Cidades

Dia de Cosme e Damião é oportunidade de praticarem a caridade

A data em homenagem aos santos, que eram irmãos gêmeos, é comemorada em 27 de setembro

Verônica Holanda*
Daniel Marques Vieira*
postado em 25/09/2017 06:02 / atualizado em 08/10/2020 14:33
Representantes do Centro Espírita Caminheiros de Santo Antônio de Pádua preparam guloseimas para distribuição: tradição entre católicos e praticantes de religiões de matriz africana
Ainda era sexta-feira quando os pacotes de doce começaram a chegar ao Centro Espírita Caminheiros de Santo Antônio de Pádua, no Setor O. Entre jujubas, paçocas e cocadas, a imagem dos santos Cosme e Damião, do alto, parecia vigiar os doces destinados às crianças de Ceilândia. Uma dinâmica parecida se desenvolve na Paróquia do Divino Espírito Santo, no Guará 2, onde há uma capela destinada aos santos gêmeos. O motivo: em 27 de setembro, próxima quarta-feira, é comemorado o dia desses santos, cuja tradicional festividade tem em seu centro a distribuição de doces às crianças, unindo pessoas e grupos religiosos preocupados em manter vivo o antigo costume.

Segundo a tradição, no Século III, Cosme e Damião nasceram na Ásia, em um contexto de forte repressão religiosa do Império Romano. “Foram dois jovens considerados médicos, que faziam o bem a quem precisasse, principalmente às crianças, sem esperar nada em troca. Por isso, a gente tem a devoção de oferecer às crianças saquinhos de doces” explica o padre João Firmino, 43 anos, responsável pelo setor de comunicação da Arquidiocese da Catedral de Brasília. Os gêmeos receberam sua canonização por morrerem como mártires, não negando sua fé no tribunal.

Segundo o padre, o catolicismo é levado a celebrar os gêmeos devido ao simbolismo de gentileza e a caridade que carregam. “O que nos faz venerá-los é a busca do bem, principalmente ao lado de quem mais necessita, voltado àqueles que não podem retribuir o que se faz por eles com nada além da alegria, como as crianças”, esclarece. “Eles nos incentivam a buscar cada vez mais fazer o bem, ainda mais nesse mundo individualista em que a gente vive. Fazendo o bem aos outros, nós encontramos a satisfação pessoal”, acrescenta o padre.

No Distrito Federal não há igrejas católicas voltadas exclusivamente a São Cosme e São Damião, mas há pequenas ações de muitas paróquias. É o caso da Paróquia do Divino Espírito Santo. A coordenadora do Conselho de Pastorais Paroquial, Maria Leodenice, 73 anos, conta que, normalmente, a paróquia realiza as celebrações exatamente na data comemorativa, na pastoral de acolhida da paróquia. “Recebemos todas as doações da comunidade para a festividade. Esses doces são preparados em kits, que montamos em saquinhos e distribuímos para as crianças”, relata.

Barreira


Espíritas e umbandistas também celebram o dia dos jovens santos. Ivete da Silva, 58 anos, trabalha em um centro há cerca de 35 anos. Ela vê nas festividades uma forma importante de romper a barreira com a sociedade, ainda muito preconceituosa com o espiritismo e com religiões de matriz africana. “Outro dia, um grupo de crianças observava curiosa o nosso terreiro, pois precisava fazer um trabalho escolar sobre a umbanda. Elas estavam com medo de entrar e nos perguntar coisas”, acrescenta Balbina Rodrigues dos Santos, de 68 anos. Balbina é da Bahia, onde tinha contato com as religiões de matriz africana, mas relata que só começou a frequentar a umbanda em Brasília.

Elas contam que os doces são entregues pelos frequentadores do centro e pela comunidade e são somente ensacados e entregues às crianças. “Muita gente tem receio de pegar os doces, por medo do que pode ter por trás. Mas tudo o que fazemos é separar em saquinhos e entregar às crianças, como um agrado”, conta Ivete.

'Eles nos incentivam a buscar cada vez mais fazer o bem, ainda mais nesse mundo individualista em que a gente vive. Fazendo o bem aos outros, nós encontramos a satisfação pessoal' Padre João Firmino, 43 anos.

Para Balbina, algumas tradições vão além do cunho religioso. “Somos brasileiros e, desde sempre, temos sincretismo em nossa cultura”, argumenta. Ela cita como exemplo a relação entre os santos católicos e os orixás, nascida da necessidade que os escravos africanos tinham de cultuar suas divindades sem serem rechaçados pela igreja. “Mesmo em Brasília, muita gente distribui doces sem ligação com religião alguma, apenas pela tradição”, Ivete acrescenta.

Segundo as frequentadoras, a atenção do Centro Espírita Caminheiros de Santo Antônio de Pádua com a felicidade das crianças vem desde a sua fundação. “Sob a orientação do seu guia Ogum da Floresta, Antônia Lins fundou o centro e sempre distribuiu doces, mesmo fora da festa de Cosme e Damião”, diz Ivete. Para Balbina, mesmo a intolerância tendo afetado um pouco a popularidade da distribuição de doces, a tradição nunca vai acabar. O centro realizou sua festa no último domingo e doará os doces excedentes a creches do DF.

A queda de popularidade já é sentida pelo comércio. Olavo Ramos de Araújo, 64 anos, é sócio-gerente de uma distribuidora de doces em Taguatinga. Segundo ele, as vendas esta época do ano estão estagnadas. Ele explica que tem visto uma transferência da quantidade de compras do Cosme e Damião para o Dia das Crianças e culpa a falta de mídia para a data. “Antigamente, tinha muito movimento em volta da festa, com divulgação em rádio e TV. Hoje, tem menos divulgação e acaba levando as pessoas a não comprarem tantos doces”, conta.

*Estagiários sob a supervisão de José Carlos Vieira

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