Renato Alves
postado em 17/11/2017 13:44
Médicos de diversas partes do país vão passar o sábado (18/11) em um vilarejo pobre e isolado de Goiás. Todos vão doar o dia e os conhecimentos para ajudar portadores de uma doença rara, incurável e letal. Os especialistas vão avaliar e orientar os pacientes.
O mutirão será realizado em Araras, povoado distante 40 quilômetros de Faina, na região Noroeste de Goiás. A doença é o xeroderma pigmentoso, que torna a pele hipersensível à luz e deixa os pacientes até mil vezes mais suscetíveis ao câncer. Os médicos vão sair de Goiânia e de cidades paulistas, fluminenses e mineiras.
Além da ação médica, organizada pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e pela Sociedade Brasileira de Dermatologia Regional Goiás (SBD-GO), os profissionais vão participar do plantio de árvores no lugarejo. A ideia é criar mais sombra na localidade. Ainda, as entidades vão aplicar filtros Ultra Violetas (UV) em janelas e doar protetores solares.
Este é o segundo ano que o mutirão solidário beneficia a comunidade. Na primeira, atendeu quase 800 pessoas, integrantes de famílias portadoras da doença mais a população ribeirinha e do entorno de Araras.
Maior concentração do mundo
Distante 510km de Brasília, Araras tem a maior concentração de portadores de xerdorerma pigmentoso no mundo. Fenômeno revelado por meio de série de reportagens publicada no Correio Braziliense, a partir de outubro de 2009.
Também conhecido como XP, o mal afetava ao menos 21 moradores de Araras, quando o Correio tornou público o drama da comunidade. A doença é fruto de um erro genético. Ela deixa o paciente com uma pele hipersensível à luz. Qualquer contato com raios ultravioletas lhe causa câncer. A enfermidade, transmitida de pai para filho, pode ou não manifestar em algum momento de suas vidas.
No caso de Araras, ela atingiu a quarta geração. Além dos que lá moram, outros dois nascidos na localidade e residentes nos Estados Unidos carregam a moléstia. Ao menos 20 integrantes da mesma família morreram por causa dela nos últimos 50 anos.
Cerca de 200 famílias moram em Araras. A maioria é formada por casamento entre parentes, principalmente primos. E é justamente essa cultura que tem levado à perpetuação e proliferação do xeroderma na vila, pois trata-se de uma enfermidade recessiva, mais comum entre nascidos de casamentos consanguíneos (entre parentes), em que a chance de duas pessoas terem o mesmo erro genético é maior.
A incidência média de casos de xeroderma no mundo é de um em cada grupo de 200 mil pessoas. Fenômeno com concentração semelhante à de Araras ocorre em uma comunidade indígena da Guatemala. A maior diferença desses doentes da América Central é que eles não vivem mais de 10 anos.
Os pacientes de Araras conseguem chegar à fase adulta, mesmo sendo corroídos pelo câncer ao longo do tempo. O grupo goiano tem pacientes de 8 a 77 anos. Esse fator leva os cientistas a imaginar que se trata de uma mutação leve, agravada por fatores ambientais, como a alta incidência solar.
Série de conquistas
Por morar em uma região com temperaturas entre 20;C a 35;C, não ter aposentadoria, instrução, dinheiro e acompanhamento médico ideal, os doentes de Araras passam a maior parte da vida expostos ao sol, pois sobrevivem da agricultura e pecuária. Com a retirada dos tumores, acabam mutilados.
Após a denúncia do Correio, os governos municipal, estadual e federal começaram a apurar o caso e a garantir o atendimento médico gratuito aos pacientes, cidadãos de baixa renda e de pouca instrução. Os representantes dos órgãos assumiram desconhecer o problema, até a publicação das reportagens.
Para saber mais
O QUE É
O xeroderma pigmentoso é uma doença hereditária caracterizada pela deficiência na capacidade de reverter (ou consertar) determinados danos no DNA (material genético), em especial aqueles provocados pela luz ultravioleta, presente na radiação solar.
OS SINAIS
- Lesões cutâneas estão presentes nos primeiros anos de vida evoluindo de forma lenta e progressiva e estão diretamente relacionadas à exposição solar. Aos 18 meses, metade dos indivíduos afetados apresentam alguma lesão cutânea nas áreas de exposição solar, aos 4 anos, cerca de 75%, e aos 15, 95%.
- Os primeiros sinais clínicos iniciam-se em forma de eritema (vermelhidão da pele produzida pela congestão dos capilares), descamação, hiperpigmentação difusa e lesões cutâneas semelhantes a sardas.
OS DOENTES
- Por ser uma doença recessiva, o xeroderma é mais comum entre nascidos de casamentos consanguíneos ; em que o risco de duas pessoas terem o mesmo erro genético é maior.
- O xeroderma pigmentoso apresenta grande heterogeneidade genética, ou seja, diferentes famílias podem apresentar o mesmo quadro clínico, que pode ser causado por mutações em genes diferentes.
- A doença afeta ambos os sexos, apresentando maior prevalência nas populações com elevada taxa de consangüinidade, como japoneses, árabes e judeus.
- Nos EUA e Europa, a freqüência é de um caso para cada 250 mil indivíduos e no Japão é de um caso para cada 40 mil indivíduos.
OS EFEITOS
- Devido à deficiência no mecanismo de reparo do DNA, os pacientes com xeroderma apresentam elevada fotossensibilidade e desenvolvem precocemente lesões degenerativas na pele, como sardas, manchas e diversos cânceres da pele.
- O risco de desenvolvimento de câncer de pele é aumentado em mil vezes, e a incidência de cânceres internos, em 15 vezes. Indivíduos com xeroderma podem apresentar anormalidades neurológicas progressivas (observadas em cerca de 20% dos casos) e alterações nos olhos.
- Aproximadamente 80% dos indivíduos com xeroderma apresentam alterações oftalmológicas que incluem fotofobia, conjuntivite, opacidade da córnea e o desenvolvimento de tumores oculares.
- Cerca de 20% dos pacientes têm alterações neurológicas como microcefalia, ataxia (perda de coordenação dos movimentos musculares voluntários),surdez neurossensorial e retardo mental.
- Em pacientes com xeroderma há aumento do risco de outras tumores cerebrais, gástricos, pulmonares e leucemia.
A PREVENÇÃO
- A precaução mais importante para o doente é proteger-se da exposição à radiação ultravioleta. O paciente deve evitar atividades externas durante o dia, usar barreiras de proteção como roupas especiais, bloqueador solar, óculos escuros e chapéu.