Amigos e familiares de Jiwago Henrique de Jesus, 33 anos, encontrado morto no último sábado, na Universidade de Brasília (UnB), se despediram do jovem na tarde desta segunda-feira (25/6). O rapaz foi velado na capela 7 do Cemitério Campo da Esperança, em clima de revolta e tristeza. O corpo do estudante de filosofia estava em um matagal próximo à Colina, área residencial da universidade que ele frequentava.
Estudantes, amigos e docentes da UnB participaram da cerimônia, que teve início às 13h e terminou às 16h, com o sepultamento. Aqueles que conviveram de perto com Jiwago, se expressaram com palavras positivas sobre a personalidade do estudante. Estela Villar, 21 anos, falou do amigo com muito pesar. "Ele era uma pessoa doce, nunca vi Jiwago esboçar uma atitude agressiva, a única vez que o vi irritado foi quando alguém ameaçou o seu amigo. E mesmo assim ele não agiu violentamente;.
A estudante relembra como o tratamento do amigo ; que estava em situação de rua e sofria de esquizofrenia e bipolaridade ; era menosprezado. "Ele era jogado de órgão em órgão, ninguém prestava a assistência necessária. Na verdade, quem deveria ajudá-lo esperava que ele morresse, porque desta forma, seria um problema a menos para lidar", conta Estela. A jovem afirma que este não é um caso isolado. Segundo ela, assim como Jiwago, outros tantos alunos que necessitam de cuidados especiais são desconsiderados pelas autoridades.
Ambiente inseguro
A segurança no campus é tema recorrente de discussões acerca da universidade. Estela conta, ainda, um episódio que aconteceu com ela. "Já passei por várias coisas, até ameaça de morte. Recentemente, fui perseguida por um homem, consegui despistar, mas relataram que ele estava fazendo bagunça por lá. Então, eu procurei a segurança do campus e me disseram que só poderiam fazer alguma coisa, diante um fato concreto. É terrível, porque além dos seguranças da UnB, existem policiais militares e a equipe terceirizada, mas eles não se comunicam. Não há mulheres fazendo parte da fiscalização, tive que relatar o meu caso para um grupo de homens. Eles faziam perguntas sobre a roupa que eu usava na hora em que fui perseguida. É muito despreparo;, comenta a estudante.
Outra colega de Jiwago, Sandra Bonfim, 52 anos, alerta para a insegurança vivida na instituição. Ela diz que já presenciou várias ocorrências, a última há menos de dois meses. "Eu estava chegando para assistir a aula das 10h, quando eu vi um grupo de pessoas tentando linchar um rapaz, que havia agredido uma moça. Eu intervi e conseguiram apartar a briga. Eu acabo pensando o que teria acontecido se eu não chegasse na exata hora da agressão. Certamente o rapaz teria sido morto", diz. Além deste caso, Sandra garante já ter visto outras situações semelhantes. "É pior para as mulheres que se sentem constantementes ameaçadas, sentir medo já faz parte do senso comum", lamenta Sandra.
Despreparo e preconceito
A falta de um serviço de atenção aos problemas psiquiátricos é a queixa da professora Ana Miriam Wuensch, 55. Ela conviveu com Jiwago e acompanhou a dificuldade enfrentada pelo estudante, em decorrência de sua condição psíquica. "A universidade precisa de atendimento concreto para alunos, professores e funcionários. Jiwago sofreu com esta ausência, ele foi marginalizado, estava sendo expulso do alojamento estudantil e não recebeu suporte interno", detalha.
A docente conta, ainda, as vitórias do aluno, apesar de tantas dificuldades. "A inteligência e a força de vontade de Jiwago são admiráveis. Mesmo com tudo que ele passou, ele apresentou o seu TCC (trabalho de conclusão de curso), que foi aprovado. Ele aguardava a emissão do diploma para assumir a vaga no concurso da Secretaria de Educação, no qual passou em 4; lugar;, lembra Ana.
Professora da Faculdade de Comunicação, Verenilde Pereira conta que o rapaz tinha as principais características para sofrer todo o preconceito e discriminação na sociedade. "Primeiro ele era negro. Segundo, se tornou mendigo. E, em terceiro lugar, tinha um problema psiquiátrico. Ele não recebeu o amparo necessário à sua condição", desabafa a docente. Verenilde cita as imensas qualidades de Jiwago: "Eu não fui sua professora, ao contrário, foi ele quem me ensinou. Quando estava no doutorado, ele me ajudou por diversas vezes, ele tinha uma incrível visão de mundo", relembra.
Verenilde conta que, muitas vezes, alunos e professores precisaram arrecadar fundos para comprar o remédio que Jiwago tomava. Os medicamentos deveriam ser entregue pelas instituições de saúde, mas sempre estava em falta. Ela analisa que a situação não é recente, e que o aluno não foi a única vítima. "Exatamente naquela redondeza, uma professora da licenciatura se matou. E também, o filho de um professor da instituição. É necessário olhar para estes casos, não são ocorrências isoladas", lamenta.
Os alunos também relatam a necessidade da implantação de um sistema de atendimento psiquiátrico sólido. O colega e representante do Centro Acadêmico de Filosofia, Mateus Felipe, 20 anos, narra as tentativas de ajuda ao colega assassinado. "Nós nos mobilizamos para pedir auxílio para Jiwago, levamos nosso pedido ao Conselho Universitário e à Reitoria. Ele foi agredido outras vezes, mas nada disso foi o suficiente para ajudá-lo. Nós só temos um psicólogo atendendo os alunos, é um descaso do governo federal, que poderia aliar os serviços da UnB ao SUS;, diz Mateus.
O universitário frisa, também, a importância de um acompanhamento mais intenso em relação à saúde mental dos estudantes. ;A academia é mecânica, pouco humana e que robotiza os estudantes. Manter a mente sã é um desafio, em um local tão frio. Eu me consigo forte, porque assim como Jiwago, faço parte da parcela socialmente vulnerável, moro no Entorno, passo por muitas dificuldades para poder ocupar uma cadeira na universidade. Por isso, é de extrema importância que entidades de saúde também auxiliem na atenção aos alunos;, pondera o rapaz.
Devido à morte do rapaz, a UnB decretou luto por três dias. No domingo (24/6), a Secretaria de Comunicação da universidade emitiu nota lamentando a morte de Jiwago e diz aguardar esclarecimento das circunstâncias por parte das autoridades policiais. Ninguém foi preso. Na nota, UnB garante que está prestando assistência aos amigos e familiares do estudante. O Departamento de Filosofia também se pronunciou e lamentou a morte do estudante. O crime foi registrado na 5; Delegacia de Polícia (Área Central), mas agentes afirmaram que o caso está a cargo da 2; DP (Asa Norte).
*Estagiária sob supervisão de Anderson Costolli