Aos 12 anos de idade, Loren Guimarães começou a fumar maconha e a cheirar cocaína. Seis anos depois, a garota já havia tido três overdoses. A primeira medida tomada pelos pais da jovem, com medo de que ela não sobrevivesse ao consumo excessivo de drogas, foi interná-la em um hospital em Franca (SP), sua cidade natal. Loren fugiu e a família precisou tomar uma decisão mais drástica. Depois de uma pesquisa na internet, a mãe da garota descobriu a Comunidade Terapêutica Vinde Vida ; centro de recuperação para dependentes de substâncias químicas, na zona rural do Gama, e trouxe a filha para o Distrito Federal.
;Em Franca, o hospital era no meio da cidade. Então, pulei o muro e fugi. Aqui, estou no meio do deserto, não tenho para onde correr. Mas, mesmo se pudesse ir embora, não iria. Gosto bastante daqui;, destaca a jovem de 18 anos. Loren está na comunidade há um mês, mas fez várias amigas e participa ativamente de diversas oficinas e atividades. ;Nós nos apegamos às pessoas que vivem conosco. Gosto muito da terapia que faço. Também faço jardinagem. Converso com as plantas, adoro cuidar do jardim e da horta.; A família da jovem vive em São Paulo, enquanto ela se recupera na capital.
Assim como Loren, outras 24 mulheres buscam se curar na casa feminina de reabilitação. Os perfis e as idades são variados. A maioria das pacientes foi resgatada nas ruas por voluntários de igrejas. A bancária soteropolitana Carla Sampaio, 33, é uma das voluntárias que vão às ruas distribuir cobertores, sopa quente e outros mantimentos para quem não tem onde viver. ;Eu fazia trabalhos sociais em Salvador e, quando cheguei a Brasília, há três anos, comecei a procurar formas de ajudar. Nós podemos fazer a diferença na vida de muitas pessoas.;
Uma das mulheres resgatadas era dependente de crack havia 23 anos. Ana Luíza Gonçalves de Paiva, 45, foi tirada das ruas pela primeira vez em 2015 e levada à casa de recuperação. Ficou três meses no local, e decidiu ir embora. Teve uma recaída e voltou a fumar pedras de crack. Um ano depois, pediu ajuda e retornou à Vinde Vida, onde vive há quatro meses. ;Da primeira vez, eu pensava que já estava bem e recuperada. Fui embora antes da hora. Desta vez, só vou quando realmente estiver livre do vício. Quero recuperar minha vida e minha família. Quando você não quer sair da vida de drogas, acaba afastando sua família.; Ana Luíza tem cinco filhas biológicas e um filho adotivo, que acabaram criados pela mãe.
Uma das filhas também é dependente química e está internada no centro há oito dias. ;Eu nunca havia usado drogas, até que, em uma viagem para São Paulo, provei crack e me perdi. Quando isso aconteceu, eu estava grávida da minha filha, que está internada aqui comigo.; Enquanto mãe e filha se recuperam juntas, outros familiares as visitam com frequência, inclusive o neto de 2 anos de Ana Luíza.
Antes de se tornar dependente química, ela trabalhava como cozinheira em restaurantes. Hoje, cozinha na comunidade e ajuda com as aulas de culinária ministradas às pacientes. Mas a atividade preferida é outra: o crochê.
Auxílio
A casa de recuperação é gratuita e não tem apoio governamental, por isso vive de doações e trabalho voluntário. Psicoterapeutas, médicos, dentistas e enfermeiros costumam ajudar. ;Essa ajuda é essencial. Por exemplo, as pacientes, a maioria ex-usuária de crack, chegam aqui sem dentes ou com cáries tão profundas, que precisam extraí-los. Se não fosse pelo trabalho dos dentistas voluntários, não teríamos como ajudá-las;, diz a estudante de agronegócio Verônica Maria de Oliveira, 46, coordenadora da Vinde Vida. Verônica dorme no centro e convive o tempo inteiro com as mulheres que buscam ajuda.
Apesar da ajuda de igrejas e voluntários, o orçamento é apertado. Uma das idealizadoras do centro e responsável pelo local, Raquel Derzie Cauhi, 58, explica que são servidas quatro refeições diárias e que, por causa da abstinência, as pacientes sentem muita fome. ;Elas costumam comer três pratos grandes por refeição. É um dos sintomas da abstinência, que também as deixa ansiosas;, explica. ;O mais difícil de adquirir para as garotas é carne, pois é um insumo muito caro.;
Além de alimentos, a comunidade precisa de beliches, colchões, jogos de cama e armários. ;Os colchões que temos foram doados pelo Exército, mas já estão velhos. Se tivermos beliches, poderemos receber mais mulheres. Elas também não têm bons armários para guardarem suas coisas;, explica Dalvanila Seguins Sousa, 66, uma das voluntárias.
Por não ser uma clínica médica especializada, as pacientes não podem ser medicadas. ;Como não podemos tratá-las com medicamentos, contamos com a determinação e a perseverança delas, e cuidamos com muito amor e carinho. Tem dado certo, mas estamos buscando a ajuda do Centro de Atenção Psicossocial (CAPs) para que eles nos ajudem com a parte médica especializada;, esclarece Raquel. ;De vez em quando, médicos voluntários nos ajudam e receitam medicamentos leves, que podem ajudá-las a combater dores de cabeça e ansiedade;, completa.
Para tentar ocupar as mulheres, elas participam de oficinas de artesanato, tapeçaria, dias de beleza, culinária, crochê e outras. Além disso, foi cavado um buraco com cerca de um metro de profundidade para depositar alguns peixes. Uma das maiores diversões das pacientes é pescar as espécies e, depois, colocá-las de volta na água. Por isso, a comunidade também pede doações de ração de peixe.
O início
A casa de reabilitação feminina existe há pouco mais de um ano, mas, desde 2011, há uma masculina, também na zona rural do Gama. O local atende a cerca de 170 homens. O lugar foi idealizada por José Cauhi Filho, 74, marido de Raquel Cahui, que cuida da casa feminina. ;José sempre se sensibilizou muito com pessoas em situação de rua. Um dia, disseram-nos que, perto de onde moramos, um homem estava morrendo. Meu marido foi buscá-lo e trouxe o desconhecido para nossa casa;, conta Raquel.
José Cauhi começou a arrecadar doações em igrejas evangélicas, até que adquiriu o primeiro terreno na Ponte Alta do Gama, onde construiu um barraco de madeira e passou a recolher moradores de rua dependentes químicos. A construção foi ampliada diversas vezes e continua a crescer. Depois de quatro anos, muitas mulheres passaram a procurar ajuda no local e, com o apoio da esposa, foi criado o espaço feminino, em uma chácara próxima
Para ajudar
Banco do Brasil
Agência 2901-7
Conta corrente: 32.780-8
Comunidade Terapêutica Vinde Vida
BRB
Agência 0078
Conta corrente: 0780056574
Jose Cahui Filho
Programe-se
No próximo sábado, a casa feminina realizará uma feijoada beneficente, a partir da 11h, para arrecadar dinheiro para a continuidade do trabalho da comunidade. O valor da entrada é R$ 10. A Comunidade Terapêutica Vinde Vida fica na Chácara Roma n; 82, Ponto Alta Norte ; Gama.