;Dizem que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz.; A frase do início do século 20 é do poeta russo Vladimir Maiakovski. De um povo alegre, nós nos tornamos uma das nações onde mais se diagnostica casos de depressão e ansiedade. No Brasil, 5,8% , ou 12 milhões de pessoas, são deprimidas ; a maior prevalência da América Latina. Somos líderes mundiais quando o assunto é a ansiedade ; 9,3% da população sofre com o problema. Ao todo, são 18,6 milhões.
Os dados da Organização Mundial de Saúde alertam para a raiz de uma série de problemas que podem ser evitados, como o suicídio. Mas as estatísticas revelam uma faceta da sociedade que até pouco tempo não despertou nenhuma reação: como tratamos quem está próximo de nós. O mundo moderno, cada vez mais, impõe efeitos colaterais à condição humana. O estresse do dia a dia cobra seu preço e sentimentos como agitação, melancolia e depressão atingem a população independentemente da condição social, idade ou gênero.
O último mês foi dedicado à conscientização da população para chamar a atenção de como estamos encarando as doenças mentais e os efeitos que elas causam. O desfecho mais triste, quando a pessoa atenta contra a própria vida, tem aumentado significativamente. O Brasil é o oitavo país em número absoluto de suicídios. Aqui ocorrem 32 casos por dia, segundo dados do Ministério da Saúde. Entre 2011 e o ano passado, foram 48.304 tentativas e 55.649 óbitos.
A capital federal segue a mesma tendência. Desde 2010, a Secretaria de Saúde registrou 16 mil tentativas. Chegou a hora de mudar. Essa é a conclusão da Associação Brasiliense de Psiquiatria. A presidente da entidade, Maria Dilma Alves Teodoro, recebeu o Correio para alertar sobre os efeitos do que ela considera um ;grave problema de saúde pública;. ;O papel de cada um é não ter medo de falar, buscar informações, se importar com o próximo e ajudar na busca por tratamento médico;, alerta.
Maria Dilma, há mais de uma década, participa da organização da campanha Setembro Amarelo ; que busca a conscientização e disseminação de informações sobre suicídio e doenças mentais. Com o símbolo da ação, um laço amarelo, ela é categórica: ;Se não agirmos, o suicídio vai virar o que um dia a tuberculose e a Aids representaram para o mundo;.
Ultimamente vemos circular muitas informações sobre suicídio. Era um tabu conversar sobre isso. O que é essencial neste contexto?
O suicídio sempre foi algo que as pessoas tiveram dificuldade de conversar. Existe muito preconceito e medo. Culturalmente, isso sempre foi escondido e as famílias têm dificuldade de lidar. O que temos visto é que nossos índices têm crescido significativamente. Nossa população está vulnerável. Quase todos os casos têm ligação com doenças mentais e podem ser evitadas.
O que precisa mudar?
Suicídio hoje é uma questão de saúde pública. A gente tem visto os índices crescerem, os jovens atentando contra a vida, as famílias desassistidas. É uma discussão que as pessoas ainda têm medo de fazer e que precisa que a gente converse, oriente a população e crie mecanismos de prevenção.
Onde falhamos?
A grande dificuldade é o preconceito em relação às doenças mentais. Isso traz grande prejuízo para o indivíduo e para sua família. Temos suicídios ligados ao transtorno bipolar, depressão, esquizofrenia e na questão da dependência química. Isso está sendo subnotificado.
As doenças mentais são colocadas em segundo plano?
Pelo preconceito com a doença mental, e pela dificuldade de se entender, é mais fácil o indivíduo dizer que tem diabetes ou hipertensão, que também são doenças crônicas. Socialmente as doenças físicas são aceitas e pessoas ressaltam a importância de se fazer o tratamento e procurar o médico. Se pensa que porque as pessoas têm trabalho e uma família estruturada não há motivo para ter depressão, por exemplo. Só que esses motivos existem. A depressão não acomete quem está desempregado ou sem estrutura. Ela é uma doença que tem componente genético, alteração de substâncias cerebrais. É uma enfermidade como qualquer outra que precisa ser tratada. Uma das complicações é o suicídio. A dificuldade está em diagnosticar e tratar, para assim prevenir o suicídio.
[SAIBAMAIS]As pessoas acreditam que falar sobre suicídio pode aumentar os casos. Como a psiquiatria avalia isso?
Isso é um mito. Precisamos falar sobre esse assunto e esclarecer as dúvidas. Muitas vezes o indivíduo está desiludido com a vida e com uma dor ou sofrimento muito grande e ele pensa no suicídio. Muitas vezes, por questões sociais, ele não fala. O indivíduo quando está com esse sentimento e deseja morrer, na verdade ele não está pensando em morte. Ele quer diminuir a dor que ele tem. Se ele pudesse acabar com o sofrimento ele o faria e continuaria vivendo. Como não disseminamos as possibilidades e as alternativas, a pessoa acredita que morrer é a solução. Não mostramos a possibilidade para o indivíduo falar, desabafar e buscar ajuda. Fingir que não existe não vai acabar com o pensamento suicida.
Há sinais específicos?
Os dados mostram que a maior parcela das pessoas que cometem suicídio nos avisaram. Isso pode ser de uma forma que não foi explícita. Muitas vezes começa em uma conversa, em que se fala sobre a tristeza, sobre a alteração no sono, sobre a perda do prazer por viver. O indivíduo pode ter o hábito de ir ao cinema e começa a deixar de fazer, pois não vê mais graça. Se isolar dos amigos, falar pouco, produzir menos no trabalho são sinais. Isso ocorre quando a pessoa perdeu o interesse pela vida.
As pessoas dão importância a esses sintomas?
Muitas vezes as pessoas notam, mas não dão importância. Às vezes as famílias não valorizam que um dia a pessoa estava mais triste e, no outro, fez um comentário pessimista. Vemos nos adolescentes que estão muito na internet, nos jogos digitais, no celular e o contato familiar acaba sendo menor. Esse convívio é essencial para que as pessoas percebam um comportamento diferente para poder orientar e interferir. Isso vale em todas as fases da vida.
Qual o comportamento adequado para contribuir socialmente e mudar essa realidade?
O papel de cada um é não ter medo de falar, buscar informações, se importar com o próximo e ajudar na busca por tratamento médico. Quando perceber que alguém precisa de ajuda é obrigação perguntar ;está tudo bem?; ou ;conte comigo se precisar conversar!”. Temos que ouvir mais, receber mais as pessoas. As pessoas se aproximam, mas não encontram acolhimento. Por outro lado, o paciente tem que pedir ajuda. Não pode ter vergonha de procurar o psiquiatra e tomar o remédio. Por que o vizinho pode ser diabético e tomar o remédio dele e eu não posso ter depressão e me tratar? Por que ele tem que ser mais aceito?
O que os casos de suicídio representam para a sociedade?
Hoje, temos um grave problema de saúde pública e que, se a gente não tirar o preconceito, não vamos salvar vidas. Falar de suicídio é falar de vida. Precisamos caminhar em defesa da vida. Os nossos amigos, vizinhos e familiares estão morrendo e não estamos nos importando.
Como podemos ajudar?
O contexto ao redor desse indivíduo influencia muito. Temos que avaliar a questão da doença, do meio cultural, as questões profissionais, os relacionamentos afetivos. Isso tudo pode ser um gatilho para despertar a doença e desencadear o suicídio. A gente têm que olhar de frente e encarar a nossa realidade. Os profissionais tem que notificar os casos, em casa as pessoas tem que se importar com os outros e dessa forma a sociedade cobra políticas públicas de prevenção.
De onde vem o preconceito?
Vem do medo, como o que aconteceu com a tuberculose, Aids, e está acontecendo com o câncer e acontecerá com o Alzheimer. A gente sabe claramente que algumas doenças que historicamente mataram muitas pessoas, desencadearam estudos, investimentos e políticas públicas para prevenir. Foi a partir disso, que se mudaram os dados. Sabemos do preconceito que houve com esses males. Quantos indivíduos não foram excluídos do seu convívio familiar porque tinham tuberculose e eram perigosas? Há 30 anos, como foi grande o preconceito com a Aids. Por que não encarar as doenças mentais e perceber que é possível tratar e manter as pessoas com boa qualidade de vida? Por que não investir em prevenção?
Como as famílias podem ajudar?
Temos que procurar entender por que o indivíduo está pensando em suicídio. O que está acontecendo com ele? O que o leva a essa dor? Isso é se importar com próximo. Na verdade, quando ignoramos, o indivíduo interpreta que não há mais saída e atenta contra a vida. Essas pessoas passam por uma ambivalência muito grande de, primeiro, querer viver. Contudo, ela também pensa: ;preciso aliviar essa dor insuportável;. Temos que ouvir mais as pessoas falarem de suas dores e nós também falarmos das nossas.
Como os professores podem ajudar, por exemplo?
Fizemos um congresso e os professores que participaram trouxeram muita angústia por estarem lidando com adolescentes e não saberem como abordar o tema. As pessoas pensam que perguntar e falar isso é dar a ideia. Isso atrapalha a prevenção. Temos que desmistificar o assunto e mostrar à sociedade que todos desempenham um papel importante. Se a gente não fizer esse movimento, a gente não vai conseguir frear esses índices.
Sociedade e governo devem agir juntos...
Se é um problema de saúde pública, precisamos unir forças. Esse é o momento da cultura mudar, da sociedade entender, o governo traçar estratégia de política pública, de o profissional de saúde estar atento, do paciente entender que essas doenças são tratáveis. Quem tem depressão e se trata tem sucesso e qualidade de vida.
O paciente também tem um papel fundamental?
Se eu não estou bem e preciso de ajuda, tenho que tentar esclarecer e buscar a assistência de quem me oriente. Contudo, o essencial para o paciente é assumir o tratamento adequado.
A família também tem um protagonismo importante...
A família tem que estimular a procura pelo médico, a não abandonar o tratamento e a tomar os remédios com responsabilidade. Não se pode falar ;ah, você está bem, pare de se medicar; ou ;não precisa de médico, você sozinho sairá da depressão;. Isso é errado. O fato de o paciente não poder ficar sem o antidepressivo, não signifca que ele está dependente.
É possível vencer?
Hoje as pessoas comem mal por não terem tempo, têm uma vida estressante, se dorme pouco, não se faz atividade física e o trabalho que te suga ao máximo. Mas cabe ao indivíduo dar o seu limite. Temos que respeitar os nossos limites e nos disciplinarmos. Temos que ter o nosso lazer, o nosso descanso. Precisamos reaprender a viver e a respeitar os nossos limites. O que está acontecendo é que perdemos o prazer de viver, de fazer coisas que dão alegria. Em pessoas que têm a predisposição, à doença mental desencadeia os casos graves e resulta em suicídio. Dormir, praticar esportes, comer bem e ter lazer é essencial para manter o corpo e a mente vivos.
Hoje todos nós levamos uma vida estressante. Há alternativas?
Essa é a realidade de todo mundo, mas o que estamos fazendo para diminuir o nosso estresse? Pelo contrário, estamos aumentando essa carga. Levamos trabalho para casa, a gente ocupa o tempo que temos com a família de forma inadequada, as pessoas acabam se distanciando por várias causas e fazem seus programas separados, deixando de lado os momentos de prazer coletivo, conversa e reunião. Paramos de curtir a vida. A vida não é leve, mas a gente precisa fazer ela mais pesada?
Mas as cobranças são contínuas...
O que sociedade pede é que não se pare. A gente tem que ser bom, tem que produzir muito, tem que ser bonito, saudável, ter uma família perfeita, a roupa da moda, o carro do ano, a casa no melhor bairro; Mas a gente não consegue todas essas coisas. Precisamos ser felizes. Se formos menos exigentes e aproveitarmos as coisas boas, a gente talvez consiga ser mais leve e adoecer menos. Temos que cuidar melhor da gente e de quem está do nosso lado. É o pai e a mãe atentos aos filhos, os casais estarem atentos aos seus companheiros. As pessoas estão vivendo juntas, mas funcionando separadas. Chega o momento em que isso não se sustenta. Por que não tirar cinco minutos e conversar com uma pessoa que está angustiada? Precisamos ajudar as pessoas.