Na manhã de terça-feira, a reportagem do Correio entrou no presídio, com autorização judicial. Em pouco mais de duas horas, conheceu a história de quatro mulheres que terão a identidade preservada. Mônica é uma das 674 presas do Distrito Federal, assim como o marido. Ela recebeu uma sentença de 40 anos de prisão. Cumpriu seis.
O companheiro, 39 anos, está na Penitenciária I do DF (PDF I). A última vez que se encontraram foi em dezembro do ano passado, depois de três anos. Um contato de meia hora que não se mostrou suficiente para conversar sobre o tempo perdido desde quando se separaram por causa da violência praticada. Os dois filhos do casal, de 16 e 14 anos, são criados pela madrinha de Mônica. O choro silencioso representa a saudade de casa. ;Tive notícias que meu filho mais velho já está dando trabalho e começando a entrar para essa vida. É muito doído perder alguém para o mundo do crime;, desabafa.
Pedagoga, a mulher lecionava em uma escola particular de uma região de classe média antes de ser presa. A mãe vendia joias. Mas um momento de descontrole fez a família inteira parar no sistema penitenciário. O marido de Mônica já estava preso. Depois, ela e a mãe entraram na Colmeia. Hoje, as duas dividem a mesma cela de 24,8m; com 12 camas. ;Sempre tive tudo do bom e do melhor em casa. Tínhamos uma estabilidade financeira boa, mas as amizades influenciam. O problema é que você só tem amigos quanto está na rua. Aqui, a gente dá valor até a um copo de água gelada.;
Dentro das celas
O espaço que divide com outras mulheres tem televisão, mas Mônica prefere se entreter com leitura. Lê de quatro a cinco livros só no fim de semana. As obras são as que estão disponíveis na biblioteca da penitenciária. De segunda a sexta-feira, trabalha nas oficinas. Atua com costura e faz o próprio uniforme e o de outras presas. ;Nas celas, eu ainda faço ;o corre;. Pego roupas para lavar, lavo louça. Nunca é tarde para começar e ter um novo fim. O crime não compensa.;
Mônica planeja o futuro. Daqui a quatro anos, deve conseguir a semiliberdade e trabalhar fora. Ela queria fazer a graduação de recursos humanos que é oferecida dentro da cadeia, mas a mensalidade de R$ 200, dinheiro que, por enquanto, não tem. ;Quero estudar para, quem sabe, passar em um concurso público. Em março, começo um curso de auxiliar administrativa. Tudo que faço hoje é pelos meus filhos. Se eu colhi o que plantei, preciso pagar. Mas quero sair do crime. Não dá mais tempo para se arrepender;, ressalta.
Paula*, 30, já cumpriu 4 anos e 2 meses presa na Colmeia. Em novembro, ganhou a semiliberdade. Trabalha durante o dia como assistente administrativa em uma região do DF e volta para dormir no presídio. A cada 15 dias, também pode ir para casa aos sábados e volta às 16h de domingo. Com o marido preso, dois dos três filhos mais novos, de 10 e 5 anos, são criados pela avó paterna. ;A gente sente muita saudade. Dificuldade quem não passa nessa vida. Mas precisa ter uma cabeça muito boa para não cair nesse mundo. Eu não consegui sair do crime.;
Nos fins de semana que revê a família, Paula recebe notícias do marido. A avó que fica com as crianças do casal visita o filho e conta as novidades para a nora. Antes de conseguir a semiliberdade, Paula também escrevia para o companheiro. O marido já tinha passado por uma das unidades socioeducativas aos 19 anos. Saiu aos 23 com a vontade de traçar uma nova história, mas acabou preso com a mulher. ;Às vezes, eu me sinto culpada pela pena do meu marido ter sido maior que a minha. Ele foi sentenciado a 16 anos. E, antes disso, dizia que não queria mais essa vida.;
Assim como Mônica, a mãe de Paula também está presa. Agora, ela planeja o futuro. Está indo para o segundo semestre de faculdade. Faz recursos humanos dentro do presídio e fora dele quer trabalhar na área e criar os filhos. ;O que importa é aquilo que planejamos daqui para frente. Quando a gente é presa, deixa para trás todas as coisas. Ao sair é que percebemos o tempo que a gente perdeu com tudo deteriorado e corroído. Esse é o preço que se paga. As crianças estão maiores que nós. Esse é o tempo que ficamos ausentes.;
Trabalho no sistema
Dentro do sistema, uma das formas de ressocialização é por meio do trabalho. Internas que alcançam a semiliberbade ganham a chance de um emprego ofertada pela Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap). Raquel*, 43, é uma das mulheres que há três meses conseguiu a chance de atuar como jardineira em um endereço do DF. Ganha R$ 840 por mês.
Da pena de 18 anos e seis meses, ela já cumpriu 7 anos e dois meses. ;O sistema não ressocializa ninguém, mas o trabalho dá uma nova chance, e a gente vê quem quer mudar de vida. Mas o presídio é um lugar que tira os sonhos das pessoas;, lamenta.
Mãe de duas filhas, de 26 e 28 anos, Raquel virou avó ainda dentro da Colmeia. A netinha mais nova tem quase 2 anos. E a mais velha, 8. ;Quero sair daqui, cuidar da minha família e montar alguma coisa para mim. Se eu tivesse outra chance, faria diferente. Mas a gente não pode ficar se culpando.;
Além da possibilidade de trabalhar fora, as detentas têm a chance de trabalhar dentro do presídio. Sem receber salário, elas diminuem um dia de pena a cada três de serviço. É o caso de Marcele, 38 anos. Para conseguir reduzir o tempo de 13 anos e 5 meses de sentença, há sete meses ela atua na área de limpeza e faz a 5; série do ensino fundamental dentro da cadeia. A cada 12 horas de aula há possibilidade de reduzir um dia de pena. ;Tem dias que são piores, outros melhores. Mas é uma escolha. Não tive oportunidade de criar os meus filhos. Não sei a comida favorita deles, a roupa que gostam de usar;, desabafa ela, que tem sete filhos.
Marcele entrou no sistema quando o filho mais novo, hoje com 10 anos, tinha só 1 mês e 4 dias. Até os primeiros oito meses, ela ficou com o bebê na ala de mulheres que amamentam. Hoje, o irmão dela e uma cunhada cuidam dos quatro filhos mais novos. O mais velho, de 22 anos, também está preso por roubo. ;A maioria que sai daqui volta para o crime por falta de oportunidade e emprego na rua. A gente não tem chance na vida, mas eu espero uma mudança.;
*Nomes fictícios