Lucas Nanini - Especial para o Correio
postado em 21/03/2018 06:00
Radiola e telefone, 25 vestidos de época, utensílios domésticos da década de 1960. Os objetos são mais do que uma reunião de coisas antigas. Eles estão impregnados de uma história pouco relatada: o papel da mulher durante a construção de Brasília.
O acervo inclui ainda fotografias da época; diplomas das pioneiras, revistas, jornais, 25 artigos de decoração, TV, xícaras, pratos, panelas, bolsas e até uma central telefônica com ligação de ramais por cabos. Os itens foram reunidos sob a curadoria de Tania Fontenele para dar visibilidade às mulheres importantes durante a criação de Brasília.
O acervo começou a ser reunido em 2009, quando Tania iniciou o documentário Poeira e batom no Planalto Central. O filme estreou em 2010, durante as comemorações dos 50 anos de Brasília. Depois disso, os itens compuseram a exposição Memórias femininas, que chegou a ser exigida na Residência Oficial de Águas Claras.
As primeiras peças da mostra foram artigos de época que estiveram no lançamento do filme. Para a ocasião, a seleção contou com 50 fotos e ainda revistas antigas que pertenceram à mãe da cineasta, dona Maria Inês Fontenele Mourão. Também havia um vestido da década de 1960.
Para rodar o longa, a curadora e cineasta conversou com 50 mulheres que participaram da transformação do que hoje é a capital. Enquanto fazia suas pesquisas, Tania notou que o papel feminino era quase sempre ignorado nos relatos. ;Onde estão as mulheres na nossa história?;, se questionou durante o processo. ;Eu percebi que não se falava das mulheres, que foram muito importantes para a construção da cidade. Elas deixaram suas cidades de origem e vieram pra cá, pra pisar na poeira, sem água, sem luz, pra construir a nova capital.;
;Durante a garimpagem, eu pensei: Opa, isso aqui merece uma exposição;. Pedia para elas (as entrevistadas) trazerem fotos, documentos, objetos que fossem do início de Brasília. Era cada fotinha que essas velhinhas traziam, e isso não estava em nenhum arquivo, nenhuma biblioteca. Era preciso manter viva essa memória.;
Tania ressalta que é ;brasiliense da primeira geração;. Os pais dela chegaram em 1958. ;Como eles, tantos tiveram toda uma saga para trazer suas vidas para Brasília. É importante manter viva essa memória, por isso a exposição se faz fundamental;, declara a curadora.
;No acervo, há a máquina de escrever, as mesas de ferro, o mobiliário de escritório, tanta coisa importante. Tem as estantes com todas aquelas peças, o lenço que elas usavam para ir à Igrejinha. Tem foto de uma delas se casando, o pó de arroz sobre a penteadeira, os perfumes;, enumera.
Museu permanente
Com tantos documentos, objetos e registros da época da construção de Brasília, Tania quer um espaço permanente para o acervo. A ideia é contar com o apoio de especialistas para preservar todas as peças. ;Meu desejo é que a exposição tenha um espaço fixo, um museu das memórias femininas de Brasília. A gente poderia manter as peças em um único lugar e eventualmente ter exposições itinerantes.;
Antes de chegar à residência oficial do governador, a exposição passou pelo Salão Negro do Senado ; onde foi vista por 35 mil pessoas, segundo a curadora. A estreia da mostra aconteceu em 2011, no ParkShopping, em evento especial para o Dia Internacional da Mulher.
;Levei uma penteadeira, uma radiola, um Karmann Ghia (carro da Volks) amarelo. Depois, a exposição foi crescendo;, conta. As peças ainda passaram pela Casa Thomas Jefferson da Asa Sul e pelo Museu Nacional dos Correios. ;Foi lá, em 2013, que eu percebi que tinha coisa pra caramba;, se diverte. Agora, ela busca um local para preservar toda essa memória candanga.
"Onde estão as mulheres na nossa história? Eu percebi que não se falava das mulheres,que foram muito importantes para a construção da cidade. Elas deixaram suas cidades de origeme vieram para cá, para pisar na poeira, sem água, sem luz, pra construir a nova capital;Tania Fontenele,cineasta e pesquisadora