Jornal Correio Braziliense

Cidades

Mais de 20 mil alunos correm o risco de perder o ano letivo

Prefeito e professores não entram em acordo e falta de aulas prejudica 22 mil crianças de 2 a 10 anos. A greve já se arrasta há 44 dias


Os professores reivindicam o reajuste da data-base, melhores condições de trabalho, auxílio-alimentação, pagamento do adicional de periculosidade para os servidores do administrativo e concurso público. Há três anos a categoria não recebe reajuste dos vencimentos. No início do mês, um grupo de 300 docentes chegou a acampar no saguão da Prefeitura Municipal para tentar uma negociação com o prefeito, Cristóvão Tormin (PSD), mas foi em vão.

[SAIBAMAIS] Os mais de 40 dias sem aula preocupam a diarista Ângela Aparecida de Oliveira, 36 anos. A filha dela, Eduarda de Oliveira, 10, está no 4; ano do ensino fundamental. Para a diarista, a maior dúvida está em como o município vai repor as aulas. "Se eles ficarem estudando nas férias e no fim de semana, tudo bem. Mas não é bom que eles tenham que terminar o ano de 2017 em 2018", comenta. O que, provavelmente, vai acontecer, já que os fins de semana de novembro e dezembro são insuficientes para repor as aulas que faltam, é a Secretaria de Educação não poder organizar o calendário de reposição, e, enquanto a greve não chegar ao fim.


Comissão

A diarista não é contra a greve, mas acha que há falta diálogo tanto por parte do estado quanto dos professores para resolver a situação. "Os professores merecem receber bem e ter seus direitos, mas as crianças já estão há muito tempo paradas", desabafa. Essa é a mesma preocupação da vendedora Maria Elizabeth Andrade, mãe de um menino de 8 anos, aluno do 3; ano. Ela conta que tenta aliviar o prejuízo da falta de aula ensinando o filho em casa. "Procuro fazer as tarefas com ele todos os dias, mas, mesmo assim, não é suficiente, não é o ideal. As crianças precisam da escola", diz.

Na tentativa de buscar diálogo com a prefeitura, um grupo formado por 40 pais e mães de alunos de diversas escolas do município montou uma comissão para acompanhar a greve. Um dos organizadores, o radialista João Pereira dos Santos, 51 anos, tem um filho de 6 anos matriculado na rede municipal e conta que pais e alunos estão prejudicados com o impasse. ;São duas preocupações, a primeira é que muitas mães trabalham e não têm onde deixar os filhos, então ou perdem o dia de trabalho ou pagam alguém para cuidar da criança. Além disso também tem a questão das crianças perderem o conteúdo de 2017, que não está sendo ensinado. É um prejuízo;, desabafa.

Na última audiência, feita no meio do movimento grevista, dez pais e mães se reuniram com assessores do prefeito Tormin, mas até agora paira a incerteza sobre o futuro da educação municipal. ;Essa é a pior greve de todas, já tivemos outras greves, mas nunca uma assim, sem diálogo e sem negociação da parte do prefeito;.

O objetivo do grupo de pais agora é tornar a comissão permanente, tanto para monitorar a qualidade do ensino nas escolas quanto para prevenir que os alunos sejam prejudicados em futuras greves. ;Acho que os pais estão cada dia mais conscientes de que tem que se inserir nessa luta por melhorias na educação dos nossos filhos;, finaliza.

Escolas precárias


Mesmo quem não aderiu à greve reclama das dificuldades enfrentadas nas escolas de Luziânia. A professora Tatiane Luiz Andrade dá aula para o 2; ano do ensino fundamental em uma escola da periferia da cidade, e, embora faça parte dos 20% dos professores que não aderiram à paralisação, expõe a crise da educação no município. ;Falta muito investimento, a xerox é paga pelos professores e na alimentação a prefeitura oferece arroz e feijão apenas;, conta.



Há quatro anos as escolas municipais foram reformadas, no mandato anterior de Tormin, em um projeto batizado de Escola Renovada, mas o resultado não foi satisfatório e deixou escolas com reformas pela metade. ;Pelo nome [do projeto] pensamos que fosse acontecer uma revolução, mas não foi isso que vimos;, diz. Na escola onde a professora trabalha, por exemplo, algumas coisas melhoraram, como a reforma e a ampliação da cantina, construção do pátio coberto e reforma do banheiro das crianças. ;Mas uma coisa que precisávamos e não foi feita foi a reforma do banheiro dos funcionários. Simplesmente estava fora do projeto. A escola é super antiga, a encanação está fora de condições de uso e pedindo socorro;.


A promessa de campanha, que garantia a instalação de ar condicionado nas salas de aula, também não foi cumprida. ;Sofremos e muito com salas lotadas e quentes , além da baixa umidade do ar,", reclama.


Intervenção da Justiça


Sem negociação, o prefeito da cidade cortou o ponto dos professores que aderiram à greve no município, mas uma decisão da juíza Soraya Fagury Brito, da 2; Vara Cível de Luziânia, determinou que a prefeitura restabeleça o ponto dos servidores. Na decisão liminar, expedida em 9 de outubro, Fagury ordena ainda que ;seja garantido o pagamento dos vencimentos integrais de todos os servidores sob pena de multa diária de R$ 5 mil;. A prefeitura tinha dez dias para cumprir a decisão, mas não cumpriu.

Segundo o promotor de justiça, Fernando Centeno Dutra, que acompanha o caso desde o início, o Ministério Público do município já enviou à Prefeitura as recomendações de que o fim da greve seja negociado o mais rápido possível. ;O Ministério Público está atento ao movimento grevista deflagrado pelos professores da rede municipal de educação, especialmente seus reflexos no cumprimento da carga horária mínima anual estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional;, disse ao Correio.

O Executivo local chegou a oferecer um reajuste de 7.64% a partir de janeiro de 2018, mas a proposta foi negada pela categoria. Os professores sugeriram que o reajuste fosse de 12% em 2018, ;uma vez que o reajuste da data-base, por lei, deveria ser reajustado todo ano e desde 2014 os repasses não acontecem;, informou o Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Goiás (Sintego).

De janeiro de 2016 a setembro de 2017, a Prefeitura Municipal de Luziânia recebeu um montante de R$ 131,1 milhões, apenas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Ao todo, 60% desse recurso deveria ser usado na remuneração dos profissionais da educação infantil municipal.

O Correio tentou diversas vezes contato com o prefeito de Luziânia, Cristóvão Tormin, e com a secretária de Educação, Indiana Carneiro Machado, mas até a última atualização desta reportagem não havia obtido resposta. Há um mês, Machado falou rapidamente sobre a greve e disse que um reajuste salarial para os professores comprometeria a folha salarial do município. Uma nova assembleia com a participação de pais e professores está marcada para segunda-feira (6/11).