Todo dia, Edênia Alves de Ataíde, 30 anos, acorda às 5h30 da manhã para trabalhar. A servidora pública precisa estar às 6h30 na parada de ônibus para conseguir chegar a tempo ao trabalho, às 8h, no Palácio do Buriti. A passagem custa R$ 6,45, mas o gasto diário de Edenia em transporte pode chegar até a R$ 20, caso não seja possível pegar o transporte na hora certa. Isso, sem contar o tempo de viagem. ;Ontem, que choveu um pouco, eu peguei o ônibus às 6h30 e cheguei aqui às 9h30. Daria para ter ido a Goiânia. E tudo isso em pé. Chego ao trabalho cansada;, lastima a moradora de Planaltina de Goiás, a mais de 60 km de distância de Brasília. Ela diz que ;o trânsito na BR-020 é muito complicado;.
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Edênia é uma das milhares de pessoas que moram em cidades distantes, para lá das divisas do DF, no Entorno, e todo dia enfrentam uma longa viagem para trabalhar na capital. O professor Valério Augusto Soares de Medeiros, pesquisador da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB, especialista em Desenho e Planejamento Urbano, argumenta que esse é um movimento típico das grandes metrópoles.
Para o especialista, a Brasília de verdade é muito mais do que está delimitado no mapa da cidade. ;A população da capital é grande, mas se levarmos em conta a população da área metropolitana, a cidade se torna a terceira maior estrutura urbana do país;, destaca o professor e explica que é comum, nesse tipo de região, a grande ocorrência do chamado movimento pendular da população. Os motivos do fenômeno são a boa oferta de emprego no DF contrastando com o elevado preço da moradia. ;Eu até viria morar aqui, porque a qualidade de trabalho é melhor, mas o custo de vida é muito caro;, considera Edenia, reforçando a explicação do professor.
A enfermeira Simone Alves dos Anjos Abe, 50 anos, concorda. ;Tenho planos de vir morar em Brasília, mas tenho uma família grande, de modo que ficaria muito caro me mudar para o DF;. Ela mora em Formosa desde que nasceu e trabalha há oito anos na Asa Sul. A enfermeira desabafa: ;É o pior sofrimento do mundo. Formosa não tem opção de emprego, então tenho que vir para o DF todo dia, gasto 1h30 para vir e 1h30 para voltar todo dia;.
Dificuldades diárias
Simone fala que esse tipo de deslocamento é comum para quem mora em sua cidade. Ela tem duas filhas professoras que dão aula no Paranoá e voltam para trabalhar à noite em Formosa. Para a enfermeira, a maior dificuldade é quanto às opções de transporte. Ela alega que há poucas linhas e falta de competição entre as empresas. Diz ainda que é muito comum os ônibus estragarem no meio do trajeto.
Ela se sente prejudicada pela dificuldade de transporte. ;O tempo que gasto no trânsito é uma limitação. Se não fosse isso, eu teria outro trabalho;. Para fugir dos engarrafamentos, comuns nos horários de pico, Simone traçou sua estratégia: optou por trabalhar no plantão noturno do hospital. ;Assim eu sempre pego o contra-fluxo do movimento e consigo chegar mais rápido;.
Dados mostram que o tempo médio de deslocamento de quem trabalha no DF tem sido muito elevado, ;inclusive comparado com grandes metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo;, informa o professor da UnB. Ele frisa que boa parte das pessoas que trabalham em Brasília perde cerca de três horas por dia no trânsito. ;Esse tempo perdido afeta na qualidade de vida da população;.
Para Valério, a dificuldade com o transporte é relacionada com a forma com que o DF foi concebido. ;Brasília foi feita numa lógica de núcleos que são distantes uns dos outros, o que faz a população residir 30, 40, 50 km de distância, mas orbitando em torno de uma zona central que tem mais oferta de emprego e serviços;. Ele afirma que a falta de opções de mobilidade é um grande empecilho. ;Se você tivesse outros modos de transporte, como um trem expresso que viesse de Águas Lindas e de Luziânia, isso reduziria o tempo de deslocamento. São ações de infraestrutura e de planejamento urbano que vão fazer com que o movimento natural da população seja facilitado;, defende.
A 200 quilômetros
Além do projeto do trem que ligaria Brasília a Luziânia, o professor também cita outra antiga ideia de integração que nunca saiu do papel: o transporte apelidado de ;Expresso Pequi;, que ligaria a capital a Goiânia, passando por Anápolis. ;Como é uma distância relativamente curta, facilitaria muito esse ir e vir;, explica.
Entre os que poderiam se beneficiar muito desse tipo de transporte está o médico e empresário Paulo César de Almeida, 31 anos. Todas as semanas ele sai de Goiânia para atender clientes de sua empresa no DF. O médico avalia que não compensa morar em Brasília porque ;dependendo de onde você mora e trabalha, não fica viável para um goiano interiorano como eu, que odeia trânsito, encarar os engarrafamentos da cidade;, brinca e diz que prefere fazer o trajeto de carro, que leva cerca de duas horas.
Mesmo gastando quase R$ 1.000 por mês com esses deslocamentos, o médico diz que a viagem vale a pena porque ;a qualidade do asfalto é boa e eu gosto de dirigir;, afirma. Ele completa que vê Brasília como a cidade de oportunidades, porque percebe uma carência de mão de obra muito qualificada.
* Estagiário sob a supervisão de Margareth Lourenço (Especial para o Correio).