O encontro, que começou há cerca de um ano e meio com apenas alguns moradores da 216 Norte, no enorme gramado em frente ao Bloco G, passou a atrair gente de quadras vizinhas, como a 416, a 215 e a 415. ;Nós levamos lanches e ficamos bebendo e conversando enquanto os cães interagem entre si;, conta a autônoma Marthina Rosa, 27 anos, moradora da 216 desde novembro do ano passado. Ela e o namorado, o servidor público Wagner Lanna, 27, são donos de uma fox paulistinha chamada Molly. ;Temos um grupo nas redes sociais. Quando alguém desce, já avisa no grupo e todo mundo desce com os cachorros também;, completa Wagner.
Já foram organizados até piqueniques e festas de aniversário para os animais. A instrutora de yoga e dog walker (passeadora de cães) Maria Maia, 28 anos, moradora da 216 desde outubro do ano passado, tem um vira-lata chamado Marley e conta que ele adora brincar no gramado da quadra. ;Uma vez, organizamos um piquenique e levamos bolo, pão de queijo, cerveja para curtimos nossos bichinhos. O Marley se divertiu muito, brincou a tarde inteira com os outros 20 cachorros que estavam lá. Ficou bem cansadinho no dia seguinte;, relata Maria.
Quando é aniversário de algum membro do grupo ; seja humano ou canino ;, os encontros são mais incrementados. ;Levamos cadeiras, mesas, som, comida;, explica Marthina. Ela ressalta que os prédios são bastante divididos entre quem tem cachorro e quem não tem. Segundo Wagner, alguns vizinhos que não possuem animais de estimação implicam com algumas regras, como não poder deixar os animais sem coleira no pilotis, ou reclamam de barulho. No entanto, Maria destaca: ;Sempre fazemos uso do bom senso para não fazer bagunça. É raro ficarmos no pilotis. Vamos mais para o gramado ou para as calçadas, tentamos sempre mudar de local, para evitar que vizinhos nos peçam para fazer silêncio;.
Maria Maia é curitibana, mas morava em Ilhéus (BA) antes de chegar à capital federal. ;Tenho o Marley desde que morava em Curitiba. Ele foi comigo para Ilhéus e agora veio para Brasília, adora a cidade, porque há muitos cachorros na quadra em que moramos e o gramado é grande para correr. Ele também se diverte muito ao nadar no Lago Paranoá;, diz.
Socialização
Uma das fundadoras da Cachorrada da 216, a bancária recifense Débora Cavalcante, 48 anos, acredita que ter um animal é um dos instrumentos mais eficientes de socialização que existem. ;O traço urbanístico de Brasília não favorece o encontro. Eu vivo em um prédio no qual a maioria dos moradores não se conhecem. Não sabemos os nomes dos nossos vizinhos. Descer com os animais proporciona a interação entre pessoas que gostam de animais;, defende.
Débora chegou a Brasília há um ano e meio com duas cadelas, a dachshund (raça popularmente conhecida como ;salsichinha;) Frida e a schnauzer Olga. Posteriormente, adotou uma vira-lata que foi abandonada na quadra por um ladrão que assaltou algumas portarias, e a batizou de Pagu. ;Todas as minhas cachorras têm nomes de mulheres fortes;, pontua. Começou a fazer amizades na nova cidade quando descia com as cadelas para baixo do bloco. ;Interagir é difícil. Quando se tem um cachorro, pessoas que antes seriam invisíveis para você deixam de ser, pois elas têm algo em comum. Os animais propiciam uma sensação de comunidade, de encontro entre pessoas diferentes, que têm necessidades iguais;, afirma.
A bancária diz que, por ser falante, começou a conversar com vários moradores que desciam com os animais e passaram a combinar de descer sempre no mesmo horário. Assim nasceu o grupo, que ganha cada vez mais adeptos. ;Muita gente não tem ideia do que é ter um cachorro, da diferença que faz na nossa vida. Buscamos pessoas que tenham essa percepção;, crava. Débora ainda aconselha: ;Quer conhecer gente nova? Tenha um cão;.
De fato, muitas amizades entre moradores da quadra começaram com a criação do grupo de happy hour canino. ;Formamos círculos de amizades tanto de pessoas quanto de cães;, concorda Maria. ;O universo se abre quando você descobre outros seres além dos humanos;, finaliza Débora.
WhatsApp solidário
O grupo de WhatsApp da ;Cachorrada da 216; já serviu até para salvar uma cadelinha ferida. A cachorrinha de três meses do porteiro Romualdo, que trabalha no edifício de Débora, foi atropelada e quebrou o fêmur. Como a cirurgia era muito cara, Romualdo pediu ajuda à recifense amante de animais, que, por sua vez, compartilhou o pedido no grupo de happy hour canino. Os moradores se mobilizaram, fizeram uma vaquinha e juntaram os R$ 3.200 necessários para pagar a cirurgia. Hoje, a cadelinha vira-lata Pantera se recupera bem.
A protetora de animais e moradora da 216 Norte Yzabella Vieira, 39 anos, sempre usa o grupo para pedir ajuda e arrecadar doações para os cães que acolhe ; atualmente, tem 11 deles em casa esperando para serem adotados. ;A Cachorrada da 216 sempre me ajuda demais com coleiras, vasilhas, remédios, ração. Sou muito grata a eles;, afirma.
Yzabella tem dois sobrinhos, os irmãos Ana Luíza Vieira, 9 anos, e Joaquim Vieira, 7, que, apesar de não viverem com ela, adoram participar do happy hour de sexta à noite. ;Adoro brincar com os cachorros;, diz Joaquim.