Cidades

Conheça pessoas que se livraram das drogas com ajuda de instituições do DF

A proposta é reabilitar e ressocializar por meio do ensino profissionalizante

Paula Pires - Especial para o Correio
postado em 15/07/2017 08:00
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Ainda que o poder de destruição da droga seja alto, é possível tratar os usuários de álcool, cocaína e crack ; este último, o mais lesivo e com maior chance de recaída. Não existe cura, segundo especialistas. Contudo, há ações pontuais e fragmentadas bem-sucedidas em Brasília em que comunidades terapêuticas de recuperação de viciados são capazes de cuidar com sucesso de 40% dos pacientes e garantir o retorno deles à sociedade.

A proposta dessas instituições mescla reabilitação propriamente dita e a ressocialização por meio do ensino profissionalizante, com foco no programa de reinserção social. A casa Missão Vida em Abundância (MVA), em Ponte Alta de Cima, no núcleo rural do Gama, abriga 15 mulheres, entre 18 e 50 anos. À frente deste empreendimento, Marlene Henriques Santana, missionária da Igreja Batista Filadélfia, disse que a proposta é oferecer um novo caminho para essas pessoas. ;Nosso trabalho conta com um calendário de diversas atividades ao longo do dia, como oficinas de patchwork e panificação. Cerca de 1,2 mil mulheres já passaram por aqui;, explicou.

O Instituto Crescer, tocado por Areolenes Curcino, acolhe 60 homens. ;O primeiro chegou em 20 de outubro de 2010. A casa já promoveu a recuperação de mais de 1 mil homens dependentes, em vulnerabilidade social; a maioria, moradores de rua, com vínculos familiares rompidos;, disse.

A proposta é reabilitar e ressocializar por meio do ensino profissionalizante
De acordo com Areolenes, um fator relevante que contribui para o uso de drogas, principalmente na infância e adolescência, ;é o ambiente familiar disfuncional, onde as crianças crescem em contato com violência doméstica, abuso sexual e carências de toda natureza;.

Ainda segundo ela, outra causa que influencia uma pessoa a usar a droga é a curiosidade. ;Geralmente, começa com o grupo da escola. Os mais novos observam os comportamentos dos mais velhos e desejam ser como eles. O grande perigo é experimentar;, salientou.

[SAIBAMAIS]É o caso de W.F.M., de 21 anos, em tratamento no Instituto Crescer. Segundo o jovem, a interferência de alguns colegas de escola e da rua o levou para este caminho. Filho de uma família estruturada e de classe média, ele contou que experimentou a droga pela primeira vez aos 16. ;Comecei com o álcool, misturado à maconha, cocaína, LSD e loló. Só não entrei na onda do crack. Saía de manhã de casa e voltava de madrugada. Fui me distanciando da minha família e parei de estudar no segundo ano do Ensino Médio;, lembra.

Preso por roubo

A situação chegou ao limite quando o jovem entrou em depressão e se automutilou nos antebraços. ;Sentia uma dor muito grande e nenhuma vontade de continuar vivendo depois de o efeito da droga passar;, disse o rapaz, que começou a roubar para comprar mais drogas. Acabou sendo preso por participar de um roubo de carro, em outubro de 2016, sendo encaminhado para o Centro de Detenção Provisória (CDP). ;Fiquei três dias na carceragem, mas consegui habeas corpus e hoje respondo o processo em liberdade. Minha mãe foi quem me ajudou. Estou internado há cinco meses. Nos primeiros 60 dias, sentia-me indisposto, com muito enjoo. Sonhava que usava drogas e acordava suando frio. Agora isso passou. Já voltei a praticar exercícios e projeto terminar o Ensino Médio. Tenho plano de fazer psicologia;, afirmou.

Psiquiatra especialista em dependência química e representante da Associação Médica de Brasília no Conselho de Políticas sobre drogas do DF, Leonardo Moreira disse que o vício não tem cura e muitos dependentes químicos ;lidam com um grande sofrimento e acabam se perdendo pela natureza da doença por não procurar ajuda;. Moreira observou, porém, que existe tratamento que envolve uma reabilitação complexa com fatores neurológicos, emocionais e sociais.

Para o especialista, muitas famílias adoecem também e ficam codependentes. ;Por isso, é fundamental buscar ajuda profissional, como também uma mudança cultural na relação de pais com os filhos, de modo a restaurar os vínculos afetivos;, considerou.

Depoimentos


Vidas quase perdidas

A história de A.A.P., de 34 anos, viciada em crack desde os 22, é como a de muitas mulheres que entraram no mundo das drogas e se perderam na prostituição. Há três anos e quatro meses, ela pediu ajuda e vem sendo tratada em uma organização não governamental, a Missão Vida em Abundância (MVA) em uma chácara no Gama. Não é a primeira vez que A.A.P. fica longe das drogas. Ela revela que já teve duas recaídas ao tentar largar o vício.

;O meu parceiro era usuário em cocaína. Um dia, como não havia pó, usamos o crack. Foi um caminho sem volta;, contou ela, que teve dois filhos com esse homem. ;Na primeira gravidez, fumava maconha. Já na segunda, usava de tudo ; cocaína, loló, maconha e crack. Mesmo grávida, tive de me prostituir para comprar a droga. Meu companheiro aceitava, porque era viciado igual a mim e precisávamos de dinheiro. Fazia de tudo por uma pedra de crack. Quando meu segundo filho nasceu, não sabia quem era o pai;, contou.

A gestora da MVA, a missionária da Igreja Batista Filadélfia Marlene Henriques Santana e Silva, afirmou que mais de 1,2 mil mulheres, entre 18 e 50 anos, passaram pela instituição ao longo de 23 anos. ;Não existe cura, mas cerca de 40% deste total conseguiu largar o crack;, afirmou.

Para ela, a libertação definitiva da droga não existe, mas Marlene acredita que o tratamento é possível. ;É um trabalho desafiador. A mulher demora mais um tempo para se tratar, mas existe a possibilidade de ela não usar mais o crack. Contudo, será uma dependente da droga para o resto da vida e não poderá ter contato com o crack, porque o risco de recaída é grande;, alertou.


Entre a dor e a esperança

A trajetória de F.E.R., de 29 anos, é marcada pelo narcotráfico e pelo vício. Aos 15 entrou para esse mundo como avião (quem fornece as drogas ao viciado). Segundo ele, em pouco tempo se tornou traficante. ;Não tem jeito. Quando a gente entra nesse caminho se vicia. No meu caso, maconha e cocaína;, lembrou.

F.E.R. levou essa vida até os 26, quando foi preso por homicídio. Encaminhado para o Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, o maior presídio do Maranhão, ele cumpriu pena de oito anos (que foi reduzida para quatro). ;A lei do presídio é matar ou morrer;, relatou o homem, que afirmou ter participado da segunda maior carnificina dentro do presídio de Pedrinhas e diz não se orgulhar disso.
Quando saiu da cadeia, F.E.R. contou que foi atrás do seu desafeto para fazer justiça com as próprias mãos. ;Percebi a burrada que fiz quando meus rivais vieram atrás de mim. Por isso, tive de fugir, deixando para trás mulher e duas filhas.;

Sem emprego e dependente químico, peregrinou por três estados até chegar a Brasília. ;Aprendi, a duras penas, que não valia mais a pena continuar fugindo, roubando para conseguir drogas. Por isso, me internei;. F.E.R. está no abrigo há quatro meses e disse que neste período aprendeu o que é amor. ;Bem sei o que é perder quatro anos de vida em uma cadeia;, lamentou. ;Preciso recuperar o tempo perdido. Talvez, rever minhas filhas e minha mulher;, disse.


;30 anos jogados no lixo;

H.C.G., de 31 anos, chora ao falar da sua caminhada pelo mundo das drogas. Em julho, ele completa sete meses que está em tratamento. ;É uma luta diária ficar em jejum da droga;, comentou. Ele lembra que começou com maconha aos 15 anos. ;Cheguei também a experimentar merla, antes do crack. As duas têm o mesmo princípio ativo. E dão muita vontade de usar mais;.

Segundo H.C.G., quando usava as drogas, tinha alucinações e ficava dias sem dormir e sem comer. ;Cheguei a pesar 52kg, quando meu peso normal é 81kg;, informou.

Abrigado no Instituto Crescer, H.C.G. é integrador pelo bom desempenho na casa, que conta com residentes, além de monitores. ;Já tomei facadas e tiros em uma vida que não me deu nada de bom. Foram 30 anos da minha vida jogados no lixo. Mas hoje quero voltar a trabalhar e poder cuidar com dignidade dos meus sobrinhos e meus filhos;, complementou.


Onde procurar


Instituto Crescer
St. Hab. Vicente Pires ; Taguatinga, Brasília ; DF, 72110-800. Telefone: 3547-3198

MVA
Ponte Alta do Gama ; Núcleo Rural ; DF 290. Triagem: QR 28, Conjunto D, casa 09, Guará. Telefones: 3381-7404//3381-3820

Auxílio e conforto
Oito pastorais da Arquidiocese de Brasília também oferecem ajuda aos dependentes químicos

Grupo de Ajuda Mútua (GAM)
Endereço: Paróquia São Camilo ; EQS 303/304
Cidade: Plano Piloto
Reunião: 5; feira às 20h Fone: 3226-0300
Ajuda: Familiares, dependentes químicos e Comunidade Terapêutica Dom Bosco.
Idade mínima: 16 anos

Grupo Pastoral da Sobriedade
Endereço: Paróquia São Francisco ; SGAN 915 Mod. A/B ; 70790-150
Reunião: 4; e 6; feira às 20h Fone: 3347-7039
Ajuda: Familiares, dependentes químicos e Comunidade Terapêutica Dom Bosco.
Idade mínima: 16 anos

Grupo Esperança e Vida
Endereço: Creche Ação Social N. Sra. Fátima ; QNN 30 módulo B AE. Cidade: Ceilândia Sul
Reunião: Sábado de 17h às 19h Fone: 3376-1112
Ajuda: dependentes químicos e familiares, ações de prevenção dos dependentes químicos.

Grupo Amor Exigente (AE-GAM)
Endereço: Paróquia São Camilo de Lellis ; EQS 303/304
Telefone: (61) 3226-0300
Reunião: 5; feira às 20h
Ajuda: pessoas com álcool e drogas
(licita e ilícita)

Instituto Nossa Senhora das Graças ; Raio de Luz
Endereço: Q. 01 Salão Paroquial N. Sra. Aparecida
Cidade: São Sebastião
Atendimento: 8h ; 18h
Telefone: 3335-3327
Ajuda: família de dependentes químicos
Fazenda do Senhor Jesus
Endereço Escritório: 701 Norte ; Centro Empresarial Norte, bloco A, sala 716
Reunião: Paróquia São José Operário 604 L2 Sul ; 4;feira às 19h30
Telefone: 3328-4006
Ajuda: recuperação de dependentes químicos (qualquer droga, menos fumo)
Idade mínima: 18 anos (existe o Nata ; Núcleo de Tratamento de Toxicômanos e alcoólatras)

Núcleo de Tratamento dos Familiares de Toxicômanos e alcoólatras (Nafta)
Comunidade Terapêutica Dom Bosco
Endereço: Paróquia São Camilo de Lellis Cidade: Asa Sul
Telefone: 3226-0300
Reunião: 5; Feira de 20h às 22h
Ajuda: Pessoas dependentes químicos lícita e ilícita
Idade mínima: 16 anos

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