A movimentação de ativistas começou antes da sessão de terça-feira, em frente à sede do Legislativo local. Em coro, gritaram os nomes dos parlamentares que votaram pela anulação da lei: ;Ô, deputado, que papelão! Nosso direito você não revoga, não!” Às 15h20, todos entraram na galeria do plenário, onde acompanharam a sessão. Durante o debate, realizado ao lado de uma grande bandeira caracterizada pelas cores do arco-íris, muitos manifestantes disseram que nenhum deputado da bancada evangélica (veja quadro) receberá apoio do grupo LGBTs na corrida eleitoral de 2018.
A discussão sobre a votação da última segunda-feira tomou a maioria do tempo dos discursos em plenário. Ricardo Vale (PT), o primeiro a subir à tribuna, classificou a decisão como uma atitude ;infeliz e desrespeitosa;. ;Temos de trabalhar para diminuir a intolerância. Não entendo os distritais que querem trazer o debate religioso para os poderes Legislativo e Executivo. O Estado é laico. O que se debate na igreja deve ficar lá. E vice-versa;, argumentou.
Liliane Roriz (PTB) seguiu o coro dos descontentes. ;A orientação sexual de cada um não diz respeito a meia dúzia dos deputados desta Casa. Não diz respeito a uma bancada que acha que pode praticar a discriminação;, defendeu. A caçula do ex-governador Joaquim Roriz e o petista aguardam a publicação da proposta que anulou a lei anti-homofobia para tentar revogá-la, via projeto de decreto legislativo.
[SAIBAMAIS]Os deputados não foram os únicos a se movimentarem pela manutenção de uma legislação que puna atitudes discriminatórias. Diversas entidades assinaram ontem uma representação, entregue ao Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) cujo conteúdo pede que o órgão tome providências para a revogação da decisão da Câmara. ;O movimento da bancada evangélica, além de imoral, é ilegal. A lei é clara ao dizer que regulamentar matérias é competência exclusiva do Executivo local;, argumentou o presidente do Conselho de Direitos Humanos do DF, Michel Platini.
A expectativa é que o tema passe pelo crivo do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios. O PT no DF e o Palácio do Buriti anunciaram que trabalham em ações diretas de inconstitucionalidade (Adin). Neste caso, os desembargadores decidiriam pela manutenção ou pela anulação da lei anti-homofobia. O mesmo ocorreu no início do ano, quando os deputados tentaram derrubar o aumento das passagens de ônibus, mas sofreram um revés no Judiciário.
A Lei Distrital n; 2.615/2000, regulamentada na sexta-feira pelo governador e revogada três dias depois, passou na Câmara Legislativa há 17 anos e é de autoria do próprio Rodrigo Rollemberg e de Maria José Maninha, à época, distritais. A legislação previa a punição a pessoas e a estabelecimentos por atitudes discriminatórias em virtude da orientação sexual. As sanções dividiam-se entre advertência, multa de até R$ 10,6 mil, suspensão temporária do alvará e até cassação da licença de funcionamento. A norma também se aplicava a órgãos do GDF. Servidores que cometessem o crime estariam sujeitos a penas disciplinares.
Vaias
Os parlamentares que votaram pela anulação da lei anti-homofobia realizaram pronunciamentos sob vaias. Entre eles, Rodrigo Delmasso (Podemos), pastor da Igreja Sara Nossa Terra e responsável pelas costuras políticas que levaram à realização da votação no Sindicato da Indústria da Construção Civil do DF (Sinduscon). Além de comentar a própria doutrina para justificar o posicionamento, o parlamentar recorreu à Constituição Federal. ;O artigo 22 prevê que é competência privativa da União legislar sobre direito penal e civil.;
O deputado acrescentou: ;Além disso, a lei estabelecia punições para quem manifestasse uma opinião, o que vai contra a liberdade de expressão;. Devido às costuras políticas, Delmasso perdeu o posto de líder do governo na Câmara. O cargo passará para Agaciel Maia (PR).
O distrital Julio Cesar (PRB), pastor na Igreja Universal de Deus, defendeu o movimento para barrar a criminalização do preconceito. ;Nada vai interferir em minhas convicções e princípios. Não vou recuar.; Nessa linha, Rafael Prudente (PMDB) afirmou que se posicionou com base ;na própria doutrina e consciência;.
Em nota divulgada na segunda-feira, o GDF informou que ;o Estado tem de garantir a liberdade de expressão, de credo religioso e o direito de orientação sexual de cada cidadão, evitando qualquer tipo de preconceito e violência. O governo está seguro de que, mais uma vez, o Tribunal de Justiça reconhecerá a autonomia do Poder Executivo de regulamentar a legislação sobre este tema e de outros de interesse da sociedade;.
Semana da Diversidade
Os distritais aprovaram, na sessão de ontem, em primeiro turno, a criação da Semana da Diversidade Sexual e Promoção dos Direitos Humanos. Para começar a valer, porém, a proposta precisa do aval dos parlamentares em segundo turno. O projeto, de Ricardo Vale (PT), determina que a comemoração ocorra, anualmente, na terceira semana de maio. O petista é um dos seis parlamentares que votaram contra a anulação da lei anti-homofobia.
A bancada evangélica
A representatividade de nove dos 24 distritais chega a 37%. Confira o perfil de cada um:
Bispo Renato Andrade (PR)
; Pastor na Igreja Abençoando as Nações, votou pela anulação da lei anti-homofobia. É alvo da Operação Drácon, que resultou em processo por corrupção passiva no Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT)
Celina Leão (PPS)
; Fiel da Igreja Comunidade das Nações, posicionou-se contra a lei anti-homofobia. Também é investigada pela Operação Drácon
Cristiano Araújo (PSD)
; Frequentador da Igreja Braço Forte do Senhor, votou pela anulação da lei anti-homofobia. É outro alvo da Operação Drácon
Julio Cesar (PRB)
; O pastor da Igreja Universal do Reino de Deus é um dos que derrubou a lei anti-homofobia. Também é investigado pela Operação Drácon
Rafael Prudente (PMDB)
; Sem vínculo com igrejas, o distrital posicionou-se contra a norma. Não é alvo de processos judiciais
Rodrigo Delmasso (Podemos)
; O pastor na Igreja Sara Nossa Terra votou pela anulação da lei anti-homofobia. Por isso, perdeu a liderança do governo na Casa. Não é alvo de processos judiciais
Sandra Faraj (SD)
; A pastora na Comunidade Cristã Ministério da Fé votou contra a lei anti-homofobia. Foi denunciada pelo Ministério Público do DF e Territórios na Operação Hemera por estelionato. A parlamentar ainda é suspeita de cobrar parte dos salários de servidores comissionados indicados ou nomeados por ela
Telma Rufino (Pros)
; A distrital é evangélica, não está ligada a nenhuma igreja, mas se posicionou a favor da lei anti-homofobia. Responde a processo por improbidade administrativa na Justiça Federal. Segundo a denúncia, a parlamentar descumpriu ordens judiciais ao autorizar a condução de obras no bairro de Arniqueiras, em Águas Claras
Wasny de Roure (PT)
; Fiel da Igreja Batista, o deputado não estava presente durante a votação. Não é alvo de processos judiciais