Jornal Correio Braziliense

Cidades

Baleia Azul evidencia descaso social com tecnologia e doenças psicológicas

Especialistas alertam para os riscos que os adolescentes correm ao serem influenciados por jogos na internet, com o da Baleia Azul



Os efeitos colaterais do mundo digital cada vez mais se tornam uma dor de cabeça para os pais e também professores diante de uma fase tão complicada, como a adolescência. Um game na internet, que propõe 50 desafios, sendo os mais drásticos a automutilação e o suicídio, evidenciou como a sociedade tem tratado com negligência o uso das tecnologias e a prevenção de doenças psicológicas. Jovens afetados pela depressão, segundo especialistas, são alvos de uma batalha em que eles se transformam na principal vítima.

O temor do Baleia Azul, como o desafio é conhecido, começa a preocupar autoridades do Distrito Federal ; na sexta-feira, policiais militares flagraram quatro adolescentes em situação de risco por causa do jogo (leia reportagem na página 23). O GDF começou a discutir com as secretarias de Educação, Saúde e Segurança e com a Polícia Civil como tratar a questão. Esta semana integrantes do governo debateram o tema, mas nenhuma medida efetiva foi divulgada. Preocupados, gestores de 50 escolas particulares conversaram sobre como conter a expansão do jogo.

[SAIBAMAIS]Há investigações em andamento em pelo menos nove estados e no DF. A Polícia Federal começou a apurar o caso na última semana. O caso de uma possível vítima, em Sobradinho 2, é investigado pela Polícia Civil, mas ainda não há confirmação da ligação do suicídio com o desafio.

Esta não é a primeira vez que jogos macabros assustam pais e professores (leia Expostos ao risco). ;O perigo se esconde naqueles que sofrem com transtornos, como a depressão e a baixa autoestima. Por isso, quando o adolescente chega para a mãe e diz ;sofri bullying; ou ;estou mal;, a mãe (e/ou o pai) não pode apenas remediar com ;isso passa;. É preciso uma cautela maior;, ressalta um dos diretores do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinepe), Clayton Braga.

Prevenção


A procura pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), grupo de apoio emocional e de prevenção ao suicídio, evidencia o alerta de perigo. O serviço recebeu 61% mais ligações: passou de 1.050, em março, para 1,7 mil em abril. Vale destacar que, em dezembro, período em que comumente o CVV é mais acionado, os atendimentos chegam a 1,5 mil. A entidade acredita que a combinação de fatores, como o game e a exibição da série 13 Reasons why (Os 13 Porquês, em português) ; a história narra os motivos pelos quais uma estudante diz ter sido levada a tirar a própria vida ;, pode ter aumentado a busca por ajuda no último mês.

Demonstrar interesse pela rotina, informações consumidas e comportamentos do filho no mundo virtual é, segundo psiquiatras e psicólogos, a mais importante medida para se evitar o envolvimento com conteúdos como o do Baleia Azul. Entretanto, há uma diferença entre ser cuidadoso e opressor. ;Estamos falando de construir uma relação de confiança e intimidade. A maioria dos pais tem um abismo no mundo digital e não se atenta para o fato de os filhos nasceram em um mundo informatizado;, avalia o professor de direito eletrônico e digital da Universidade de Brasília (UnB) e integrante da comissão de Tecnologia da Informação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Frank Ned.

O jovem não é tolo, mas, por estar em processo de preparo para a vida adulta, não percebe com clareza alguns riscos. Isso o coloca numa situação de vulnerabilidade. ;O curador do jogo constrói um referencial para ganhar uma confiança e criar uma relação. Isso lhe dá poder para ditar os comandos. A partir disso, ele começa a trabalhar ancorado no medo e na fragilidade da vítima;, explica Frank.

Três perguntas para

Frank Ned, professor de direito eletrônico e digital da UnB e integrante da comissão de Tecnologia da Informação da OAB

Como o jogo surgiu e o que pode acontecer com os moderadores?
Existem várias versões, por exemplo, de que começou na Rússia em 2015. A princípio, há a suspeita de que o jogo é um grande boato e que algumas pessoas se aproveitaram da repercussão para explorar isso. Quem está no papel de curador do desafio, independentemente de ser maior de idade, pode responder criminalmente com até pena de prisão.

Como os pais podem se precaver,
se a proibição não é o melhor caminho?

A melhor maneira de evitar transtornos são os pais participarem da vida digital dos filhos. O adolescente não tem maturidade de lidar com o que está acontecendo do outro lado da tela. Assim, se o adolescente usa o Facebook, o pai também passa a usar. Essa interação deve ser feita com confiança. Deve haver um monitoramento do comportamento e do tipo de conteúdo consumido pelos menores. Não sou a favor de ferramentas de monitoramento pela falta de privacidade. Devemos ter em mente que é uma relação de confiança, não de opressão. A melhor forma é mostrar interesse, pedir ajuda para manusear as plataformas. O maior erro é proibir. Essa geração já vive num mundo informatizado, o que é preciso ser feito é a educação para essa realidade.

A internet é um ambiente seguro?
Os pais têm a falsa sensação de que, se o filho está em casa usando a internet, ele está seguro. Já lidei com casos de crianças sendo assediadas dentro de casa, ao lado dos pais, no tablet, senodo que eles não sabiam. A internet é como uma rua com milhares de desconhecidos.


Alerta


Veja medidas de prevenção
; Orientar crianças e adolescentes sobre a existência do jogo
; Alertar sobre o risco de adicionarem e interagirem com estranhos em redes sociais
; Evitar o uso de internet à noite por crianças e adolescentes
; Estar atento a qualquer mudança de comportamento (insônia, falta de apetite, agressividade etc.)

Procure ajuda

O Centro de Valorização da Vida (CVV), instituição voltada ao apoio emocional, atende por meio de ligação telefônica para prevenção de suicídios pelo telefone 141 e também por e-mail, skype e chat, no
endereço www.cvv.org.br

Expostos ao risco

Um desafio que induzia a inalação de gás de cozinha ficou conhecido, em 2015, como Jogo da Fada. As crianças ; entre 5 e 8 anos ; são estimuladas a levantarem na madrugada, abrirem todas as bocas do fogão de gás e voltarem a dormir, depois de falarem palavras mágicas. O jogo promete que, pela manhã, elas terão se transformado em fadas. No ano passado, a morte de um adolescente paulista lançou luz sobre os jogos de desmaio. Estudantes se juntavam em banheiros, numa competição de quanto tempo eles aguentariam ficar sem respirar. Quem ficasse desacordado por último ganhava a competição.


O que diz a lei

O artigo 122 do Código Penal é claro ao tratar a indução, a instigação ou o auxílio ao suicídio. Segundo o texto, a pena é de reclusão, de 2 a 6 anos, se o suicídio for consumado; ou reclusão, de 1 a 3 anos, se, da tentativa de suicídio, resulta lesão corporal grave. Há casos em que a pena é duplicada, por exemplo, se o crime é praticado por motivo egoístico ou se a vítima é menor de 18 anos ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.