A máxima que move um dos coros mais famosos do DF é ;qualquer um pode cantar;. No entanto, essa realidade está prestes a mudar. O Coro Sinfônico da Universidade de Brasília (UnB), conhecido por fazer com que cantores amadores soem como profissionais de longa data, está sob risco de encerrar as atividades. A escassez de recursos da instituição de ensino reverberou e atingiu a verba destinada ao projeto. Caso os organizadores do grupo não consigam reverter a crise com ajuda da Lei Rouanet, a atração será silenciada.
Famoso na cena cultural brasiliense, o conjunto revelou talentos ao longo de 27 anos ininterruptos de atividade. Mesmo sem nunca terem tido aulas de música, milhares de cantores aprenderam notas, arranjos e fizeram apresentações semestrais em diferentes partes do Distrito Federal. Para reforçar o reconhecimento local, em 1994, os trabalhos do maestro David Junker, regente e idealizador do grupo, levaram os artistas além.
Naquele ano, os mais de 640 participantes do Coro Sinfônico da UnB se apresentaram no palco do Carnegie Hall, em Nova York ; a casa de espetáculos já recebeu Beatles, Edith Piaf, Frank Sinatra e o brasileiro Nelson Ned. O convite para a realização de um espetáculo do coro brasiliense foi o primeiro formulado a um grupo desse tipo da América do Sul.
Para David Junker, o caráter comunitário fez com que o coro se tornasse parte da história do DF. O conjunto começou com cerca de 100 pessoas, que realizaram, em 1991, uma apresentação musical com repertório de Wolfgang Amadeus Mozart. Desde então, o interesse dos brasilienses pelo projeto só cresceu a cada semestre. No último, contou com 198 cantores, quatro solistas e 35 músicos. O grupo está com inscrições abertas para o próximo semestre. ;O papel do Coro Sinfônico sempre foi fomentar a formação cultural. Ele foi o primeiro trabalho comunitário desse tipo no país e, por meio dele, atingimos desde pessoas dos lagos Sul e Norte até moradores de Águas Lindas (GO);, relembra David.
Reconhecimento
O time de musicistas recebeu certificação do Ministério da Justiça e conquistou apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Até hoje, mais de 8 mil pessoas estrelaram apresentações. ;Por se tratar de um projeto democrático, ele passou a ser usado para manter o contato da universidade com a comunidade;, afirma o regente. ;As atividades são bem diferentes de um grupo normal porque têm características cíclicas. Muita gente nunca cantou em lugar nenhum e, quando chegam aqui, se veem do outro lado do palco.;
O Coro Sinfônico da UnB é composto por cantores e por uma orquestra. Os dois grupos apresentam peças de grandes obras da música erudita. Nos ensaios, os participantes aprendem as músicas que interpretarão na apresentação final. Não é preciso saber ler partituras ou ter entendimento musical aprofundado. As canções do repertório, separadas por tipo de voz, são disponibilizadas por links para que cada um aprenda, separadamente, os trechos da performance.
Integrante do grupo há sete anos, o servidor público Márcio Baeta, 42, desenvolveu técnicas para cantar músicas de ;grande sofisticação;, sem conhecimento prévio. ;O canto parece algo inatingível e, no decorrer das aulas, vemos que tudo vai se encaixando;, conta. Para Márcio, os encontros funcionam como terapia. ;Há uma sensação de pertencimento. Nos fins de semana, fico com meus parentes, mas, às quintas-feiras (quando ocorrem os ensaios), são os dias que dedico a mim. Isso me faz muito bem;, completa.
Crise financeira
Em 2018, a UnB teve de enfrentar um rombo orçamentário de mais de R$ 92 milhões. Com os cortes nos recursos financeiros destinados à universidade, o setor administrativo precisou tomar duas medidas: reduzir R$ 39,8 milhões em despesas e atingir uma receita de R$ 50,8 milhões. No caso do Coro Sinfônico, a UnB comunicou, em nota, que o projeto recebeu apoio do Decanato de Extensão para a impressão de material gráfico e que a possibilidade de concessão de duas bolsas de extensão está em estudo.
O regente David Junker conta que, antes da crise, parte da verba para financiamento das atividades do coral eram transferidas diretamente pela administração da universidade. O dinheiro era destinado à orquestra, às partituras, aos programas e aos assistentes do maestro. Após as mudanças, no entanto, o grupo passou a concorrer com outros projetos vinculados ao Instituto de Artes (IdA) da UnB para receber os recursos.
Desde então, a Associação Amigos do Coro precisa arcar com todas as despesas, usando o dinheiro arrecadado com as mensalidades recebidas dos participantes. Antes da crise, essa taxa era destinada apenas a despesas administrativas e gastos com a orquestra. A falta do incentivo financeiro recebido anteriormente resultou em uma dívida de R$ 45 mil, adquirida no ano passado, referente ao pagamento dos assistentes técnicos.
Os instrumentistas também enfrentam problemas. Eles tocam de graça nos espetáculos há pelo menos cinco anos. A estimativa é de que os gastos anuais para manter todo o projeto em atividade fiquem perto de R$ 400 mil. Contudo, o grupo recebe apenas R$ 20 mil da UnB. ;Estamos atingindo um nível em que se tornará muito difícil, senão impossível, mantermos nossas atividades. Antes, tínhamos patrocínio. Mas ele também vem caindo há um ano. Nossa saída será tentar arcar com esses custos por meio da Lei Rouanet;, pondera Junker.
Participante do coro desde 1999, Edit Silva, 60, está apreensiva com a situação. Ela relata que, graças ao grupo, teve a oportunidade de se apresentar diante de milhares de pessoas, cantando músicas em idiomas como inglês, alemão e latim. Para a jornalista, a possível interrupção das atividades terá impactos significativos em diversas áreas. ;Com esses problemas, perderíamos a presença da música para a comunidade, a possibilidade de qualquer pessoa participar do coro, e o próprio Departamento de Música da UnB também perderia, pois os alunos deixariam de colocar em prática o que aprenderam nas aulas. Infelizmente, não se dá mais tanta importância ao grupo;, lamenta.