O bombeiro Dayvison Lopes Seixas, 36 anos, desconfiou do inseto ao se lembrar das características ensinadas por professores quando ele ainda estava no ensino fundamental. "No começo, pensei que fosse uma barata. Quando percebi que poderia ser um barbeiro, capturei o bicho com um pote de vidro", relatou ao Correio. O animal, segundo ele, estava no banheiro, próximo ao box do chuveiro.
A preocupação de Dayvison, agora, recai sobre a mulher, que está grávida. "Fizemos exame de sorologia para checar se fomos infectados. Espero que não", teme. Para evitar o reaparecimento do inseto, o bombeiro instalou telas em todas as janelas do apartamento, que fica no nono andar.
Depois da captura, o morador de Águas Claras levou o inseto ao professor Rodrigo Gurgel, especialista em parasitologia da Faculdade de Medicina da UnB, que confirmou o perigo. "Ele (o barbeiro) estava infectado com o Trypanosoma cruzi, com base no exame que fiz", atestou.
Gurgel acredita que o animal tenha voado em direção ao apartamento de Dayvison a partir dos parques próximos a Águas Claras. "Apesar de ainda não termos capturado essa espécie nas matas remanescentes do Park Way e Arniqueiras, uma das hipóteses é que eles vêm de lá, provavelmente voando", acredita o especialista. Segundo um artigo publicado pelo professor, há registros de barbeiros infectados com o causador da doença de Chagas em Vicente Pires.
Dayvison também relatou que uma equipe de quatro técnicos da Vigilância Ambiental (Dival), da Secretaria de Saúde, compareceram, nesta manhã, ao apartamento onde o barbeiro foi encontrado. A Dival esclareceu, em nota, "que não recebeu nenhuma amostra de barbeiro e não realizou nenhum exame de sorologia". "A equipe de entomologia do órgão recebeu uma denúncia e foi até o apartamento de um morador de Águas Claras, que disse ter encontrado o inseto. No local, a dival não encontrou nenhum exemplar da espécime", continua o texto.
Destacou ainda que monitora a população de barbeiros e nunca houve transmissão de doença no DF. "O local possui o vetor (barbeiro infectado) mas não tem transmissão da doença para seres humanos. O cidadão que encontrar algum exemplar da espécime pode levar a um dos quase 80 Postos de Informação de Triatomíneos (PIT) espalhados pelas escolas e unidades de saúde rurais. Lá, a pessoa se identifica e deixa o inseto para análise", aconselhou. Em caso de sorologia positiva, a equipe entra em contato para as devidas ações e orientações. O PIT mais perto de Águas Claras é o do Núcleo do Guará (3381-0508).
Inseto raro em áreas urbanas
Causa estranhamento o fato de o barbeiro ter sido encontrado em um apartamento. Geralmente, o barbeiro oferece risco em casas muito simples, de pau a pique. Tanto que as recomendações para evitar a propagação da doença focam na conscientização sobre uso de materiais de alvenaria para a construção.
No entanto, o inseto pode viver também em áreas urbanas. "Embora Águas Claras seja uma área urbana, tem uma área de preservação natural de fauna e flora, o Parque de Águas Claras", explica a professora Carla Nunes de Araújo, pesquisadora do Laboratório de Interação Patógeno-Hospedeiro do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB).
A atenção ao meio ambiente, destaca a professora, é uma das formas de evitar a proliferação do barbeiro e, consequentemente, da doença de Chagas. "(Em Águas Claras) há muitos canteiros de obras. A modificação das áreas naturais e a ocupação por humanos são causas já bem discutidas de domiciliação de barbeiros", acrescenta.
Na região Norte, onde vivem variantes do barbeiro, a transmissão pela picada do inseto está controlada, comenta o infectologista Leandro Machado, do Hospital Brasília. "Na Amazônia Legal, porém, a infecção ocorre pela ingestão de alimentos contaminados, como cana e açaí", cita o especialista.
Doença de Chagas exige tratamento longo
A doença de Chagas, transmitida pelo protozoário Trypanosoma cruzi, oferece risco de vida caso atinja o coração ou o trato gastro-intestinal. E o pior: nesses casos, os tratamentos geralmente indicados surtem pouco efeito. "Há estudos que não mostram benefícios ao tratar casos da doença de Chagas crônica que tenham evoluído para esses quadros", aponta o infectologista Leandro Machado.
[SAIBAMAIS]O inseto Panstrongylus megistus transmite o mal ao defecar sobre a pele do ser humano. Ao coçar a picada, as microfissuras permitem que o causador da doença de Chagas penetre o corpo.
Uma vez infectado, o paciente sofre com sintomas como febre, indisposição, inchaço nos gânglios e ao redor dos olhos, e aumento de tamanho no no fígado e no baço. "Essa é a fase aguda, em que o tratamento é, sim, indicado", avisa Machado.
No entanto, o protozoário pode ficar no corpo por muito tempo, ainda que o indivíduo não chegue a desenvolver a doença. "Mesmo pacientes da fase aguda podem chegar ao estado crônico", pondera o infectologista.
Dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) mostram que, somente em 2015, 4.472 pessoas morreram com a doença de Chagas. Naquele ano, o último com dados consolidados na série histórica, o Distrito Federal registrou 191 mortes.
O caso veio à tona no mesmo dia em que a Secretaria de Saúde confirmou a morte de um homem com suspeita de febre amarela. Ele estava internado desde 19 de novembro. Caso se confirme a causa, será a terceira morte pela doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti neste ano.