O Correio procurou personalidades da capital para contar como a lembrança dos torneios se mistura com a dos moradores de Brasília e, também, com a história da própria cidade. O Arquivo Público do Distrito Federal, por exemplo, guarda um pequeno acervo de eventos relacionados ao Mundial.
Entre as imagens, JK e a primeira-dama, Sarah Kubitschek, escutam, sentados próximos a um rádio, no Hotel Nacional, a partida entre Brasil e Suécia, que consta entre os finais felizes do país na Copa: 5 x 2 para os canarinhos, na casa do adversário. Há, ainda, registros da chegada da Seleção Brasileira em 1970 e, em um cenário político bem diferente, em 1994.
O silêncio Maracanazo
A vitória dos uruguaios sobre a Seleção Brasileira, em 1950, na final da primeira Copa do Mundo sediada pelo Brasil, foi tão traumática que ganhou um nome: Maracanaçzo. É uma das mais marcantes memórias futebolísticas do cineasta Vladimir Carvalho, 83 anos, paraibano radicado em Brasília. Ele conta com humor a consternação sofrida em 16 de julho daquele ano, quando ele ainda morava em Itabaiana (PB). ;Era um município de bacia leiteira e lavoura, já bastante decadente. Era um cenário sem agitação e tinha um time que era o União Futebol Clube. Eu era apaixonado. Era ligado em futebol. Toda vida fui. Jogava, mas era um míope horroroso. Tomei cada bolada na cara. Já perdi muitos óculos;, contou, sorridente.
Vladimir ouviu o jogo na sala de casa, com a família, todos ao redor de um rádio modelo Philips Matador. ;Acho que tinha esse apelido pois matava o ouvinte de raiva com os chiados;, brinca o cineasta. Ele reforça que as partidas eram carregadas da mesma comoção que se sente hoje, 68 anos depois. ;Eu me lembro de ter acompanhado, ouvido os gritos. A cidade era calma. Mas, de repente, o silêncio era letal. Foi quando perdemos a Copa. Aquilo, para mim, foi terrível. Minha cidade não tinha água encanada. O fornecimento era feito em lombo de burro. Eu saí de casa e fiquei olhando os burrinhos vindo. Era o quadro da melancolia.;, recordou.
Oito anos depois, em 29 de junho de 1958, o então presidente da República, Juscelino Kubitschek, ouvia a final em um rádio no Hotel Nacional, com a primeira-dama e assessores. JK pedia silêncio para escutar a partida. Foi quando Vladimir, aos 23, viu o país conquistar o título pela primeira vez. ;Eu me encontrei com uns caras no centro de João Pessoa, um lugar chamado Sorveteria Canadá. Fui encontrado em um bairro mais afastado, tinha vomitado. Não sou chegado à bebida, mas essa foi a Copa da minha vida e tomei um pileque;, relembrou.
Passeata na W3
;Lembro muito daquele time genial, da comemoração na W3 Sul, uma carreata. Eu acompanhava meu pai, que dirigia uma Rural.; É assim que o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, descreve a sensação de, aos 10 anos, ver a Seleção Brasileira sagrar-se tricampeã do mundo em uma campanha irretocável, em que venceu todos os jogos. A última partida foi contra a Itália, em 21 de junho de 1970. Na escalação, nomes como Pelé, Rivelino e Tostão faziam a diferença. ;Eu era criança, mas foi a primeira vez que torci com força. Tenho uma lembrança muito boa da copa de 1970;, rememorou.
O evento é outro que se mistura com a história de Brasília. À época, o país vivia o terceiro mandato de presidentes da ditadura. À frente do poder estava o general Emílio Garrastazu Médici. O tri foi um alívio em meio a um período de opressão que ainda duraria até 1985. Em 23 de junho de 1970, o militar recebeu os jogadores no Palácio do Planalto. A seleção chegou em um caminhão dos bombeiros. O cenário do centro da capital era diferente. A Praça dos Três Poderes ainda não tinha o Panteão, por exemplo. Milhares de pessoas tomaram a Esplanada dos Ministérios para ver a Seleção chegar escoltada pelos Dragões da Independência.
Rapper e torcedor
O músico Marcos Vinicios de Jesus Morais, 47, mais conhecido como Japão, cresceu nas ruas de Ceilândia, jogando bola em campos de terra vermelha, com os pés descalços. Flamenguista fanático, tem os mundiais de 1982, 1994 e 2002 como as disputas mais importantes da Copa do Mundo. A mais antiga das memórias do rapper é, também, a mais forte. A Seleção Brasileira escalada por Telê Santana tinha nomes como Zico, Sócrates, Falcão, Júnior, Eder, Toninho Cerezo e Luizinho. Era favorita, mas perdeu para a Itália em 5 de julho daquele ano. ;Até hoje não consigo superar o Paolo Rossi;, diz, lembrando-se do italiano que marcou contra a Seleção nos primeiros 5 minutos da partida.;As alegrias vieram em 1994 e 2002;, emendou. Pudera, a conquista do tetracampeonato veio depois de 24 anos sem ganhar, e a do penta isolou o Brasil como time que mais conquistou títulos na história das Copas. Este ano, porém, Japão olha com ceticismo para os canarinhos. ;Não estou acreditando muito. O Neymar não está preparado psicologicamente. Não joga o que ele sabe. Nem estou preocupado. Minha preocupação é o Flamengo. Somos líderes e vamos embora;, garantiu.
Adeus doloroso
A humorista Maria Paula Fidalgo, conhecida por sua atuação no programa de TV Casseta e Planeta é brasiliense, mas muito nova deixou a capital para viver o sonho e construir a carreira profissional no Rio de Janeiro. Há alguns anos de volta a Brasília, ela comemora sua primeira Copa na cidade natal. O sentimento é de alegria, por estar ao lado da família. ;Quando os jogos são bonitos, eu fico muito animada, mas quando a galera dá mais importância à competição do que à confraternização, o evento perde sua essência;, opinou.
Das memórias que tem relacionadas às várias Copas do Mundo, uma das mais marcantes e tristes para ela ficou associada à Copa na Alemanha, em 2006. Ela recebeu a notícia da morte do humorista Cláudio Besserman Vianna, mais conhecido como Bussunda. O artista estava no país que sediava o Mundial participando da cobertura do evento. ;Foi um choque muito grande, um momento difícil da minha vida, de muita dor e sofrimento, porque perdi um parceiro, amigo e excelente artista. Então me marcou muito;, recordou.
* Estagiária sob supervisão de Margareth Lourenço (Especial para o Correio)