Jornal Correio Braziliense

Cidades

Vicente Pires caminha para a regularização, mas moradores temem preço alto

Assim como o Ville de Montagne, os moradores da antiga colônia agrícola terão preferência na compra dos terrenos ocupados por eles. Alguns já reclamam dos possíveis valores a serem adotados pelo GDF



A regularização de Vicente Pires, uma das maiores ocupações de terras do Distrito Federal, é um dos grandes desafios urbanísticos da capital. A retomada da venda direta de áreas públicas ocupadas há anos por loteamentos irregulares começa esta semana, com o lançamento do edital de regularização dos lotes do Condomínio Ville de Montagne, no Lago Sul, e segue com a comercialização de terrenos de parte dos lotes da antiga colônia agrícola. Mas, para legalizar toda a região de Vicente Pires, moradores e representantes do governo ainda têm um longo caminho pela frente. As negociações seguem, enquanto cresce a expectativa da comunidade pela solução de um problema que já se arrasta há mais de três décadas.

A área de Vicente Pires, uma antiga colônia agrícola que foi parcelada de forma ilegal para dar lugar a centenas de condomnínios horizontais, tem 2,7 mil hectares ; cada hectare equivale a um campo de futebol. Um dos entraves para a regularização das terras é a questão fundiária: parte da região está em áreas de propriedade da União e parte em terras da Agência de Desenvolvimento de Brasília (Terracap). Para facilitar o processo de legalização, Vicente Pires foi dividido em quatro trechos: o 1 e o 3, do GDF, e o 2 e 4, do Governo Federal.


Edital de venda

O primeiro a ser regularizado será o Trecho 3, às margens da DF-087, próximo ao Jóquei Clube. São cerca de 4 mil terrenos, cujo projeto urbanístico foi aprovado e publicado no Diário Oficial do DF há 10 dias. Com esse documento, o GDF pode pedir a Certidão de Regularização Fundiária, que permite a venda direta dos terrenos aos ocupantes. Segundo a Terracap, a expectativa é lançar o edital de comercialização no fim de setembro. No mês que vem, começa o cadastramento e a avaliação do preço dos imóveis.

Walter Célio Fonseca, 65 anos, é síndico do Condomínio Veneza há um ano, onde mora há quatro. Ele é agente da Polícia Civil aposentado e diz que, se o governo fixar preços próximos aos calculados para a venda do Ville de Montagne, haverá resistência na comunidade. ;Acho que até R$ 60 mil em um lote de 400m; e R$ 120 mil nos de 800m;, financiados, seriam valores razoáveis. Sinceramente, espero bom senso;, pondera.

O aposentado relata que, há um ano, obras estão sendo feitas nessa área de Vicente Pires. ;Asfalto e esgoto, por exemplo, eram coisas que já existiam e, simplesmente, destruíram tudo para fazer de novo;, reclama Walter Célio. Ele está com receio de investir em sua propriedade antes da divulgação das regras. ;Preciso pintar minha casa, mas estou com medo de cobrarem um valor muito alto. Já não tenho mais idade para financiar, eles nem aceitam. É muito preocupante;, expõe.

O pastor José Cavalcante, 61, mora há 18 anos no Residencial Park das Palmeiras, um dos locais onde ocorreram obras. ;Vejo que eles querem cobrar sem ser valor de terra nua. Nós tínhamos toda a preparação, o asfalto que colocamos com nosso dinheiro. Eles vieram até aqui, arrancaram tudo para dizer que fizeram alguma coisa. Espero que não sirva de justificativa para cobrar mais caro pelos lotes;, comenta. Ele lembra que, logo que chegou ao terreno, pagou pouco mais de R$ 30 mil e só havia vegetação. José não esperava ter que desembolsar dinheiro novamente, mas espera um preço justo. ;Se for algo muito alto e absurdo, ninguém aqui vai aceitar;, garante.

As regras para a venda direta foram fixadas no início de maio, por meio de um decreto assinado pelo governador Rodrigo Rollemberg e de uma resolução da Terracap. Os textos estabelecem que somente pessoas físicas podem participar da venda direta, e só será vendido um lote por CPF. O interessado não pode ser dono de outro imóvel residencial no DF. Para calcular o valor final dos imóveis, a Terracap vai deduzir os gastos com benfeitorias feitos por moradores ou pelo próprio condomínio, como redes de luz, de água e esgoto, drenagem e pavimentação, além da valorização decorrente das melhorias.

Imbróglio

Enquanto a legalização dos lotes em terras da Terracap avança rapidamente, a regularização dos terrenos em áreas da União não tem previsão de sair do papel. São cerca de 10 mil imóveis, divididos entre ocupações de baixa renda e condomínios de classe média. Para vender esses terrenos diretamente aos ocupantes, o governo federal depende da sanção da Medida Provisória 759, mais conhecida como MP da Regularização. Mas a União negocia com o GDF a transferência da titularidade para o governo local, com o objetivo de promover um único modelo de negociação. Na semana passada, o presidente Michel Temer demitiu o superintendente regional de Patrimônio da União no DF, Francisco Nilo, que havia sido indicado pelo senador Hélio José (PMDB-DF).

As idas e vindas políticas podem atrapalhar o processo, na opinião do presidente da Associação de Moradores de Vicente Pires, Dirsomar Chaves. ;Não vejo uma solução a curto prazo para essa questão dominial nas terras da União, especialmente diante da situação de oposição do governador Rollemberg ao presidente Temer. Eles estão em rota de colisão, como o Governo Federal vai cogitar transferir milhares de terrenos para o domínio do GDF?; questiona Dirsomar.

No caso dessa gleba, todos os projetos foram encomendados e pagos pelos próprios moradores. Os estudos estão sendo atualizados para serem submetidos à análise do Conselho de Planejamento Urbano e Territorial do DF (Conplan), responsável pela aprovação das questões urbanísticas. ;Mas temos dúvidas de quem vai encaminhar esses projetos para aprovação no Conplan, a Terracap ou a União;, acrescenta Dirsomar.

Secretário-adjunto de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Luiz Otavio Alves Rodrigues conta que a pasta aguarda essas definições para dar andamento à regularização urbanística das terras da União. ;O projeto dessa gleba depende da questão do domínio das terras, se fica com a União, ou com o GDF, para que os projetos possam avançar. Antes de submeter à análise do Conplan, é preciso definir quem é o empreendedor;, explica.

Para que a regularização completa de Vicente Pires saia do papel, é preciso ainda evitar que, durante o processo de legalização, surjam novas invasões e parcelamentos irregulares. ;A lei determina que haja 10% da área desocupada para a instalação de equipamentos públicos. Hoje, esse percentual em Vicente Pires é de 11%, a margem é muito apertada, por isso o governo tem coibido novos parcelamentos, com operações para remover construções recentes;, explicou Luiz Otávio.

MP paralisada
Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a aprovação da Medida Provisória 759, mais conhecida como MP da Regularização. Em liminar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso, a pedido de parlamentares do PT, o trâmite do texto no Congresso foi questionado.

Para solucionar o problema, deputados federais que apoiam a medida marcaram para a próxima terça-feira uma nova votação do texto, para solucionar os questionamentos do STF. Até lá, só o texto original da MP, sem as emendas, está em vigor.