Jornal Correio Braziliense

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Gêmeos repentistas Laudio e Lauro França chamam atenção na capital

Os gêmeos repentistas chegaram recentemente na capital. Eles buscam apoio para se firmar profissionalmente na cidade


Conhecida por ser uma cidade acolhedora de várias culturas, Brasília recebeu, há cinco meses, dois repentistas que escolheram a capital para chamar de casa. Os gêmeos Laudio e Lauro França, 49 anos, deixaram a Caatinga e a pequena Irecê (BA) e vieram ao Distrito Federal para exaltar uma arte arraigada no sertão nordestino e enaltecedora da cultura brasileira. Longe da família e ainda desconhecidos, os dois se apresentam em transportes coletivos e contam com o apoio dos passageiros para continuar a entoar cordéis e repentes e recitar famosas poesias da literatura.

Todos os dias, os gêmeos repentistas acordam cedo, por volta das 6h. Laudio e Lauro fazem ritos tibetanos, uma série de exercícios também conhecida como rituais da eterna juventude, e preparam a própria alimentação, que inclui um suco de clorofila. Por volta das 7h30, os dois saem de casa, na zona rural de Planaltina, e se deslocam 5km até chegar ao terminal rodoviário da cidade, onde começam a cantar e encantar quem embarca na viagem até o Plano Piloto.

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Mas, antes de o show começar, olhares esquivos e desconfiados rodeiam os irmãos. Alguns pensam tratar-se de vendedores. Outros acham que os gêmeos são pedintes. Às vezes, os motoristas fecham as portas e impedem os cantores de entrar nos ônibus de transporte coletivo. Tudo muda quando o som da flauta reverbera, e quando o toque do pandeiro ressoa. Laudio é o flautista, e Lauro, o pandeirista. Ambos são cantores, mas não escrevem cordéis.

Ligação cultural

A coletânea escolhida pelos gêmeos é vasta e, de forma singular, exalta a cultura brasileira em todas as obras. Os dois percorrem do modernismo, com obras de Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, e Mário de Andrade, até o romantismo e o parnasianismo, com textos de Castro Alves e Augusto dos Anjos, por exemplo. O regionalismo também é marca registrada dos baianos. Entre as inspirações, Vital Farias, Ivanildo Vila Nova, José Laurentino e Zé Vicente da Paraíba. ;Nascemos na Caatinga, em um pequeno povoado. Quando fomos para Salvador, conhecemos alguns compositores que trabalhavam com a temática da natureza, o que muito nos influenciou. Um deles foi Augusto Jatobá, autor da obra Xangai;, lembra Lauro.

Os cordéis de Lauro e Laudio geralmente tratam da Mata Atlântica e da Floresta Amazônica. Agora, os dois buscam uma obra que honre o Cerrado, bioma que os recebeu há cinco meses. ;A recepção do público brasiliense tem sido muito boa, tanto nos ônibus, quanto dentro das salas de aula, principalmente na Universidade de Brasília, nosso reduto. A capital nos recebe sem censura, então sou muito grato por isso;, conta Laudio. Ele e o irmão têm batido à porta de escolas públicas e particulares da cidade para oferecerem apresentações. Nos coletivos, também divulgam o trabalho artístico e pedem para serem chamados para performances em aniversários.

Os baianos moram de favor na casa de um amigo que os acolheu em Planaltina. Eles se mudaram sem a companhia de familiares, então contam com alguns entraves. ;O desafio de nos afirmarmos como artistas em um lugar onde somos pouco conhecidos é nossa maior dificuldade. Mas encontramos apoio de amigos e isso foi essencial;, diz Lauro. Por se apresentarem em ônibus, Laudio e Lauro também enfrentam a barreira do tempo, inimigo de muitos trabalhadores e estudantes na correria cotidiana. Os passageiros, muitas vezes exaustos, não dão a devida atenção à manifestação artística e, algumas vezes, desmerecem o trabalho. Lauro conta que os dois já escutaram palavras ofensivas. ;Uma vez, um homem mandou a gente ir trabalhar. E a nossa melhor resposta foi o silêncio;.

Mas nada disso ofusca o talento dos irmãos artistas, já que os dois são movidos pelo apoio de quem não deixa o pandeiro e a flauta pararem de tocar. ;Precisamos nos adequar a esse ritmo de capital. Brasília é uma cidade que, por si só, tem um estilo muito formal. Mas a capital não rejeita quem veio de outra cultura. Então, ficamos honrados;, completa Laudio.