Jornal Correio Braziliense

Cidades

Comunidade critica uso do Centro Cultural de Ceilândia para outros fins

Das 11 salas do prédio, quatro são utilizadas pela Secretaria da Criança, uma pelo Conselho Tutelar e outra para guardar materiais de limpeza

A polêmica envolvendo o centro começou quando a Secretaria de Estado de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude (Secriança) foi transferida para o local, ainda em 2016, de forma provisória. Desde então, membros da comunidade cultural e a administração da cidade entraram em embate, por discordarem da maneira como o espaço deveria ser utilizado.

Segundo o grupo, a situação ficou ainda pior no começo de julho deste ano, depois de a Administração Regional de Ceilândia baixar a Portaria Conjunta n; 3, colocando parte da Secriança no local. A partir daí, espaços que anteriormente eram utilizados para desenvolver projetos culturais começaram a sediar cursos profissionalizantes e programas da secretaria, como o Bora Vencer, com foco em aulões preparatórios para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Eles afirmam que a administração não os escuta mais e, além disso, promete resoluções e, depois, não as cumpre. Maria Margarete de Souza, conhecida como Margô Oliveira e representante do Conselho Cultural da cidade, afirma que o administrador regional havia se comprometido a retirar a secretaria do prédio na primeira quinzena de julho. ;Não que sejamos contra os cursos. Eles são importantes para a sociedade, mas o que não podemos é ocupar o espaço com isso e perder a vocação cultural;, frisa.

[SAIBAMAIS]Professor de hip hop voluntário no local há cerca de 12 anos, Alan Jhone Moreira, conhecido como B.Boy Papel, com medo de perder a sala em que dá aulas, comenta que a comunidade cultural sempre teve uma boa relação com as gestões passadas, mas que, agora, não são mais chamados para dialogar sobre o uso do espaço. "Essa situação é assustadora, porque, querendo ou não, a comunidade não foi ouvida", diz.

O administrador regional, contudo, afirma que a história é outra. Ele assegura que sempre esteve aberto para o diálogo e afirma que, quando recebeu o cargo, ainda em 2015, o centro estava ;praticamente fechado; e as salas ;praticamente inutilizadas;. Para exemplificar a situação, Vilson conta que uma prefeitura comunitária e o Instituto Federal de Brasília (IFB) usavam algumas salas do prédio como depósito.
O cenário de abandono, segundo ele, coincidiu com a necessidade da Secriança de um local para abrigar parte de sua estrutura, sendo essa a razão que levou a secretaria para o prédio, em 2016. Vilson assume que não cumpriu a promessa que fez ao Conselho Cultural, mas pondera que tentou explicar à comunidade o porquê de isso ter acontecido. "A administração sempre vai estar de portas abertas para fazer a discussão", defende Vilson.

De acordo com ele, a pasta sairia do Centro no momento em que a Praça da Juventude fosse concluída, mas a obra teve de parar antes do fim, pois a empresa que ganhou a licitação não teve dinheiro para terminar a construção. Vilson ressalta, ainda, que essa obra não é de responsabilidade da regional, mas da Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos.

A Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos do DF (Sinesp) informou que as obras da praça foram interrompidas após a empresa que ganhou a licitação atrasar diversas vezes o cronograma. ;Neste momento, a Sinesp espera que a empresa que ficou em segunda colocação no pleito licitatório seja convocada, para viabilizar a retomada das obras o mais rápido possível;, explicou.
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Problema antigo

Planejado pela comunidade com a intenção de levar cultura para Ceilândia, a construção completa do Centro Cultural e Desportivo da cidade caminha a passos lentos há mais de 30 anos.

O projeto inicial não é mais uma realidade. O local que seria utilizado para os outros dois blocos do Centro agora é o estacionamento da estação do metrô Ceilândia Norte. Já o espaço onde seriam as quadras poliesportivas, a Praça da Juventude, é um grande canteiro de obras vazio.

Os motivos pelos atrasos são diversos, desde problemas decorrentes do plano Cruzado, ainda na década de 1980, a problemas em licitação em 2017. Quem perde com as sucessivas paralisações é a população, que se vê obrigada a ir ao Plano Piloto para ter momentos de lazer.

Professor de história e criador da Casa da Memória Viva da Ceilândia, Manoel Jevan acredita que o problema está na burocracia estatal. ;Alguns parlamentares até conseguem emendas federais para terminar o centro, mas o governo não as libera;, explica.

Parte da comunidade, no entanto, não fica apática em face aos atrasos recorrentes. Além dos produtores culturais, o movimento Retomada, fundado em 1995, pressiona frequentemente as gestões distritais pelo fim da obra. Para Luciene dos Santos Velez, mais conhecida como Nina e membro do movimento, o término do Centro é uma prioridade da região.

Uso do espaço

Hoje, das 11 disponíveis salas disponíveis no Centro Cultural, sete estão sendo utilizadas. A sala 1, do Conselho Tutelar; a sala 5, é o almoxarifado; a sala 6, da Gerência de Cultura; e as salas 8, 9, 10 e 11, do Centro da Juventude, projeto da Secriança em parceria com o Instituto de Esporte, Cultura e Artes Populares (Iecap).
Além dessas quatro, a Secriança utiliza um espaço administrativo do primeiro andar e um local onde seria a copa do prédio, também para atividades do projeto Centro da Juventude. Os cursos oferecidos no local incluem aulas de violão, gastronomia, muay-thay e empregabilidade.

Segundo Francisco Rosa, gerente de cultura de Ceilândia, as outras quatro salas são utilizadas parcialmente, tendo espaço na agenda para que outras pessoas que tenham interesse as ocupem. A sala multiúso número 7, por exemplo, é utilizada tanto pelo Centro da Juventude quanto por produtores de cultura. Essa, inclusive, é a sala em que B.Boy Papel ministra aulas de dança.

Completando a lista do uso do espaço, na sala 4 fica o Conselho de Cultura e nas salas 2 e 3 há reuniões dos narcóticos anônimos aos sábados, e, aos domingos, a religião oriental Sochu Nae ocupa uma das salas, das 8h às 11h.
*Estagiário sob supervisão de Mariana Niederauer