Hellen Leite
postado em 21/02/2018 06:00
;Quando as palavras falham, a música fala.; A frase do dinamarquês Hans Christian Andersen ressoa, mais de 100 anos depois de escrita, nos corredores do Edifício Pavanelli. É ali, na Rua 9 Norte de Águas Claras, que diariamente as melodias sopradas no saxofone por Daniel Alencar, 34 anos, propagam-se por apartamentos, corredores e áreas comuns do prédio.
As notas que aos poucos conquistaram os vizinhos, a ponto de serem esperadas com ansiedade, foram a maneira que o servidor público encontrou para tirar dos ombros um pouco do peso da rotina ; além de um trabalho estressante, Daniel e a mulher, Valeria Araújo Silva, 33, cuidam dos três filhos pequenos, um deles com autismo.
;O dia a dia de uma criança especial exige muito. Então, recebi a recomendação de procurar um hobby. Decidi voltar a estudar o saxofone, um instrumento que conhecia;, diz Daniel, que começou a estudar música aos 12 anos, por influência da mãe, Ana Quesia Alencar, professora da Escola de Música de Brasília.
[SAIBAMAIS]A música voltou a ser, então, sua forma de expressão. No começo, Daniel tomava o cuidado de fechar as janelas e abafar o som como podia. Prestava atenção também ao relógio, para não importunar os vizinhos nem muito cedo nem muito tarde. Até que o inesperado aconteceu: os moradores gostaram tanto do que ouviam que começaram a pedir para ele abrir as janelas e deixar a música sair livremente de seu apartamento, no 4; andar. Hoje, alguns chegam a avisar pelas redes sociais quando o servidor começa a tocar.
Identidade secreta
;Foi bom saber que eles gostam. É muito legal o reconhecimento. Geralmente, quem começa a estudar um instrumento recebe muita reclamação. Eu passei por isso quando estava aprendendo a tocar, na adolescência;, lembra. O número de admiradores cresceu tanto que alguns nem sabem que é ele o responsável pelas músicas que ouvem. ;A maioria não sabe quem eu sou. Falam apenas do ;saxofonista do Pavanelli;;, ri.[VIDEO1]
Vizinha de Daniel, a advogada Karla Malpeli, 48, sabe a identidade do músico. ;A filha dele é amiga dos meus filhos e um dia comentou que o pai toca saxofone. Eu amo ouvi-lo;, conta, animada. Ela não se cansa de divulgar o talento do vizinho. ;Um dia desses, ele começou a tocar e eu chamei as amigas que estavam aqui. Todo mundo correu para a minha cozinha, que é de onde dá para escutar melhor;, lembra.
Para manter seu público satisfeito e fiel, Daniel evita praticar, quando toca no apartamento, os exercícios musicais, que, muito repetitivos, podem ser um tormento para quem ouve. No Pavanelli, ele treina mais as músicas que compõem seu atual repertório, como a canção-tema do filme A bela e a fera e Hallelujah, de Leonard Cohen, essa última bastante elogiada, segundo o músico.
Para acalmar
A noção do que agrada mais ao público foi adquirida na época em que Daniel tocava em bares e casamentos para pagar os custos da faculdade, atividade que realizou por cerca de 10 anos. Foi em um desses shows, inclusive, que conheceu a mulher, Valeria Araújo Silva, 33.;Nós nos conhecemos porque tínhamos amigos em comum. Um dia, fomos vê-lo tocar em um bar. O saxofone tem muito a ver com a nossa história;, conta Valéria. Segundo ela, a música se tornou uma poderosa aliada da família, principalmente no trato com o filho autista, Arthur, 8. ;As crianças ficam mais calmas quando o Daniel toca;, revela, ressaltando que Ana Luísa, 10, também adora ouvir o pai, e a mais nova, Ana Cecília, 3, se acostumou a pegar no sono ao som do sax.
Entusiasmado com a nova fase, Daniel voltou a oferecer o serviço de músico em casamentos e criou até um site onde disponibiliza as interpretações dele (danielalencar.com.br). A página tem 13 canções gravadas e mixadas por ele mesmo. Títulos como Love me like you do, de Ellie Golding; Perfect, de Ed Sheeran; e Like I;m gonna lose you, de Meghan Trainor; podem ser ouvidas ali. Em breve, o trabalho deve ganhar também um canal no YouTube.