Renato Alves
postado em 26/11/2017 08:00
Cavalcante (GO); Um mês após o fim do maior incêndio da sua história, o verde voltou à Chapada dos Veadeiros. Faltam os turistas. A ausência deixa os empresários do setor apreensivos. Com prejuízos acumulados em outubro, devido à sequência de queimadas que deixou o Parque Nacional fechado quase todo o mês, eles temem uma baixa em dezembro e janeiro, período tradicionalmente de maior visitação. Para evitar o pior, propagam que os principais atrativos da região escaparam do fogo e funcionam normalmente.
O Correio foi até lá conferir. Uma equipe do jornal rodou quase mil quilômetros em quatro dias pelas quatro principais localidades da região: Cavalcante, Teresina, Alto Paraíso e Vila de São Jorge. Visitou o interior do parque, pousadas, fazendas, comunidades quilombolas e as mais famosas cachoeiras. Constatou não haver motivos para o turista evitar a Chapada dos Veadeiros nem os municípios e povoados. O que resta de vestígio do fogo em nada atrapalha a visitação. E, mais do que nunca, os moradores precisam da presença dos forasteiros.
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Floração
Reaberto em 1; de novembro, após 21 dias fechado devido a três incêndios consecutivos (veja Memória), o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros tem milhares de árvores com troncos queimados, mas eles se tornam quase imperceptíveis em meio a tanta beleza natural. Grande parte da vegetação rasteira já se recuperou. Em muitos pontos, está tomada por flores de cores diversas. As que mais chamam a atenção são as brancas. ;É uma parente da canela-de-ema, comum na Chapada, mas que, depois do fogo, florou de forma sincrônica;, observa o chefe da unidade de conservação, Fernando Tatagiba.
Além dela, há, em abundância, espécies nas cores azul, vermelho e amarelo. Em muitos pontos, contrastam com o preto do mato, dos troncos, das pedras e dos cupinzeiros queimados. O fenômeno se repete no Vale da Lua, para espanto de turistas, como o professor de educação física Samuel Galdino de Lucas, 39 anos, e a servidora da Universidade de Brasília (UnB) Renes Costa, 42. ;A gente veio justamente conferir esse processo de renascimento;, ressaltou ela. Morador da capital do país, o casal estava pela terceira vez na Chapada dos Veadeiros.
Aguaceiro
Em uma propriedade particular vizinha ao parque, entre Alto Paraíso e a Vila de São Jorge, o Vale da Lua é a atração mais visitada da região. No mais recente incêndio, iniciado em 17 de outubro, teve toda a vegetação consumida pelo fogo. Ele queimou também placas de sinalização e as cordas que impediam a chegada dos visitantes a áreas de risco. Tudo foi recuperado, assim como o volume das águas do Rio São Miguel, que levaram milhões de anos para esculpir as formações rochosas semelhantes a uma paisagem lunar.
As águas estão de volta graças às chuvas constantes, iniciadas em 28 de outubro, quando ajudaram a pôr fim ao maior incêndio da região. Ele consumiu 66 mil hectares do Parque Nacional, o equivalente a 28% da área total da reserva. Mas o estrago foi muito maior, pois o levantamento não leva em conta a área queimada fora da unidade de conservação, como o Vale da Lua. Assim como ele, o parque voltou a ter água de sobra em seus rios, famosos pelas corredeiras, poços, cachoeiras e saltos que atraem turistas do mundo inteiro.
;Nada igual;
Mesmo diante das notícias sobre a destruição do Parque Nacional, o zootecnista Guilherme Azevedo, 31 anos, e a veterinária Thais Oliveira, 29, decidiram passar a semana passada inteira na região da Chapada, após uma semana de estudos em Brasília. E não se arrependeram. ;Se ainda tivesse incêndio, se houvesse o que fazer para ajudar, a gente viria de qualquer jeito;, destacou Thais. ;Esse lugar é único, belíssimo. Nunca vi nada igual;, completou ela, diante dos dois maiores saltos do parque. Com 80m e 120m de altura, eles ficam lado a lado e só podem ser vistos de cima, após uma longa caminhada.
Com as chuvas, o verde voltou a predominar na vegetação de outro cartão-postal da chapada, o Jardim de Maytrea (leia Para saber mais), dentro da área protegida do Parque Nacional. Todo queimado em outubro, expõe novamente campos de flores, veredas e buritizais emoldurados por um horizonte recortado de montanhas, como o não menos famoso Morro da Baleia. Cenário exuberante que, também por estar à margem da GO-239, estrada que liga Alto Paraíso a São Jorge, é um dos mais fotografados da Chapada dos Veadeiros.
Estiagem
A água também enche rios, ribeirões e riachos de Cavalcante, o município da Chapada dos Veadeiros que mais sofreu com o fogo e a mais prolongada estiagem da região nos últimos 80 anos ; foram quase seis meses sem uma gota de água. Incêndios queimaram 80% do território dos 7 mil quilômetros quadrados da cidade de 9,7 mil habitantes. Distante 360km de Brasília e 560km de Goiânia, ele é o terceiro maior município em extensão e um dos mais pobres e isolados do estado limítrofe do Distrito Federal.
Com a seca, o gado morreu por falta de pasto em fazendas. Sem água até para beber, moradores abandonaram vilarejos. ;Nunca havia visto seca tão longa, nem um incêndio assim. Mas tudo passou. E tudo está pronto para receber os turistas novamente. O município depende dos visitantes, vive do turismo;, frisou Flávio Tomaz Pereira Lopes, 66 anos, dono da Pousada Veredas, a mais antiga de Cavalcante. A propriedade fica perto de sete cachoeiras. Advogado em Brasília, Flávio decidiu transformar a fazenda de gado em pousada rural há 30 anos, quando percebeu o potencial das quedas d;água formadas pelo Rio das Pedras. Desde então, o empreendimento só cresceu.