"O golpe de 2016 e o futuro da democracia do Brasil". Esse é o tema de uma disciplina que será oferecida pelo Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB) neste semestre, na graduação. A matrícula é optativa e há 50 vagas disponíveis. As aulas serão ministradas pelo professor titular Luis Felipe Miguel.
O objetivo da disciplina é abordar três temas que giram em torno do impeachment de Dilma Rousseff (PT): os elementos de fragilidade do sistema político que permitiram a ruptura; a análise do governo Temer e a investigação "o que sua agenda de o retrocesso nos direitos e restrição às liberdades diz sobre a relação entre as desigualdades sociais e o sistema político no Brasil"; e os desdobramentos da crise política.
Luis Felipe Miguel declarou, nas redes sociais, que se trata de uma disciplina corriqueira que "se alinha com valores claros, em favor da liberdade, da democracia e da justiça social, sem por isso abrir mão do rigor científico ou aderir a qualquer tipo de dogmatismo". Ele defendeu, ainda, que o posicionamento em relação ao tema cumpre como o compromisso do ensino superior "para a construção de uma sociedade melhor".
O texto teve mais de 330 compartilhamentos até a última atualização. Entre os apoiadores, vários defenderam a liberdade do pensamento. Já os críticos alegaram partidarismo com utilização de recurso público e apontaram para o risco de uma possível perseguição aos alunos que decidirem participar das aulas, mas forem contrários à ideologia. O assunto também foi alvo de debates nos grupos de estudantes da UnB.
Em nota, a universidade esclareceu que cabe a cada departamento elaborar e criar as próprias disciplinas e ementas. Ressaltou que a matéria que abordará o tema é facultativa, ou seja, a inscrição no curso é de interesse do aluno. "A UnB reitera seu compromisso com a liberdade de expressão e opinião - valores fundamentais para as universidades, que são espaços, por excelência, para o debate de ideias em um Estado democrático", finalizou.
MEC deve ir à Justiça
O ministro da Educação, Mendonça Filho, repudiou a inclusão do curso na instituição federal de ensino. Em nota, divulgada pela assessoria, o Ministério da Educação alegou que a disciplina "traz indicativos claros de uso de toda uma estrutura acadêmica, custeada por todos os brasileiros com recursos públicos, para benefício político e ideológico de determinado segmento partidário".
Com esta justificativa, a pasta acionará a Advocacia-Geral da União (AGU), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Ministério Público Federal (MPF) para a apuração de improbidade administrativa por parte dos responsáveis. Especialistas ouvidos pelo Correio, no entanto, acham difícil que a medida do MEC surta efeito.
A disciplina, de quatro créditos, não exige pré-requisitos e é aberta a todos os graduandos da instituição. As aulas vão ocorrer neste primeiro semestre letivo, todas as segundas e quartas. O período de matrículas em disciplinas na UnB termina na sexta-feira (23) e as aulas começam em 5 de março. Luis Felipe Miguel é doutor em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor titular da UnB desde 1996, segundo informações publicadas na Plataforma Lattes.
Confira a íntegra da nota do professor:
"Não vejo nenhum sentido em alimentar a falsa polêmica que querem abrir. Pedi à assessoria de comunicação da universidade que encaminhasse, de minha parte, apenas a seguinte observação:
Trata-se de uma disciplina corriqueira, de interpelação da realidade à luz do conhecimento produzido nas ciências sociais, que não merece o estardalhaço artificialmente criado sobre ela. A única coisa que não é corriqueira é a situação atual do Brasil, sobre a qual a disciplina se debruçará. De resto, na academia é como no jornalismo: o discurso da "imparcialidade" é muitas vezes brandido para inibir qualquer interpelação crítica do mundo e para transmitir uma aceitação conservadora da realidade existente. A disciplina que estou oferecendo se alinha com valores claros, em favor da liberdade, da democracia e da justiça social, sem por isso abrir mão do rigor científico ou aderir a qualquer tipo de dogmatismo. É assim que se faz a melhor ciência e que a universidade pode realizar seu compromisso de contribuir para a construção de uma sociedade melhor.