Luiz Calcagno
postado em 14/09/2017 06:00
Ammar Abou Nabout fala com os filhos em árabe. Um menino e duas meninas, com 8, 11 e 14 anos, respectivamente. À mesa, se os pequenos podem escolher, nada de arroz e feijão. Preferem a culinária síria. A mesma que Ammar e a mulher, Yasmin Abou Nabout, mãe das crianças, vendem no restaurante que abriram na 413 Sul. O sabor acabou se tornando uma forma de a família de refugiados manter a identidade com a terra natal. A cozinha de refugiados e imigrantes é, também, o tema da 8; edição do Festival Internacional de Cinema e Alimentação Slow Filme, em Pirenópolis (GO), município a 150km da capital federal.
O evento começa hoje e vai até domingo. Na sexta, após a apresentação do filme Faça homus, não faça guerra, Ammar e Yasmin vão conversar com a plateia sobre a fuga da família para o Brasil e servirão homus aos presentes (veja Programação). O longa trata da cultura gastronômica que pode unir povos que se consideram inimigos no Oriente Médio. Além do casal, a imigrante Fatoumata Aboua, que deixou a Costa do Marfim fugindo de uma guerra étnica, falará sobre a própria vivência e cultura.
Ammar explica que algo da identidade da família fica pelo caminho. Mesmo que, dentro de casa, o árabe seja a língua vigente, os filhos não conseguem mais compreender os avós, por exemplo. Ele e a mulher seguem lutando pela preservação da cultura. ;Em algum momento, terão mais tempo de Brasil que de Síria;, relata Ammar.
Os produtores do evento chegaram até o imigrante Fatoumata com ajuda do projeto paulista Comida de (I)migrante, gerido por Maria Conceição Oliveira, que trabalha com resgate de receitas afro-brasileiras e quilombolas. Fatou, como é chamada pelos amigos, conta que sua educação culinária sempre veio carregada de valorização da cultura e dos produtores da Costa do Marfim. ;Comecei a cozinhar aos 8 anos. Cresci no meio das cozinhas da minha mãe, tias e da minha avó;, relata. ;Hoje, cozinho em eventos e festas a comida Africana. A minha avó dizia em bambara ;domini eh dunia dia;. Traduzindo: o gostoso da vida é a comida;, completa.
Diversidade
Curador do festival, Sérgio Moriconi, que também é diretor, crítico e professor de cinema da Universidade de Brasília (UnB), fala sobre a importância dessa preservação, bem como da aproximação entre imigrantes e brasileiros. Para ele, ao tratar do tema, o festival ganha contornos políticos importantes para a época e traz reflexões sobre a diferença entre os produtos industrializados e homogeneizados e a produção local.
;Todos os filmes, mesmo em assuntos universais, fazem um contraponto com culturas locais de diferentes partes do mundo. É uma forma de promover uma reflexão sobre a importância dessas culturas. Culturas que têm de se reafirmar a partir da compreensão da importância do consumo de seus próprios produtos e pratos;, avalia Sérgio Moriconi.
Uma das idealizadoras e produtora do evento, Carmem Moretzsohn destaca que o Slow Filme é o único festival do tipo no país. A ideia nasceu de um evento semelhante, que ocorreu na comuna italiana de Bolonha. ;O festival estava ligado ao movimento slow food, que também nasceu na Itália. Esse festival italiano já nem existe mais. Teve poucas edições. Começamos a estudar. Não existia nada parecido no Brasil. Estamos falando de cinema, mas também da qualidade de identidade cultural por meio da culinária, de sustentabilidade e de respeito ao meio ambiente;, explica.
A maioria dos filmes que serão exibidos são inéditos no Brasil. ;Fizemos pesquisas em festivais da Espanha e de Berlim, que têm mostras ligadas à gastronomia. Também garimpamos entre outras produções e recebemos alguns filmes nacionais;, detalha Carmem. O principal apoio para a realização do evento veio das embaixadas da Espanha, França, Austrália, Argentina, Turquia, Itália e Alemanha.
Mais qualidade
O movimento slow food surgiu na Itália. Inicialmente, foi promovido por uma organização não governamental de mesmo nome. Porém, como ideia, difundiu-se pelo mundo. O objetivo é melhorar a qualidade das refeições e dar prioridade a produtores locais, agregando valor à comida de diversas formas. O nome faz frente ao fast food, relacionado à massificação e padronização dos alimentos.
Programação
Confira os destaques do Festival Internacional de Cinema e Alimentação Slow Filme de Pirenópolis
Quinta, 14 de setembro
19h ; Walachai
Sexta, 15 de setembro
19h ; Faça homus, não faça guerra Após a sessão, haverá um bate-papo com Maria Conceição Oliveira, representante do projeto Comida de (I)migrante, e com os cozinheiros Fatou Aboua, da Costa do Marfim e Yasmin e Ammar Nabout, da Síria
Sábado, 16 de setembro
15h15 ; Senhor Maionese
19h ; Pelos Caminhos da Turquia Sessão seguida de degustação de quitutes turcos cedidos pela embaixada do país no Brasil.
Domingo, 17 de setembro
18h30 ; O Prato Perene/The Perennial Plate ; exibição dos curtas Uma história de massa, Faces da Turquia, Os fornos de Cappoquin, Santuário animal e Pequeno Rabanete (40min)
Serviço
Local: Cine Pireneus ; Rua Direita, Pirenópolis, Goiás
Data: 14 a 17 de setembro de 2017
Entrada franca
Confira a programação completa e as sinopses dos filmes no site objetosim.com.br/slow-filme