Pagamentos extras feitos a garçons são parte do cotidiano de consumidores que fazem refeições fora de casa. Antes, as famosas gorjetas eram sinal de gentileza pelo bom atendimento recebido. Hoje, dividem opiniões de clientes por terem se tornado quase obrigação. Por um lado, há aqueles que não veem problema na gratificação. Por outro, alguns se sentem coagidos na hora de decidir entre pagar ou não. Um ponto é unânime na discussão: os fregueses concordam que a cobrança deve ser explícita.
A estudante Gabriela Nunes Artiaga, 20 anos, se mostra insatisfeita com a prática. A moradora da Asa Sul costuma frequentar cafeterias na região e conta que, recentemente, teve uma experiência desagradável com a porcentagem adicional cobrada após uma refeição. "Nem perguntaram se eu queria pagar os 10%, simplesmente incluíram na conta. Foi bem chato, porque achei que tinham somado a mais, aí, quando fui reclamar, a moça disse que os R$ 4 eram de gorjeta", diz. "É ruim quando nem sabemos que estamos pagando, não tem escrito em lugar nenhum e simplesmente nos cobram, sem perguntar se queremos."
A publicitária Paloma Thais Rodrigues, 24, que tem o hábito de almoçar em restaurantes perto do local de trabalho, no Setor Comercial Norte, não se opõe à contribuição, mas concorda que o pagamento se tornou quase imposição. "É complicado, porque, em muitos casos, ficamos constrangidos e acabamos pagando, mesmo sem querer. Não deixam opção, e nos tiram o direito de avaliar se queremos contribuir", relata.
[SAIBAMAIS]
Sejam quais forem os valores, o consumidor deve sempre ficar atento ao fato de que a taxa não é obrigatória. O Código de Defesa do Consumidor determina que exigir um percentual extra é uma prática ilegal, já que a taxa nada mais é que uma livre gratificação ao garçom pela prestação de um bom serviço.
Quem também sofreu com o senso de obrigação no pagamento da taxa extra foi a técnica de enfermagem Renata Oliveira. No mês passado, a vegana comemorou o aniversário de 30 anos em um pub no Guará. Como presente, um amigo se ofereceu para pagar a conta da aniversariante e dos amigos que estavam juntos. "Era uma turma de cinco pessoas. Depois da diversão, pedimos a conta. Chegamos a levar um susto com o preço. Eu tinha somado e o total dava uns R$ 20 reais a menos do que a garçonete estava cobrando", afirma. Ela conta que, após perguntar para a funcionária sobre o acréscimo, ficou indignada com o motivo. "Em momento algum, fomos questionados se queríamos pagar gorjeta. Nós nos sentimos lesados com a atitude. Ficou um clima bem constrangedor e acabamos ficando com vergonha de falar que não queríamos pagar."
Normas
Em maio deste ano, entrou em vigor a Lei n; 13.419, de 2017, que regulamenta a distribuição de gorjetas em restaurantes e bares de todo o país (leia O que diz a lei). A medida estabelece que o pagamento seja anotado na carteira de trabalho e no contracheque do funcionário. Ou seja, gorjetas passaram a ser incorporadas ao salário. A norma prevê, ainda, que uma parte ficará com o estabelecimento para o pagamento de encargos. Anteriormente, não havia regra e, às vezes, funcionários chegavam a não receber o valor.
Para o presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares (Sindhobar), Jael Silva, a norma representa uma melhora nas relações entre garçons e donos de estabelecimentos. "O convívio será mais passivo. Com as previsões descritas em lei, diminuirão as demandas trabalhistas em casos na Justiça. As normas estão asseguradas agora."
O advogado especialista em direito do consumidor Vinícius Fonseca esclarece que, mesmo após a sanção da lei, se mantém opcional a contribuição dessa porcentagem. ;Entre o consumidor e o funcionário, a relação permanece a mesma. Vejo apenas uma forma encontrada pelo governo de tributar ainda mais os serviços. Portanto, se você quiser que o garçom, de fato, receba o valor da gorjeta integralmente, deve passar o dinheiro em mãos. Pois, em outros casos, o estabelecimento tomará as devidas providências para que ocorra a tributação em cima do valor recebido;, detalha. "O consumidor que se sentir lesado pode fazer uma reclamação ao Procon, ligando para o número 151", orienta. Em último caso, a questão pode ser judicializada. "Em geral, casos de direitos do consumidor são ações de pequeno valor, de competência de juizados especiais, em que não há necessidade de advogados. Mas o cliente pode consultar um advogado ou, se não tiver condições financeiras, defensoria pública ou núcleo de prática jurídica de alguma faculdade", conclui.
O que diz a lei
A Lei n; 13.419, aprovada em março deste ano, altera artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) quanto ao rateio das gorjetas. Agora, os empregadores devem anotar o valor fixo do salário e a média dos 12 meses referentes às gorjetas e à taxa de serviço na Carteira de Trabalho. As empresas que descumprirem os acordos estarão sujeitas ao pagamento de multa. A mudança gerou impacto no comércio da capital. Em alguns estabelecimentos, a taxa de serviço passou dos tradicionais 10% para 12%, 13% e até 20%. Os empresários justificam que essa é uma forma de os trabalhadores não serem afetados financeiramente, uma vez que, agora, o comércio retém parte da arrecadação com a cobrança.
* Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer