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Conheça onde mora o bebê raptado do Hran, o setor mais pobre da Estrutural

A história do bebê roubado no Hran, terça-feira, expôs a triste realidade do lugar onde mora a família dele. A Chácara Santa Luzia é o setor mais pobre da Estrutural, que surgiu de uma invasão de trabalhadores do lixão. Lá, três refeições diárias são um luxo

Grande parte da população soube da existência do lugar após o rapto do único filho de Jhony dos Santos Dias, 20 anos, e de Sara Maria da Cruz, 19. Reportagens, ilustradas com fotografias e vídeos, mostraram a pobreza da comunidade onde a família está há quatro dias, desde que Jhony Junior e a mãe tiveram alta do Hospital Regional da Asa Norte (Hran), onde a ex-estudante de enfermagem Gesianna, 25 anos, entrou e levou o menino, terça-feira. Policiais civis a prenderam 20 horas depois, em casa, com a criança.

Em meio ao esgoto na porta do barraco de 40 metros quadrados, o futuro que espera Jhony Junior se mistura ao de outras 10.899 crianças de até 14 anos da Estrutural. Meninos e meninas que convivem com a falta de saneamento básico, hospital, delegacia, postos de trabalho e opções de lazer. Realidade ainda mais dura para as moradoras do assentamento Santa Luzia, onde as famílias vivem em um quadro de completa exclusão, vulnerabilidade social e violência. Desempregada, a maioria sobrevive do que tira do lixo, o que, geralmente, rende menos do que um salário mínimo por mês (R$ 937). É o caso dos pais de Jhony Junior.

Com o pouco que tiram do vizinho Lixão da Estrutural, as famílias conseguem o básico para se manterem vivas. Em muitas residências, tomar café da manhã, almoçar e jantar são luxos. Carne é raridade. Quando muito, sobra dinheiro para o ovo. Quase ninguém tem geladeira.

Em Santa Luzia não existe pavimentação. As estreitas vias de terra são esburacadas. O lixo fica na porta das residências. Com o esgoto a céu aberto, moscas e ratos tomam conta dos lotes. A água tirada das cisternas serve para lavar louças, tomar banho e beber.

Estado ausente

Quinta-feira, no barraco de Naiara Feitosa da Silva, 27 anos, só tinha arroz e feijão na panela. Sem ter tomado café da manhã, a mãe de quatro filhos priorizou a refeição dos filhos. O mais velho tem 12 anos e o mais novo, 13 dias de vida. Para comprar uma cesta básica de R$ 300, ela e o marido dividem em duas vezes de R$ 150. Naiara trabalha no lixão. Mas, desde que o bebê nasceu, está de resguardo. O marido, também catador, ajuda, mas a renda caiu pela metade.

Do pouco que é ofertado pelo Estado à Estrutural, a família de Naiara só usufrui da educação: os três mais velhos estão na escola. Segundo a mãe, por falta de médicos na Unidade Básica de Saúde, a família se desloca ao Guará ou ao Plano Piloto, quando alguém adoece e quando há dinheiro para as passagens de ônibus.

Foi em um posto de saúde na W3 Sul, por exemplo, que Naiara fez o pré-natal da gestação. Já o parto aconteceu no Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib). Ela só conseguiu as roupas do filho porque pediu o enxoval a uma assistente social. ;Estudei até a 5; série. O que mais quero para meus filhos é que eles consigam terminar os estudos, porque, sem ele, a gente não é nada. Se eles se espelharem em mim, vão viver só do lixão, como eu;, lamenta a mulher.

A dona de casa Ana Paula da Conceição, 29 anos, interrompeu os estudos na antiga 3; série do ensino fundamental. Natural da Bahia, veio para o DF tentar uma vida melhor. Aqui se casou e teve três filhos: de 12, 11 e 3 anos. Todos moram em um barraco de três cômodos. Ana Paula está esperando a quarta criança, aos seis meses de gestação. Ela ainda não sabe o sexo do bebê nem tem enxoval. ;Só espero que os meus filhos sejam alguém na vida. E eles só vão conseguir isso estudando;, destaca. Ela também tira o sustento do lixão.

Na Estrutural há seis escolas, que ofertam ensino infantil, fundamental e Educação de Jovens e Adultos (EJA) para 5.838 alunos matriculados. Em uma delas estudam os dois filhos, de 9 e 8 anos, de Eunice Neta Araújo de Oliveira, 40. Os outros dois, de 5 e 3, estão em uma creche. A dona de casa tem, ainda, uma filha de 16 anos, que se casou e mudou para outro barraco, também na Estrutural, e tem um bebê de 1 ano. Eunice tira, a cada 15 dias, cerca de R$ 400 com o que recolhe e revende do lixão. ;Um dia falta uma coisinha, no outro dia, outra. Graças a Deus meus filhos não ficam muito doentes. Quando tem algum problema, preciso levar no hospital do Guará. Aqui não tem infraestrutura. O governo sempre promete tudo, mas não cumpre nada;, ressalta.

Baixa escolaridade

Assim como Eunice, Naiara e Ana Paula, 45,21% dos moradores da Estrutural têm o nível fundamental incompleto e só 16,60% conseguiram terminar o ensino médio. Apenas 1,53% tem nível superior. Os dados são da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) de 2015, divulgada em abril de 2016. A PDAD constatou ainda que 65,94% dos moradores não estudavam em 2015. De acordo com o levantamento, 7,76% da população era composta por crianças com menos de 6 anos.

A 16km da Esplanada dos Ministérios, 39.015 pessoas moram na Estrutural, sendo 1.694 delas só em Santa Luzia. A estimativa do Censo Demográfico é de 2010. Na época, havia 421 domicílios em Santa Luzia.

Além da pobreza, a violência na Estrutural deixa a população acuada. A região concentra 61% dos crimes contra a vida e 66% dos crimes contra o patrimônio no DF.

Saúde básica

A Estrutural tem só uma Unidade Básica de Saúde, que realiza, em média, 5 mil atendimentos por mês, segundo a Secretaria de Saúde. A pasta informou que a Estrutural conta com 89% de cobertura em Estratégia de Saúde da Família e é uma das maiores taxas do DF. ;Desse modo, a maioria dos pacientes procura seus núcleos de Saúde da Família, localizados estrategicamente nas quadras da cidade e, ainda, na Vila Olímpica. O Hospital Regional do Guará é a unidade-referência, em emergência, para pediatria e clínica médica e que também pertence à mesma Região de Saúde, a Centro-Sul.;