A casa da Tia Neiva, o ;castelo; onde estão os acervos escritos e em áudio deixados pela mentora da doutrina do Vale do Amanhecer e outros espaços religiosos estão na lista dos bens a serem penhorados pela Justiça. Os imóveis podem ir a leilão por causa da dívida que a entidade Obras Sociais da Ordem Espiritualista Cristã (Osoec), responsável pelo Vale do Amanhecer, tem com a operadora de telefonia Tim. Por enquanto, a venda está suspensa por dois recursos: um impetrado pela Osoec e outro por um dos lojistas prejudicados. O Ministério Público do Distrito Federal também pediu 30 dias para analisar a situação.
O templo principal, nos arredores de Planaltina, entrou na primeira avaliação feita pelo oficial de Justiça. Contudo, foi retirado porque os templos são impenhoráveis no Brasil, de acordo com a legislação. A briga dos fiéis e da administração da Osoec é para salvar da penhora outros imóveis com rituais religiosos, assim como ocorreu com o templo. Estão na lista espaços como a Estrela Sublimação, a Aruanda de Pai João, a Casa Grande e o Pequeno Pajé.
Um apoio seria conseguir a declaração do Vale do Amanhecer como patrimônio imaterial. Com o processo judicial em andamento, a comunidade local fez um abaixo-assinado e enviou ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) um pedido de registro da doutrina como patrimônio imaterial na tentativa de que outros prédios também sejam considerados impenhoráveis. O Iphan informou que o pedido chegou em 9 de outubro de 2017 e que, desde então, analisa o caso.
A comunidade do Vale do Amanhecer, que se fixou ao redor do templo principal, tem 12 mil fiéis. Em todo o Brasil há 1 mil templos. O que a defesa da Osoec alega é que o valor dos imóveis arrolados no processo é superior à dívida. A soma chega a quase R$ 4 milhões, sendo que o débito em aberto com a Tim é de R$ 560 mil, com os juros e a correção monetária. A juíza da ação, Tatiana Dias da Silva, informa em sua sentença que o excedente será devolvido à ordem. Diz ainda que, como a Osoec não tem propriedade das terras, pois elas são públicas e pertencem à Agência de Desenvolvimento de Brasília (Terracap), a penhora será sobre os direitos aquisitivos que a Osoec tem em relação aos terrenos.
;A questão é que o excedente será transferido em dinheiro, não em uma área templária. Não estamos falando de uma padaria, mas de um local onde centenas de pessoas se relacionam diariamente;, defende o arquiteto Rogério Carvalho, que colabora com a tentativa de registrar a doutrina do Vale do Amanhecer como patrimônio.
Impasse
O imbróglio judicial começou em 2014. A Tim firmou um contrato de aluguel com a Osoec para instalar uma antena de celular no Vale do Amanhecer. De acordo com os autos, estava previsto que os primeiros cinco aluguéis seriam no valor de R$ 13 mil e os demais, na cifra de R$ 700 ; com o passar do tempo, o montante subiu para R$ 952,67.
No entanto, em 5 de março de 2014, em vez de pagar o valor estabelecido, a Tim transferiu à Osoec R$ 581.294,95. Assim que percebeu o equívoco, a empresa pediu o dinheiro de volta. No entanto, a Osoec já tinha gastado R$ 281.294,95. O restante, a entidade devolveu à operadora. Em primeira instância, a Tim ganhou a causa e, sem dinheiro para quitar a dívida, a sentença determinou que os imóveis do Vale do Amanhecer fossem a leilão.
Bens
Imóveis a serem penhorados no Vale do Amanhecer:
BLOCO A: terreno, sem construção, com área de 295 m;
Valor: não avaliado
BLOCO B: construção com área aproximada de 500 m;, dividida em lojas, com cobertura.
Valor: R$ 330 mil
BLOCO C: construção com área aproximada de 300 m;, dividida em lojas, com cobertura
Valor: R$ 198 mil
BLOCO D: construção com área aproximada de 400 m;, dividida em lojas, com cobertura
Valor: R$ 264 mil
BLOCO E: construção com área aproximada de 400 m;. Sub-administração do templo.
Valor: R$ 264 mil
BLOCO F: residência de madeira onde morou a Tia Neiva, hoje usada como Museu do Templo. Área de 600 m;.
Valor: R$ 288 mil
BLOCO G: construção com comércio, de aproximadamente 340 m;
Valor: R$ 224,4 mil
BLOCO H: Construção com comércio medindo, aproximadamente, 230 m;
Valor: R$ 151,8 mil
BLOCO I: construção, em forma de castelo, com aproximadamente 35 cm;
Valor R$ 21 mil
Estacionamento: terreno, sem construção, com aproximadamente 6.500 m;
Valor: R$ 1,950 milhão
Memória
A espiritualidade da fundadora
Neiva Chaves Zelaya nasceu em 1925, em um povoado de Jaraguá, norte de Goiás. Mudou-se para a Cidade Livre ; atual Núcleo Bandeirante ;, em 1957, quando começou a mediunidade. No ano seguinte, já conhecida como Tia Neiva, deixou o Núcleo Bandeirante, e com os filhos e mais cinco famílias fundou, em 8 de novembro de 1959, a União Espiritualista Seta Branca (UESB), na Serra do Ouro, próximo a Alexânia (GO). Em um pequeno templo, pessoas eram atendidas por médiuns que ali residiam, em construções de madeira e palha.
Tia Neiva mantinha ainda um hospital ; para curas espirituais ; e um orfanato com 80 crianças. Seus seguidores plantavam, faziam farinha para vender e pegavam fretes. Em 9 de novembro de 1959, Tia Neiva ingressou na Alta Magia de Nosso Senhor Jesus Cristo. Em 1964, mudou-se para Taguatinga, onde funcionou a Ordem Espiritualista Cristã. No mesmo ano, ela foi internada com uma tuberculose.
Após longa busca, Tia Neiva e seu grupo chegaram a Planaltina, em 9 de novembro de 1969, onde fundou o Vale do Amanhecer. Nos anos 1970 e 1980, a doutrina chamou a atenção no país e ela passou a frequentar a mídia com assiduidade. Conhecido como local de tratamento espiritual, mas também de visões e previsões, o Vale atraía olhares e adeptos curiosos. Tia Neiva recebia políticos e personalidades e costumava ser convidada para fazer previsões em programas de televisão.
Após sua morte, em 1985, o interesse pelo Vale diminuiu. Com o crescimento urbano, o que era uma comunidade isolada acabou por se mesclar a cidades vizinhas e a conviver com outras manifestações religiosas. Hoje, o Vale de Planaltina divide espaço com templos evangélicos e igrejas católicas. No entanto, tem unidades espalhadas por todo o mundo.