Transformada em uma região administrativa, há quase quatro anos, a Estrutural não abriga todos os catadores que sobreviviam do Aterro do Jóquei, fechado semana passada. Os cerca de 12 mil moradores da Chácara Santa Luzia, uma invasão a pouco mais de 1km da entrada do Lixão, dependiam, direta ou indiretamente, do lixo descartado pelos moradores do Distrito Federal. A desativação do aterro reduziu o mau cheiro, mas colocou os trabalhadores do entulho diante de um impasse. O governo local ofereceu, por meio de oito cooperativas, a possibilidade de essa população atuar nos cinco galpões de triagem de recicláveis. Um deles fica no Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA), a poucos metros dos barracos de madeirite onde moram os homens e as mulheres agora sem uma renda. Mas eles hesitam em procurar as empresas.
[SAIBAMAIS]A promessa de atuar debaixo da sombra, com segurança e sem insetos, não convenceu o pernambucano Valdecir Henrique Santos, 47 anos, a procurar as cooperativas. Ele e o meio-irmão Francisco Carvalho, 34, moram há 15 anos em um barraco de madeirite na Chácara Santa Luzia, à margem do Parque Nacional de Brasília, com acesso precário à energia elétrica e sem rede de água e esgoto. Os dois afirmam juntar mais dinheiro com o que catava na rua ; quase 10kg diários de latas e garrafas ; do que o oferecido pelo Serviço de Limpeza Urbana (SLU) nos galpões. ;Às vezes, consigo tirar de R$ 500 a R$ 600 em um mês. Compensa mais do que as cooperativas vão pagar;, garante o mais velho. O GDF estima que, por tonelada de lixo triado, as empresas paguem R$ 300. Além disso, os catadores cadastrados nas companhias terão direito a bolsa mensal de R$ 360 por seis meses.
Mesmo assim, Valdecir e Francisco preferem esticar a viagem em até 15km para procurar recicláveis na Asa Norte, ao longo da W3. ;Na ida, dá umas quatro horas e meia. Na volta, depende do que a gente consegue recolher;, conta Valdecir. As viagens duram mais de um dia, e nem sempre é possível dormir. O arroz, o feijão e a carne servidos por donos de restaurantes disponíveis no trajeto dão força para os dois carregarem os sacos com os rejeitos.
Oportunidade
O sacrifício vivido por Valdecir e Francisco não compensa para Maria de Lurdes da Silva, 30 anos. Ela também catava lixo no antigo Aterro do Jóquei, mas, com o fechamento, passou a distribuir currículos pela Estrutural. Sonha em trabalhar em local fechado, com a oportunidade que aparecer, mas não descarta voltar a atuar com recicláveis. ;Sempre catei (lixo) por conta própria. Agora, vou tentar entrar em uma cooperativa, mas vai ser difícil conseguir vaga;, desanima-se.
Segundo o SLU, haverá vagas para todos os interessados, mesmo que seja preciso alugar outros galpões para triagem. Mas a diretora-presidente do órgão, Kátia Campos, reconhece que nem todos os catadores aceitam o regime de trabalho nas cooperativas. ;Alguns compareciam ao Lixão poucas vezes por semana. Nos centros de triagem, será preciso manter uma rotina. Deve haver uma produção padronizada nesses locais;, comenta.
Quem não dependia do lixo para sobreviver vê no fim do Lixão uma chance para o desenvolvimento da população da Chácara Santa Luzia. Os comerciantes João Arlan Borges, 42 anos, e Cíntia Silva, 28, esperam que o fim do mau cheiro e a tranquilidade do menor fluxo de caminhões de lixo ajudem a pequena loja de materiais de construção a receber clientes de outras regiões. ;Era um perigo circular por aqui. Tinha muito carro de lixo que apostava corrida, direto víamos cachorros atropelados;, recorda João.