Foragido há 16 anos e meio, um dos integrantes do maior roubo da história de Brasília mantinha uma vida de luxo. Nos últimos meses, morava em um condomínio de classe média alta, onde os apartamentos custam entre R$ 800 mil e R$ 1,4 milhão, ao lado do shopping Metrópoles, em São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista. Dirigia uma Land Rover Freelander. Marcelo Reis da Silva, 43 anos, foi preso ontem, quando saía de casa, com a mulher e uma filha, por policiais civis da Coordenação de Combate ao Crime Organizado, aos Crimes contra a Administração Pública e à Ordem Tributária (Cecor) do Distrito Federal.
Denunciado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) com o nome de Marcel Aparecido da Silva, o criminoso desapareceu depois de participar do audacioso assalto à agência JK do BRB, no edifício Trade Center, no Setor Comercial Norte. O crime, ocorrido em outubro de 2001, é considerado um marco na história de Brasília. Doze ladrões fizeram 17 reféns, entraram no banco e levaram uma fortuna até hoje incalculável.
Parte do tesouro tinha também um valor sentimental. A família de Juscelino Kubitschek alugava um cofre para guardar as joias e relógios herdados do ex-presidente, da ex-primeira-dama Sarah Kubitschek e da filha do casal Márcia Kubitschek. O patrimônio pertencia a Anna Christina Kubitschek, que nunca conseguiu reaver esse tesouro. Entre as preciosidades, peças que dona Sarah usou na inauguração de Brasília. ;Anna Christinna sofreu muito na ocasião. Agora, ela espera que essa prisão possa ajudar a localizar algumas das joias;, diz o empresário Paulo Octávio, marido da neta de JK.
Na agência, 70 cofres foram arrombados. Ninguém sabe ao certo os valores roubados porque os alvos principais dos bandidos eram depósitos particulares de milionários da cidade. Entre os que tiveram prejuízo, está o empresário Lázaro Marques, secretário de Desenvolvimento Econômico do governo Roriz. ;Cada cofre daquele era como um paraíso fiscal, onde bens eram guardados sem necessidade de declarar o seu conteúdo ao banco;, compara o ex-diretor-geral da Polícia Civil Pedro Cardoso, que à época foi o responsável pela investigação como titular da Delegacia de Repressão a Roubos (DRR). ;Muitos magnatas de Brasília guardavam dinheiro, ações e outros bens naqueles cofres;, lembra o deputado Laerte Bessa (PR/DF), diretor da Polícia Civil na época do assalto.
Marcelo Reis da Silva foi encontrado por persistência da Polícia Civil do DF. As digitais do ladrão, coletadas na cena do crime, estavam registradas nos arquivos sobre o caso. O inquérito também conta com imagens do criminoso, que era considerado um dos mais violentos do grupo. Ele era próximo do líder da organização criminosa, José Reinaldo Girotti, especialista em assaltos a bancos e cofres de penhores. A suspeita é de que o bandido ; que cumpre pena na penitenciária de Presidente Venceslau, em São Paulo -- seja ligado ao PCC. Como Marcelo era um dos braços direitos do líder, a investigação foi batizada como Operação Destro.
Investigação
Os policiais civis da Cecor chegaram a Marcelo quando tomaram conhecimento de que um dos envolvidos no assalto da agência do BRB participou, no ano passado, da escavação de um túnel na capital paulista para praticar o ;maior roubo do mundo;. Eles cavavam para chegar ao cofre central de uma agência do Banco do Brasil na zona sul da cidade, por meio de uma passagem subterrânea. Mas foram flagrados antes de cumprir o plano.
O delegado Fernando César Costa, coordenador da Cecor, foi a São Paulo para buscar informações e conseguiu identificar o homem que estava foragido da Justiça há 16 anos. Há 10 anos, ele chegou a trabalhar no caso por meio de investigação da Delegacia de Repressão a Roubos e Furtos (DRF), quando conseguiu localizar vários integrantes da quadrilha que assaltou o BRB. Faltava um remanescente. ;O crime organizado não se estabelece em Brasília por conta do trabalho da Polícia Civil de identificação de grupos que agem ou já agiram no DF;, afirma Fernando César.
A prisão do foragido ocorreu ontem, por coincidência no aniversário de Brasília. Batizada como JK, a agência foi inaugurada há 25 anos em homenagem ao fundador da capital. Justamente por isso foi escolhida para guardar as joias da família do ex-presidente. Para a equipe da Cecor, o sucesso da operação teve também um sabor especial por ser também o dia do policial civil. O episódio, que agora parece encerrado, é um capítulo importante da memória da capital.
Sequestro e roubo milionário
Em outubro de 2001, 12 homens executaram um assalto cinematográfico ao Banco de Brasília (BRB) localizado no edifício Brasília Trade Center. A ação criminosa teve início em três sequestros simultâneos, às 19h de uma segunda-feira. As vítimas eram gerente, tesoureiro e superintendente da agência, além de seus familiares, que foram conduzidos a uma casa no Park Way. O local foi o cativeiro até as 9h30 de terça-feira. Antes disso, às 7h, os funcionários foram obrigados a acompanhar um grupo até a agência para o assalto. Ao todo, 17 pessoas ficaram reféns dos ladrões por cerca de 14h.
Em mãos, os bandidos detinham a lista com os nomes dos proprietários dos cofres que seriam arrombados, sinal da minúcia com que se prepararam para a ação. Dos 300 espaços alugados, 70 foram arrombados. As vítimas contabilizaram um prejuízo de R$ 5 milhões, entre joias, objetos pessoais, dinheiro e afins. Uma delas perdeu 5kg de esmeraldas brutas, equivalentes a US$ 1,2 milhão. O BRB, por sua vez, somou R$ 500 mil em danos.
A investigação sobre o caso acabou dificultada pelo fato de não haver um circuito de câmeras de segurança no local naquele tempo. Ou seja, as apurações foram embasadas apenas por relatos. À época, a direção regional do BRB estipulou uma recompensa no valor de R$ 50 mil para quem conseguisse informações decisivas para a prisão dos responsáveis pelo crime.
O responsável por idealizar o plano, José Reinaldo Girotti, acabou atrás das grades apenas em novembro de 2006. A Polícia Federal (PF) o prendeu em Londrina (PR), na saída de um supermercado. Àquela época, ele estava na lista de procurados da corporação havia cinco anos. Existem suspeitas de que o ladrão integre a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Hoje, ele está preso no estado de São Paulo.