Pacientes estão deitados no chão e um princípio de confusão começa na recepção da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Ceilândia. Aos gritos, uma mulher cobra atendimento para o pai desmaiado e amparado por outros doentes. Apenas um médico faz o atendimento no local. Ele prioriza os casos mais críticos na sala vermelha, espaço de cuidados intensivos. O vigilante intervém. As vozes se calam, quando o segurança, com certa grosseria, explica o problema. ;Não adianta brigar. Tem só um médico. É impossível receber novos atendimentos;, sentencia. Cerca de 150 pessoas aguardam a sua vez.
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A cena não é exclusividade da UPA de Ceilândia. Os problemas e as histórias de frustrações se repetem em todas as seis unidades de pronto atendimento da capital federal. O Correio percorreu 202km para traçar o panorama do serviço. A reportagem acompanhou o drama de pacientes que perambulam em busca de assistência. As estatísticas oficiais evidenciam o problema. As seis unidades deveriam fazer 6,7 mil atendimentos mensais, segundo regulamentação do Ministério da Saúde. Contudo, a média é de 3,7 mil, de acordo com cálculo da Secretaria de Saúde ; defasagem de 45%.
[SAIBAMAIS]Deitado em um amontoado de cadeiras, o pedreiro José Hermes Brito, 76 anos, esperava por um médico havia 13 horas. Após uma queda, o joelho e o tornozelo direitos ficaram comprometidos. Passava das 20h da última quarta-feira, quando o idoso tentava atendimento na UPA de Sobradinho. ;O que deixa a gente revoltado é a falta de compaixão. Se explicassem onde há atendimento, a sensação de abandono seria menor, mas nem água aqui tem;, reclamou José. A recepcionista responsável pela organização dos atendimentos disse que, naquele dia, só pacientes graves foram admitidos. José desistiu de esperar. Amparado em uma bengala improvisada, deixou o local por volta das 21h30, com a ajuda de outra paciente também não atendida.
O desmonte é tanto que, em Samambaia, no Recanto da Emas e no Núcleo Bandeirante, parece que o serviço deixou de funcionar. Em Samambaia, as portas da unidade estavam semiabertas. Lá, a reportagem encontrou o jardineiro Josenaldo de Almeida Cortes, 44. Com dores musculares e nas costas, ele sequer entrou na UPA. A funcionária da recepção disse que era melhor nem esperar. Ele tomou um ônibus e, 12km adiante, no Recanto das Emas, também não recebeu atenção. ;Há duas semanas, eu procuro hospitais, postos de saúde e UPAs. Em todos os locais, a situação é a mesma;, queixou-se.
Recursos em baixa
A dificuldade de atendimento é reflexo do esvaziamento das UPAs. A Secretaria de Saúde reduziu a quantidade de médicos nesses locais para fortalecer o programa Saúde da Família. Na escala em que deveria haver nove profissionais, apenas quatro fazem o serviço, como o Correio mostrou no início do mês. Em muitas situações, os médicos faltam ou apresentam atestados. Com as falhas, o Ministério da Saúde cortou aportes financeiros. Se, antes, o Palácio do Buriti embolsava R$ 1 milhão por mês para a manutenção de quatro UPAs ; outras duas estão com o processo suspenso ;, agora, o recurso cairá pela metade: R$ 475 mil. Em um ano, as perdas chegam a R$ 6 milhões.
A mulher que gritava na UPA de Ceilândia, destaque no início da reportagem, é a analista de contas Alene Lacerda, 34. O senhor que desmaiou é o pai dela, de 64 anos. ;Falta compaixão das autoridades públicas;, lamentou, ainda muito nervosa. O pai dela foi estabilizado, mas não teve o caso solucionado. A dura rotina imposta aos pacientes causa revolta. Cansada, a monitora Josilda Henrique Barbosa, 41, esperou mais de 10 horas para se encontrar com um médico. ;As pessoas morrem aqui, e ninguém se preocupa com isso;, ressaltou a moradora da Chácara 51 do Sol Nascente ao ir embora sem ter a suposta pneumonia avaliada.