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Aos 81 anos, Antônio Viterbo Galante se forma no curso básico de violino

Após a formação na Escola de Música de Brasília (EMB), o idoso agora quer começar curso técnico


Por que não? Foi com esse questionamento que o aposentado Antônio Viterbo Galante, 81 anos, decidiu que iria voltar a estudar e, logo, se matriculou em um curso básico de violino, na Escola de Música de Brasília (EMB). Após dois anos e meio de dedicação, sempre com sorriso no rosto e muito bom humor, o aposentado acaba de se formar. No mês passado, ele se tornou oficialmente um violinista.

Natural de Portugal, Antônio Viterbo mudou para o Rio de Janeiro com os pais, em 1946, aos 10 anos de idade. Três anos depois, começou a estudar música e logo se identificou com o violino. ;Infelizmente, as coisas na vida vão acontecendo, a gente vai fazendo outras coisas e o violino foi ficando de lado na minha. Mas, mesmo assim, não perdi minha conexão com a música, eu sempre gostei;, contou.

Sempre muito ativo, Antônio trabalhou em bares, bancos, grandes veículos de comunicação e ainda participou de maratonas esportivas. Ao longo da vida, construiu uma família que o deixa orgulhoso. Ele é pai de cinco filhos, três biológicos e duas de criação. Hoje, viúvo, lembra com carinho e emoção da esposa. ;Minha mulher sempre me apoiou em tudo. Com o tempo, cheguei à conclusão que ela seria única na minha vida, porque, para aturar uma peça como eu, só a Maria Luiza;, comenta com um sorriso no rosto.

Em 1980, o português decidiu, acompanhado da família, se mudar para o Distrito Federal. O pontapé da decisão foi novamente o questionamento: ;por que não?;. Outro incentivo para a mudança foi um convite do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), onde trabalhava na época, para reforçar os serviços prestados aos órgãos públicos da capital.

A aposentadoria é sinônimo de descanso para muitos trabalhadores, mas para Antônio é uma fase especial. Quando se aposentou, Antônio decidiu que não queria ficar parado e logo foi praticar seu hobby, que, a princípio, era montar aviõezinhos. Não demorou muito para ele se cansar e, sem notar, estava aberto a novas experiências.

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Após 68 anos sem tocar, o violino ressurgiu na vida em uma tarde comum dele, enquanto acompanhava a neta em uma aula na Escola de Música. ;A professora dela brincou, dizendo que achava que o vovô estava considerando a ideia de estudar violino. Novamente, eu me questionei: ;porque não?;. Foi o que bastou para Antônio comprar um instrumento e se matricular na unidade. ;Acho que a professora até se assustou quando cheguei com o violino embaixo do braço querendo aprender a tocar;, contou.

Durante conversa com a reportagem do Correio, ele relembrou o momento que o fez ter a certeza de que gostava de música clássica. ;Quando eu comecei a estudar violino no Rio, por volta de 1949, um primo me levou pela primeira vez para assistir a um concerto da orquestra sinfônica em um teatro da cidade. Eles tocaram uma peça chamada Scheherazade, de Rimsky-Korsakov. Eu fiquei abismado. Aquilo era maravilhoso e me fez sentir uma coisa muito boa, meus olhos brilhavam.;

Antônio contou, ainda, que sempre foi fã de música, mas quando era jovem não tinha como se dedicar integralmente por causa de outras prioridades. ;As pessoas dizem muito que não se arrependem do que fizeram. Eu me arrependo de muitas coisas que eu fiz, mas me arrependo mais ainda das que eu não fiz. Quando veio a aposentadoria, eu me tornei um vagabundista profissional, eu poderia ter ido estudar. Mas não, eu preferi ficar soltando aviãozinho. Agora estou aqui, um elemento jurássico na sala de aula ;, diz aos risos.

Para Antônio, uma pessoa aposentada que não tem o tempo livre a seu favor se desgasta mais rápido. ;Eu poderia ficar em casa, em frente a uma televisão, ou com o celular na mão o dia inteiro me martirizando porque as pessoas não estão me ligando o tempo todo. Mas eu preferi fazer algo útil com meu tempo, já que sempre fui muito ativo.;

O português ressaltou que voltar a estudar foi uma decisão fácil, já que contava com o apoio da família. ;Eles conhecem a peça de pai e avô que têm, já estão acostumados. E eu sou muito grato porque sempre me incentivam. Hoje, eu chego da aula e minhas netas me perguntam como foi meu dia, como foram as aulas. Elas acompanham meu rendimento. Acho isso muito legal;, conta.

Dedicação

Professora da Escola de Música de Brasília desde 1998, Karla Oliveto acompanhou o desenvolvimento do idoso durante toda a formação dele. Ela enfatizou a satisfação em ensiná-lo e o quanto aprendeu com ele. ;Antônio não só aprende muito aqui, mas ele ensina também todos que estão ao redor dele. Tenta, também, ao máximo ser um exemplo para os outros alunos. Tem muitas histórias e experiências.;



A educadora destaca também as diferenças entre ensinar alunos mais jovens e mais velhos. ;As crianças têm mais facilidade em aprender porque as articulações delas ainda estão em formação, mas muitas estão aqui por opção dos pais. O adulto não, ele está aqui porque quer;, explicou.

Antônio Viterbo disse que sua maior dificuldade foi a adaptação ao ambiente escolar. ;Não consigo chamar minha professora de tia;, brincou. ;Hoje, Karla não é mais minha professora, ela é minha amiga. Teve muita paciência e me ajudou muito. Tenho uma dívida eterna com ela;, acrescentou.

Ele ressaltou que, com dedicação e força de vontade, é possível fazer qualquer coisa. ;A partir do momento que a gente decide fazer algo, seja o que for, devemos fazer com toda responsabilidade e dedicação, ainda mais quando é algo que gostamos muito.;

Agora formado, o novo violinista planeja se inscrever no concurso da instituição para tentar uma vaga no curso técnico de violino e seguir estudando por mais quatro anos.

*Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira