Flávia Maia, Pedro Grigori - Especial para o Correio, Roberta Belyse - Especial para o Correio
postado em 31/08/2017 06:00
Passados oito anos, o triplo assassinato na 113 Sul ainda deixa marcas. Na família, o crime constrange e familiares chegam a evitar o sobrenome Villela. Na Justiça, a desigualdade: os inúmeros recursos impedem a filha do casal, Adriana Villela, denunciada como mandante do crime, de ir a julgamento. Os três assassinos já foram julgados e condenados. Na quadra, o trauma de moradores que não querem o endereço relacionado à barbárie.
Por volta das 20h do dia 31 de agosto de 2009, a Polícia Civil recebia a notícia do triplo assassinato em um apartamento na Asa Sul. As vítimas: o ex- ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e advogado José Guilherme Villela, a mulher dele, também advogada Maria Villela e a funcionária da casa, Francisca Nascimento Silva. Após a perícia constatou-se que o crime ocorreu dias antes, 28 de agosto, uma sexta-feira (leia Passo a passo).
Com uma trajetória novelesca e cercada de erros por parte da Polícia Civil, o crime da 113 Sul teve nuances de romance policial: provas plantadas, participação de uma vidente na tentativa de elucidar o assassinato, denúncia de tortura e até conflitos dentro da própria corporação. Oito anos depois, ainda há busca por respostas e justiça. Os três assassinos - Leonardo Campos Alves, Francisco Mairlon e Paulo Cardoso Santana estão presos na Papuda. Juntas, as penas dos três somam 177 anos. Apenas Paulo Cardoso pode recorrer da sentença, as demais não cabem recursos. (veja A situação de cada envolvido)
A filha do casal, Adriana Villela, denunciada como mandante do crime, vive na zona sul do Rio de Janeiro, longe da cidade onde paira sobre ela a acusação da morte dos pais. Fala pouco com a imprensa e preferiu não se pronunciar nesta matéria. Há oito anos ela tenta escapar de um julgamento no Tribunal do Júri por meio de diversos recursos. Para isso, conta com a ajuda da robusta defesa de um dos principais - e mais caros - criminalistas do país, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Entretanto, o advogado afirma que não cobrou e aceitou o caso a pedido de amigos em comum entre ele e a família Villela. Na lista, ilustres nomes do mais alto escalão jurídico. ;Eu nem cobrei esse caso, fiz a pedido dos amigos do Zé (José) Guilherme, que são os ministros Sepal Pertence (refere-se a Sepúlveda Pertence), ministro Eduardo Ribeiro, ministro Pedro Gordilho e outros amigos;.
Como advogado, Kakay é enfático na inocência de Adriana. ;A Adriana já pagou mais do que deveria pagar. Está comprovado materialmente que ela não estava na cena do crime;. Para defender Adriana, Kakay ataca as instituições. ;O Ministério Público (MPDFT) nessa sanha acusatória, às vezes perde um pouco a dignidade. Eles queriam avaliar a forma que a Adriana chorou quando soube do assunto;.
Do inventário milionário - algumas reportagens falam em R$ 160 milhões em imóveis em Brasília e no Rio de Janeiro - pouco se fala. ;Eu nunca perguntei pra ela (Adriana) do que ela vive. Provavelmente é da herança. Eu não tenho ideia do patrimônio;, afirma Kakay. Ele diz que ouviu dizer que o apartamento onde ocorreu o crime no Bloco C, na 113 Sul, foi vendido. O Correio esteve no local e confirmou a venda. A reportagem tentou conversar com os novos moradores. Sem se identificar, eles disseram - de forma ríspida - que sabem do crime, mas preferem não comentar. ;Não somos parentes dos Villela e nem temos mais qualquer contato com eles. Não vamos dar entrevista, deixem isso (o caso) para lá;, diz o proprietário segundos antes de entrar pela portaria.
Uma moradora do prédio concordou em falar com a condição de que não fosse identificada e contou que na época do crime, os moradores tinham medo dos imóveis acabarem desvalorizados. ;Tinha policial e jornalista aqui o tempo todo, mudou a rotina da quadra. Por isso até hoje é um assunto muito delicado;, contou a mulher de 57 anos. Antes de subir para o apartamento onde mora, a senhora ainda comenta com o porteiro do prédio: ;Mexer em carniça só faz feder mais;.
;Chacina;
Se os parentes dos Villelas acumulam traumas, os de Francisca Nascimento da Silva clamam por justiça. ;Os três esfaqueadores estão presos e condenados. Agora, aguardamos que o Tribunal de Justiça, enfim, sente Adriana Villela no banco dos réus;, defende o advogado da família de Francisca, Pedro Calmon. Para ele, a filha do casal foi a mandante do que chamou de ;chacina;. ;No momento, ela está tendo a melhor vida possível no Rio de Janeiro;, acrescentou.
Promotor responsável pelo caso à época, Maurício Miranda, apesar de não estar mais à frente do processo, acompanha os desdobramentos. ;Eu fico triste com a diferença de tratamento que existe em relação ao poder econômico das pessoas. Os acusados que não têm dinheiro foram julgados e condenados;, afirma. Para ele, Adriana Vilella deve ser julgada pelo Tribunal do Júri de Brasília. ;Se ela for julgada, será condenada. O meu medo é de me aposentar e não ver esse júri realizado;, conclui o promotor.
A situação de cada envolvido
Adriana Villela
Filha do casal assassinado, é considerada pelo Ministério Público do DF e Territórios a mandante do crime. As motivações seriam a herança e a revolta com a mesada de R$ 8,5 mil. Chegou a ser presa duas vezes. Devido a vários recursos, não chegou a ser julgada pelo Tribunal do Júri de Brasília. A defesa de Adriana espera a resposta do TJDFT em relação a dois novos recursos. Mora no Rio de Janeiro.
Leonardo Campos Alves
Trabalhou como porteiro no Bloco C, local do crime. Foi condenado a 60 anos de prisão pelo triplo homicídio. No caso dele, não cabe mais recurso. Cumpre pena no Complexo Penitenciário da Papuda.
Francisco Mairlon
Comparsa de Leonardo, foi condenado a 55 anos de prisão. Também não cabe mais recurso. Cumpre pena na Papuda.
Paulo Cardoso Santana
Sobrinho do ex-porteiro, foi apontado pelo tio como ajudante nos assassinatos. Foi condenado a 62 anos de prisão e também cumpre a pena na Papuda. Havia um recurso para ser julgado em 17 de agosto, mas foi adiado para 14 de setembro.
Martha Vargas
Foi a primeira a investigar o caso. Então delegada da 1; DP
(Asa Sul), acabou acusada de manipular a apuração para responsabilizar inocentes. A Justiça a condenou a 16 anos de prisão. Recorre em liberdade.
José Augusto Alves
Agente da Polícia Civil acusado de torturar inocentes para responsabilizá-los pelo crime. Condenado a 3 anos,
1 mês e 10 dias de prisão, também recorre em liberdade.
Passo a passo
2009
28 de agosto
[FOTO4]
; Às 15h ; José Guilherme e Maria Carvalho se encontram no escritório da família, no 14; andar do Bloco K do Setor Comercial Sul
; Às 17h ; Câmeras de segurança mostram Maria saindo do prédio do Setor Comercial Sul. Ela entra em carro e segue para um salão de beleza
; Às 19h ; José Guilherme deixa o escritório e dirige até o apartamento da 113 Sul, onde havia combinado de jantar com a mulher
; Às 19h20 ; O ex-ministro do TSE chega ao imóvel e encontra a empregada Francisca amarrada no meio da sala. Com ela, estariam o ex-porteiro do prédio Leonardo Campos Alves, e os comparsas Francisco Mairlon e Paulo Cardoso Santana, todos acusados pelo crime
; Às 19h50 ; Maria entra no apartamento e vê o marido e a empregada amarrados. Segundo laudo do Instituto de Medicina Legal (IML), ela é agarrada por trás e leva 12 facadas pela frente. Francisca é jogada no chão e recebe 23 golpes nas costas. José leva 38. No total, 73 golpes matam as vítimas. Os acusados usaram duas facas de cozinha da casa
31 de agosto
Preocupada com os avós, a neta do casal, Carolina Villela, decide ir até o apartamento da 113 Sul. Ao entrar no imóvel, encontra os corpos em estado avançado de decomposição