Um dos três filhos do promotor de Justiça Delson Ferro, 54 anos, decidiu pegar o volante depois de ter bebido uma lata de cerveja. Foi parado em uma blitz e teve a carteira de habilitação suspensa por um ano. O rapaz pediu a interferência do pai. Delson garante que foi irredutível. ;Errou, tem que pagar;, ressalta, com segurança. O discurso não poderia ser diferente para quem, desde 2010, ministra palestras para infratores que se envolveram em pequenos delitos no trânsito.
A ideia de promover as explanações partiu do promotor e os eventos, que ocorriam só na área de atuação dele, no Paranoá e no Itapõa, desde 2014, passaram a integrar as atividades do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Iniciativas de extrapolar o trabalho no gabinete para levar cidadania à comunidade são compartilhadas por outros promotores de Justiça. Eles fazem isso fora do horário de trabalho e sem ganhar nada a mais.
Em São Sebastião, a promotora Carina Costa Oliveira Leite conseguiu sensibilizar alguns professores e responsáveis por associações locais a oferecer atividades no contraturno escolar a crianças e adolescentes. Ela defende os caminhos da educação e do esporte para afastar da violência e das drogas meninas e meninos em situação de vulnerabilidade.
Com intenção semelhante, no Plano Piloto, a promotora de Infância e atriz Luiza de Marilaque elegeu as artes cênicas para que adolescentes de um abrigo expressassem seus anseios e expectativas para o futuro. As oficinas de teatro culminaram na montagem e encenação de duas peças teatrais, que tiveram como roteiro as experiências de vida dos jovens atores.
Conscientização
Promotor desde 2000, Delson Ferro atua na área criminal e de delitos de trânsito. Incomodado com o aumento das infrações nas vias do DF, ele defende que essas pessoas sejam educadas e sensibilizadas. ;Não adianta apenas punir, elas têm de ser conscientizadas dos seus erros e mudar sua maneira de agir;, destaca. Foi quando precisou renovar a carteira de motorista que teve a ideia. Ao estudar em uma apostila fornecida pelo Departamento de Trânsito (Detran-DF), avaliou que o material poderia ser mais aprofundado. Procurou um psicólogo e formatou a palestra Valorize a vida no trânsito.
O evento, que ocorre a cada três meses, tornou-se obrigatório para infratores que cometem delitos menos graves, ao lado de outras determinações judiciais, como comparecer em juízo regularmente e prestar serviços comunitários. Delson defende que esse tipo de infrator não é um potencial criminoso, apenas falta conscientização.
Com a ajuda do psicólogo José Vanderlei Santos, Delson tenta fazer com que os participantes das palestras se sintam em casa. Durante as três horas de conversa, eles usam músicas e vídeos para prender a atenção da plateia. ;Queremos fazer uma palestra acolhedora. Interajo com as pessoas a todo o momento. Trago diversas experiências para me colocar no lugar de cada um que está aqui. A partir do momento em que mostramos que somos iguais, conseguimos atingir a todos;, afirma José Vanderlei.
O mais recente encontro ocorreu em março, quando as cadeiras do auditório do MPDFT acomodaram cerca de 200 pessoas de diferentes estilos. Homens e mulheres. Jovens e idosos. Nos primeiros momentos da conversa, muitos demonstraram algum tipo de incômodo. Teve quem se remexeu nas poltronas, quem preferiu utilizar o celular e até quem caiu no sono. Entretanto, o desconforto inicial, com o tempo, foi dando espaço a vários tipos de reações. Risadas, aplausos e até o compartilhamento de comentários com os palestrantes.
;Infelizmente, algumas pessoas saem daqui da mesma forma que entraram. Contudo, estou certo de que muitos absorvem o que foi dito. As mensagens não entram por um ouvido e saem pelo outro. Elas provocam um efeito positivo. Quisemos desenvolver essa ideia de mudança. Se fizermos a nossa parte, e ensinarmos outros a também fazer, vamos gerar uma cultura diferente;, defende Delson.
Mudança de hábitos
As lições tocaram o microempresário Emiliano Caldeira, 59 anos. ;Nós temos que ter o controle da situação para evitar a ocorrência de acidentes;, disse. Ainda com o direito de dirigir suspenso, ele mudou alguns hábitos que tinha ao volante. ;A cada dia estou melhor. Antes, eu achava que era um gigante no trânsito, hoje, eu me considero um cidadão bem consciente;, garantiu.
O carpinteiro Sidney Braga, 32, contou que sempre foi aconselhado a não dirigir embriagado. No entanto, foi preciso um delito para ele perceber que estava errado. ;Eu não escutava porque não achava que aconteceria comigo. Se eu tivesse a oportunidade de falar com o Sidney do passado, teria puxado a sua orelha e pedido para ele prestar atenção. Mas, daqui para a frente, vai ser diferente. Foi uma experiência muito importante para a minha vida;, afirmou.
Com a comerciante Conceição Alves, 37, o panorama foi o mesmo. Depois de ouvir na palestra que as atitudes dos pais influenciam os filhos, ela pretende modificar alguns costumes. ;Quero ser um exemplo para os meus filhos. A criança faz aquilo que ela vê. E eu não quero ver os meus filhos cometendo os mesmos erros que eu;, assegurou.
Expansão
Ao conhecer a iniciativa, em 2014, o procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bessa, ampliou o projeto e o levou à sede. As reuniões que recebiam cerca de 30 participantes passaram a ser trimestrais e com cerca de 200 inscritos. Delson admite que a maioria participa por obrigação, mas que as pessoas acabam se sensibilizando. ;Houve diversas vezes em que voltaram acompanhados de filhos ou da mulher, por exemplo;, conta.
A atuação do promotor fora do gabinete envolve ainda o projeto Você tem outra opção, desenvolvido apenas nas regionais onde ele atua e direcionada a quem praticou delitos como furto ou se envolveu em violência doméstica, por exemplo. Nesse caso, a inspiração veio de um infrator que procurou o promotor para pedir ajuda. ;Ele queria deixar a vida criminosa, buscar um caminho para a vida dele. Fiz o que estava ao meu alcance e, hoje, tenho orgulho de dizer que esse rapaz estudou, constituiu família e trabalha.;