Murilo Fagundes*
postado em 09/06/2018 08:00
O basquetebol chegou a Brasília pouco depois do nascimento da capital. Há quase 60 anos, o esporte alcança conquistas e traz orgulho aos brasilienses. Magu, Zequinha, Oscar, Tonico e Jean, famosos nomes das quadras, saíram daqui. E até mesmo Galvão Bueno, o que poucos sabem, marcou presença no basquete da capital do país. A velha guarda, responsável por trazer inúmeros títulos e conferir a Brasília a tradição no esporte, ainda se reúne depois de décadas em vários pontos da cidade para jogar as famosas peladas e relembrar, de forma saudosa, as histórias da equipe.
São 19h30 de uma terça-feira. Um grupo de jogadores com muita história para contar chega ao Cota Mil, no Setor de Clube Sul. O local recebe uma turma animada, formada, em maioria, por aposentados que têm pique para disputar uma partida de basquete. Eles parecem ter voltado aos tempos de juventude. Os sorrisos, as traquinagens e as piadas deixam o clima de jogo, que costuma ser competitivo (ninguém quer perder), agradável, servindo de aquecimento. Depois de tantas disputas acirradas nos velhos tempos, a nata do basquete brasiliense estava reunida novamente. Desta vez, em uma pelada.
Mas, esse reencontro não foi tão fácil. Alguns são amigos de infância, como é o caso de Chicão (Francisco Costa) e Boy (Ronaldo Pereira), que fizeram história no Clube Vizinhança. Outros não se viam há mais de 20 anos, a exemplo de Amândio e Luís Sérgio, dois dos maiores representantes da capital nas competições dos anos 1960 e 1970. Para Amândio Efrem, 58 anos, o grupo estava espalhado, e o responsável por unir os amigos foi Rubens Cavalcante, que também marcou presença nas quadras.
O historiador Rubens Cavalcante Júnior, 53 anos, foi jogador de basquete em Brasília, chegou a ser técnico e, mais tarde, começou a jogar peladas com os veteranos. Apaixonado pelo esporte, resolveu documentar toda a trajetória do basquete na capital. Rubens reúne mais de 15 mil recortes de jornais, compra fotografias antigas, viaja para fazer entrevistas, tem o contato de mais de 400 jogadores, coleciona medalhas e camisetas. Faz tudo por conta própria.
;Conversando com o professor Pedro Rodrigues, um dos pioneiros do basquete em Brasília, vimos que ninguém tinha feito um trabalho sério de catalogação da história do basquetebol na cidade. Faço esse trabalho por amor;, conta.
Para Rubens, o time dos sonhos do basquete brasiliense seria formado pelos alas Oscar, Roberto Cavalcante, Erivaldo, Tata, Marcio Ladeira e Ataulfo Zequinha, pelos pivôs Pipoka e Magu e pelos armadores Teta e Luís Sérgio, além dos técnicos Geraldo da Conceição, Zezão,Pedro Rodrigues, Lupércio e professor Pirelli. Luís Sérgio Teixeira, 64, um dos citados por Rubens, depois de quase 20 anos sem aparecer nas peladas, resolveu ir à quadra do Cota Mil para jogar com colegas de quadra que não via há décadas. O armador jogou nos anos 1960 e 1970 e representou o Unidade Vizinhança, ao lado de Oscar Schmidt. Além disso, foi da Seleção Juvenil de Brasília.
;Entrei no basquete por acaso. Em 1967, quando tinha 13 anos, fui buscar um amigo no Clube Vizinhança e, enquanto esperava, fui chamado por ele para jogar. Hoje, ao rever esse pessoal, sinto-me muito contente. É quase um reencontro com a noiva;, brinca. ;Há 20 anos não pegava em uma bola. Mas, agora quis brincar de novo com o basquete. O vício voltou;, garante o armador.
Datas importantes do Basquetebol de Brasília
1961
Primeiros torneios
1962
Criação da Federação de Basquete de Brasília
1963
Formada a primeira seleção juvenil para o 16; Campeonato brasileiro, realizado no Teatro Nacional
1965
Primeira medalha do nosso basquete(Jogos Universitários Leste-Sul)
1969
Participação nos I Jogos Escolares brasileiros, em Niterói
1981
Primeiro título do nosso basquete, Taça Brasil de Clubes juvenil em Goiânia 1987-Primeiro título dos Jogos Escolares brasileiros, em Campo Grande/MS
1985
Primeiro título nos Jogos Universitários Brasileiros, em Goiânia
1987
Brasília tem dois atletas na seleção brasileira que foi campeã Panamericana, em Indianápolis
Tradição de boca em boca
O pesquisador Rubens Cavalcante folheou diversas páginas de jornais, clicou em milhares de links em páginas de pesquisas e tentou reunir variados relatos dos poucos livros existentes sobre a trajetória do basquete em Brasília. Mas, é no boca a boca que as grandes histórias aparecem. A missão dele é conferir os relatos e registrar, oficialmente, a força do basquete da capital para que as futuras gerações conheçam.
Entre as várias histórias contadas pelos veteranos, algumas Rubens não esquece. Como é o caso do primeiro jogo de basquetebol em Brasília. ;As pessoas contavam que, em 1963, a primeira seleção juvenil formada não tinha ginásio para jogar na cidade. Então, adaptaram a Sala Martins Pena, do Teatro Nacional, como quadra. Fui conferir nos jornais e encontrei a foto. A maioria das pessoas são bem fiéis ao que eles falam;, revela o pesquisador.
Outra história muito contada por Chicão, 67 anos, é a de que já tinha jogado contra a seleção feminina. ;Conferi no Correio Braziliense e era verdade;, atestou Rubens. Chicão, além de jogador, foi técnico. E hoje reencontra alguns dos jogadores que liderava nas peladas do Cota Mil. ;Continuamos a jogar, mas, claro, de uma forma mais tranquila. A ideia agora é nos divertirmos, sempre com alto nível;, conta o carioca, que veio à capital ainda criança.
Amândio, que também foi técnico, sagrou-se o primeiro jogador de basquete brasiliense a disputar uma competição internacional. Enquanto assistia a uma partida dos colegas, o veterano olhava fixamente para o jogo e disse, emocionado: ;Não é saudosismo, sabe? Mas jogar com esse pessoal é voltar ao passado. Aprendemos a jogar coletivamente. E isso é muito bonito.;
Trajetória crescente
Nos anos 1960, todos os jogadores vinham de fora da cidade, que ainda engatinhava no cenário esportivo. Mas, mesmo assim, Brasília conseguiu alguns feitos, como a conquista da primeira medalha do basquetebol brasiliense, nos Jogos Universitários Leste-Sul. O jogador Pará, que atuava nessa época, ainda marca presença nas peladas dos veteranos.
Na década de 1970, craques como Oscar e Magu foram formados. A vitória do Franca (time do interior paulista) sobre o Real Madrid, com 50 pontos de diferença, trouxe alegria aos torcedores da capital, já que os esportistas crescidos aqui foram destaques na conquista. Nos anos 1980, a capital começou a se afirmar com Jean, Zé Carlos Vidal e Pipoka, que também jogou as Olimpíadas com Oscar.
Nos jogos Panamericanos de 1987, ocorreu a única derrota dos Estados Unidos em território americano. Entre os atletas brasileiros, Oscar e Pipoka, graduados no basquetebol brasiliense. Na década de 1990, foi a vez de Tonico, Jean e Claudio Brasília se destacarem nos jogos com os times universitários nos campeonatos escolares. Em foco, os clubes Vizinhança, Motonáutica e Minas Brasília. Nos anos 2000, vieram o Universo e, posteriormente, o UniCeub.
*Estagiário sob supervisão de José Carlos Vieira