu era terrível;, conta Artur. Ao perceber o talento do filho, o pai dele, José Vicente, teve, segundo o maestro, um erro e um acerto: comprar uma bateria de brinquedo. ;Eu passava o dia inteiro tocando. Então, a bateria logo passou da sala para o quarto por causa do barulho;, relembra o músico.
Primeiros passos
A bateria foi o primeiro instrumento com que o maestro teve contato. Mas o que era apenas brincadeira se transformou em comprometimento e excelência. Extremamente inquieto. Assim, o maestro Artur Soares, 33 anos, se define. Sempre curioso e com sede de leitura, com 9 anos Artur ingressou na Escola de Música, quando aprendeu fundamento básico de teoria musical. No ano seguinte, começou a ter aulas de piano, demonstrando seu interesse por música clássica. Continuou o aprendizado no mesmo estabelecimento até os 13 anos, em 1998. Porém, ele recorda que ;depois de uma greve longa, o professor não quis repor as aulas e cobrou um trabalho sem eu saber. Minha mãe e eu fomos reclamar com o diretor. Ele disse: ;Seja músico em outro lugar;. E eu fui ser músico em outro lugar;, resume, com orgulho.
Foi por essa época que ele conheceu a professora Valéria Pacheco, referência na capital. Com o trabalho desenvolvido pela professora, o futuro maestro, que perdia interesse pela música, se revigorou. ;Ela me dava muito espaço para eu procurar repertório, o que é difícil. Com um ano de aula, me deixou tocar uma sonata de Beethoven. Era um sonho;, diz. Ele continuou tendo aulas com ela até 2011.
A professora, renomada no contexto musical brasiliense, confirma que o atual maestro sempre foi um menino pesquisador e curioso. ;A inquietude do Artur foi muito importante, especialmente para a posição que ele ocupa hoje, a de regente. Ele gosta de pesquisar, de estudar não só os autores, mas a história da música;, pontua.
Aos 14 anos, quando ingressou no ensino médio, o jovem ganhou o primeiro piano elétrico. De repente, ele se viu estudando quatro horas por dia o instrumento. Nessa época, a avó Lígia o presenteou com sinfonias de Beethoven. O menino passava o dia inteiro de olho nas partituras. Nas horas vagas, lia a biografia do musicista. Os professores achavam as atitudes peculiares, mas divertidas. ;Eu levava aquele papel imenso e começava a compor. Minhas notas eram boas, então eles não se importavam;, conta Artur, que começou a ficar obcecado por música clássica.
Aliás, a trajetória escolar dele merece um parêntese. Além do gosto pela música, tinha aptidão para ciências exatas. As disciplinas preferidas eram ciências e matemática. Ao mesmo tempo em que dedilhava o piano nas aulas da professora Valéria, que exigiam raciocínio lógico e muita precisão, escolheu o curso de ciências da computação para seguir carreira acadêmica.
Voltando à música, ele teve, nas avós, grandes incentivadoras. Assim como Lígia, a outra avó, Gilda, foi essencial na carreira do musicista. Gilda, que morreu no ano passado, eterna fã de ópera, levou o neto, em 1994, para assistir a uma ópera no Mané Garrincha. A influência também veio da mãe, Débora Soares, 59, que participa do coro da UnB. Hoje, ela é regida pelo filho, que atua no coro da universidade. ;Cantar com ele é muito bom, porque o Artur é generoso, tranquilo, rege com o coração e, por isso, consegue passar a música para a gente;, diz Débora, emocionada.
Depois de ficar mais de 10 anos com a professora Valéria Pacheco, Artur foi atrás de mais qualificação. Fez masterclasses, aulas ministradas por especialistas, e cursos fora do Brasil. Três aulas, por exemplo, foram em Berlim, na Alemanha, sendo duas sobre Beethoven e uma sobre Mozart. Já capacitado, passou a dar assistência ao maestro Emílio de César, professor respeitado por Artur, no coral Brasília, como correpetidor, ou seja, o pianista que toca para ensaios.
Cotidiano
As pessoas costumam associar música clássica a uma maneira de fugir do estresse. Mas, para o maestro, que escuta, pelo menos, cinco horas do gênero por dia, essa máxima não se aplica. E ele faz isso enquanto trabalha. Artur concilia as vidas de maestro e de analista de TI, o que não é tarefa fácil. ;Eu gosto de desenvolver softwares. A área não empolga muito, mas não tenho nada a reclamar. O que me empolga mesmo é a música;, admite.
Ele costuma selecionar uma pilha de CDs, dos mais de 7 mil que coleciona, e escuta enquanto desenvolve suas tarefas no computador. ;Talvez eu fique até mais ativo e nervoso escutando música clássica. Eu não consigo parar de analisar harmonia, forma e frase das músicas que escuto;, admite.
A preocupação é tão grande que o maestro passou um ano inteiro sem escutar música não clássica por não conseguir admirar a música sem sequência de técnicas orquestrais. ;Não é que eu desgoste de música não clássica, mas, entre um CD de Beethoven e outra opção, é claro que vou escutar Beethoven;, brinca. Na lista de músicas do maestro, são exceção, por exemplo, as bandas Rage Against The Machine e Jamiroquai.
Planos
Mesmo apaixonado pela música clássica, Artur vê que há dificuldades para a valorização do gênero em Brasília. Além da falta de estrutura física, o público não tem interesse em assistir se tiver que pagar ingresso.
Mas isso não é empecilho para o maestro. Desde 2012, as apresentações da orquestra que ele rege, a Capital Philharmonia, têm sido feitas na Igreja Adventista Central de Brasília, na Asa Sul, ou em auditórios improvisados, que não têm a famosa estrutura caixa de sapato, necessária para mostras do tipo.
Essas alternativas foram possíveis devido à inquietude de Artur. ;Eu precisava de alguma coisa para reger;, desabafa. E tem dado certo. Ele avalia que, nos últimos anos, o trabalho tem ganhado força e gosto. Até setembro, na agenda dele constam compromissos com quatro apresentações de ópera: três em Brasília e uma em São Paulo.
* Estagiário sob a supervisão de Margareth Lourenço (Especial para o Correio)
;Ser maestro aqui é lutar; Temos muitos talentos na cidade, porém, uma infraestrutura péssima. Mas isso não me faz parar;