Jornal Correio Braziliense

Cidades

Lar para sempre: mais de 530 famílias brasilienses estão na fila de adoção

Projeto de Lei que tramita na Câmara dos Deputados determina prazos para o trâmite do processo, o que pode diminuir o tempo de espera





Após quatro anos de espera, a advogada Karina Berardo, 39 anos, ficou sem palavras ao receber, em 2012, uma ligação da Vara da Infância e da Juventude. A mulher andava de um lado para o outro na sala de estar, tentando recuperar o fôlego e encontrar as palavras certas. ;Temos interesse. Quando podemos nos encontrar para ter acesso à pasta dela?;, perguntou. Aquela ligação dava início a mais um capítulo da história da família Berardo. O tempo que Karina e o marido, Hugo Teles, 38, esperaram na fila para adoção, pode parecer grande, mas não foge da realidade das 538 famílias brasilienses que aguardam a ligação. Para diminuir esse tempo, o Projeto de Lei n; 5.850, de 2016, pretende colocar prazos nos trâmites da adoção. Mesmo aprovado pelas comissões responsáveis na Câmara dos Deputados, o texto ainda aguarda ser pautado para votação em Plenário. Na próxima quinta-feira é comemorado o Dia Internacional da Adoção e, com a visibilidade da data, os 39.447 inscritos no Cadastro Nacional de Adoção esperam que o PL passe por mais uma etapa rumo à aprovação.

O casal já tem um filho, João Berardo, 8, que chegou por meio da adoção direta, modalidade que acabou proibida após alteração na Lei de Adoção, em 2010. Depois de saber a história da futura filha por meio da pasta de registro, o primeiro encontro ocorreu no fim de janeiro daquele ano. ;No começo, ficamos nervosos. Ela tinha um ano de idade, então temíamos que não se acostumasse com a gente;. O primeiro encontro foi um sucesso, o casal voltou nos dias seguintes, levando João para conhecer a nova irmã. Em 15 de fevereiro, Camila Berardo foi para a casa da nova família. ;Ela chegou aqui no dia do aniversário do Hugo. Pai e mãe é uma relação de construção. Nós somos uma família. Ambos sabem que são adotados e, um dia, se quiserem conhecer os genitores, terão todo o apoio. Eu confio na relação que nós temos;, afirma Karina.

No DF, há cinco famílias na fila para cada criança a ser adotada. Desde 2010, foram 345 adoções, às mais diferentes constituições familiares. Casais heterossexuais, homoafetivos ou famílias monoparentais. Segundo Walter Gomes, supervisor da área de adoção da Vara da Infância e da Juventude do DF (VIJ), sexo, cor, classe financeira, orientação sexual nem estado civil podem impedir alguém de entrar na fila de adoção. ;Ao desejar adotar uma criança, a pessoa deve procurar a Vara da Infância e da Juventude, na 909 Norte, para dar início ao processo para conseguir o Certificado de Habilitação para Adotar;, explica.

O processo não é dos mais simples. Inclui entrega de documentação, avaliações psicológicas e entrevistas e pode levar anos. A ideia do PL 5.850/2016 de colocar prazos é vista com bons olhos pelo supervisor. ;As crianças e adolescentes só têm a ganhar, assim como os pais que estão na fila. Porém, se o projeto for aprovado, precisaremos ter mais recursos humanos dentro das Varas, para garantir que faremos o processo em menos tempo sem perder a qualidade entregue;, alerta.


Perfil


Parece contraditório existirem mais famílias interessadas em adotar do que crianças e adolescentes a serem adotados. Mas essa realidade tem um motivo. No Brasil, dos inscritos no Cadastro Nacional, apenas 49,9% aceitam adotar uma criança negra. Apenas 32,8% aceitariam levar irmãos para casa. E apenas 4% diriam sim a adotar uma criança com o vírus HIV. Nos abrigos brasilienses, o perfil mais comum é o de crianças acima de 12 anos. São 59, cerca de 38%, e, para elas, apenas 0,19% das famílias diria sim. ;Essa é uma das importâncias da aprovação da lei. Pois o quanto antes uma criança seja colocada na lista de adoção, mais nova ela estará, tendo mais chances de conseguir uma família substituta;, explica Walter Gomes.

O perfil de uma das filhas adotivas da empresária Vicky Tavares, 68, é um dos mais rejeitados. A adolescente, que hoje tem 13 anos, nasceu com HIV e, durante os primeiros anos de vida, lutou bravamente pela vida. Vicky é fundadora do Instituto Vida Positiva, que dá apoio a crianças com o vírus e acabou se apegando demais a uma das garotas. ;Ela chegou muito doente, teve pneumonia e ficou entre a vida e a morte. Eu que cuidei dela, dia e noite, e me lembro que fazia carinho na cabeça dela e dizia ;Se você sair dessa, eu vou te tirar daqui, você vai morar comigo e receber muito amor;, e ela melhorou;, conta a mãe.

A adoção ocorreu quando a menina tinha 5 anos e, logo depois, Vicky adotou também a irmã mais nova da garota. ;Eu tinha três filhos biológicos, mas elas me ensinaram um algo a mais. Só tinha filhos homens e, com elas, tenho uma relação de cumplicidade, somos muito próximas. E, sobre o vírus, é apenas um detalhe, ela me ajudou a crescer espiritualmente e nosso amor superou todas as dificuldades;, afirma.

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Amor sem preconceito


Nos últimos anos, 12 casais homoafetivos adotaram no DF. Número que, segundo Niva Campos, supervisora substituta da Seção de Colocação em Família Substituta da VIJ, ainda é pequeno. ;Acredito que, com a diminuição do preconceito, esse número só tende a crescer. A informação ajudará esses casais a adotarem mais, sem contar que os dados também não mostram que, entre os pais solteiros, muitos também são homossexuais;, explica.

Num dos formatos mais distintos de adoção, está a família do assistente social Célio Bentes, 32. Homens sozinhos são apenas 1,74% dos que adotam no DF. Além disso, ele acolheu dois irmãos, de 10 e 8 anos de idade. ;Eles foram abandonados pela família biológica e, ao serem levados para o abrigo, fugiam quase que diariamente, para voltarem às suas casas. Só que, ao chegarem lá, eram enxotados pela família, que os jogavam de volta na rua;, conta Célio.

A convivência entre os três começou em abril de 2015 e, sete meses depois, as duas crianças mudaram oficialmente para a casa do assistente social. À época, Célio se preparava para o dia em que teria que contar aos filhos sobre sua orientação sexual, mas não deixou de se surpreender na hora em que a conversa ocorreu. ;Eles ouviram um menino do abrigo me chamar de veado e perguntaram se eu era. Eu expliquei que a palavra veado é feia e que um nome mais correto era ;gay;. Expliquei para eles sobre quem eu era e amava e, no fim, o mais novo olhou para mim e disse ;Papai, você me aceitou do jeito que eu era, então eu também vou te aceitar do jeito que você é;;, relembra o novo papai.


* Estagiário sob supervisão de Mariana Niederauer