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Tristeza e revolta marcam despedida de mãe e filho mortos na L4 Sul

Ricardo e Cleuza morreram na noite de domingo. Eles seguiam em um Fiesta vermelho para casa depois de uma confraternização em família quando o veículo foi atingido na traseira pelo Jetta preto de Eraldo José Cavalcante Pereira

Ricardo e Cleuza morreram na noite de domingo. Eles seguiam em um Fiesta vermelho para casa depois de uma confraternização em família quando o veículo foi atingido na traseira pelo Jetta preto de Eraldo José Cavalcante Pereira, 34. A polícia investiga se ele participava de um racha com mais dois veículos, conduzidos pelo bombeiro Noé Albuquerque de Oliveira, 42, e pela irmã do sargento, Fabiana Albuquerque Oliveira, 37. Além de mãe e filho, estavam no Fiesta Oswaldo Clemente Cayres, 72, pai e marido das vítimas, e Helberton Silva Quintão, 37, cunhado de Ricardo.

Oswaldo recebeu alta do hospital na madrugada de segunda-feira. Com um trauma na coluna, escoriações pelo corpo e ferimentos na cabeça, nos olhos e no ombro, ele está na casa do filho Renato Clemente Cayres, 45.

Ricardo era o mais velho de quatro irmãos. As mais novas são gêmeas de 36 anos. Para Renato, a família não acredita na tese de acidente. ;A gente nunca imagina que vai acontecer com familiares tão próximos. Vemos impunidade quase toda hora. Infração de trânsito, alta velocidade, motoristas que bebem e dirigem, imprudência, mas nunca pensa nisso. Saindo da cerimônia de despedida, a gente fecha um cenário e continua acompanhando o outro;, destacou.

Agora, a família vai acompanhar de perto as investigações da 1; Delegacia de Polícia (Asa Sul). ;Temos todos os indícios de que eles (suspeitos do acidente) estavam em alta velocidade pelo tipo da batida, pela forma que ficou o carro e pelas vítimas que fizeram. Como acontece no Brasil, eles foram bem instruídos pelo advogado, que pede para um dizer que só tomou uma latinha, e o outro, para falar que não estava em alta velocidade;, lamentou Renato.
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No trabalho

A consternação também afetou o ambiente de trabalho de Ricardo Cayres. No primeiro dia útil após o acidente, o Departamento de Comunicação do Banco Central (BC) ficou marcado pelas lágrimas e pelo luto. Empregado terceirizado da autoridade monetária, ele era coordenador da equipe de designers gráficos. Ontem, a maioria dos servidores e funcionários estava vestida de preto e se emocionou quando passou pela cadeira vazia de Ricardo e pelo monitor desligado. Muitos preferiram sair mais tarde de casa porque não queriam se deparar com a ausência daquele que sempre tinha um sorriso no rosto.

[SAIBAMAIS]O amigo e colega de trabalho André Luiz Carvalho Nunes da Costa, 44, era chefe direto de Ricardo. Ele coordena a Identidade Visual do setor. André Luiz lembra de quando o conheceu, em 2012. Enquanto a maioria dos colegas adotou uma postura mais fria, pois todos gostavam da antiga coordenadora, Ricardo não mantinha distanciamento. ;Ele era mediador de conflitos, sempre apaziguador. Cumprimentava todos pessoalmente, tinha sempre um sorriso no rosto e sempre dizia: ;Tudo dará certo!’ Agora, temos um vazio completo e um ambiente carregado;, disse.

Segundo André Luiz, o luto terá de ser curto, pois Fabrícia, viúva de Ricardo, trabalha no mesmo local. ;Temos que nos preparar para recebê-la na próxima semana. Vamos acolhê-la e ajudá-la no que for necessário;, contou. ;Ninguém encontra uma explicação para uma tragédia como essa. Perdemos um grande amigo, que estava sempre disposto a ajudar qualquer pessoa que precisasse;, comentou.

A esperança dos servidores do BC, relatou André Luiz, é de que o caso de Ricardo sirva de exemplo para que motoristas tenham mais responsabilidade. ;Perdemos um grande amigo e teremos de conviver com a sua ausência, mas torcemos para que ele não seja apenas mais uma vítima. Esperamos uma investigação rigorosa e punição aos responsáveis;, cobrou.

A tristeza também é compartilhada pelo diretor de Relacionamento Institucional e Cidadania do Banco Central, Isac Sidney Menezes Ferreira. ;Estamos consternados. Pude acompanhar alguns de seus trabalhos. Era um colega de grande valor pessoal e profissional. Infelizmente, perdemo-nos de forma trágica nesse terrível acidente;, concluiu.

Depoimentos

;Não vão virar estatística;

;Agora, depois de todas as providências tomadas, eu junto os meus pedacinhos para comunicar que, sim, eram o meu marido e a minha sogra naquele carro que foi atingido por um outro carro que estava participando de um racha, de acordo com as testemunhas. Não vou dizer o tamanho da minha dor, porque nem eu mesma sei. Estou sem chão, sem ar para respirar, sem forças sequer para abraçar as dezenas de amigos que fazem de tudo para me sustentar em pé. Levei 38 anos da minha vida esperando o meu Ri (Ricardo). Ele foi preparado para mim. Vivi com ele uma breve história de 10 anos. Em questão de minutos, ele foi tirado de mim. Mas ele não era um qualquer. Ele e minha sogra não vão virar estatística. Vou fazer o que estiver ao meu alcance para que esses assassinos tenham a pena que merecem. Vocês me ajudam?;

;São monstros;

;Ver o carro que a gente usava para ir ao trabalho, para dar carona a pessoas queridas, para ir à casa dos nossos amados, para transportar nossos cachorros... Ver esse carro destruído é como ver meu coração destroçado nesse asfalto. Não são advogado e bombeiro. Até os depoimentos de ontem (segunda-feira), eu achava que eram pessoas que cometeram um erro. Agora sei que são monstros. Eraldo e Noé, olhem-se no espelho e vejam a monstruosidade do que vive dentro de vocês. Nada nesse mundo vai trazer meu marido e minha sogra de volta, mas vou fazer o impossível para que vocês nunca mais machuquem ninguém. São três assassinatos na conta de vocês. Vocês me mataram também.;

;Temos todos os indícios de que eles (suspeitos do acidente) estavam em alta velocidade pelo tipo da batida, pela forma que ficou o carro e pelas vítimas que fizeram;
Renato Clemente Cayres, irmão de Ricardo

Entenda o caso

Colisão após festa em barco

O acidente que matou mãe e filho aconteceu por volta das 19h30, na L4 Sul, próximo à Ponte das Garças. O Fiesta vermelho da família foi atingido por um dos carros dos suspeitos de participar de um possível racha. O veículo, um Jetta preto, era conduzido pelo advogado Eraldo José Cavalcante Pereira, 34 anos. Outros dois automóveis se envolveram na ocorrência: um Range Rover Evoque, guiado pelo sargento dos bombeiros Noé Albuquerque Oliveira, 42, e um Cruze prata, dirigido por Fabiana de Albuquerque Oliveira, 37. Fabiana e Noé são irmãos, e Eraldo, cunhado dos dois.

Após ser atingido, o Fiesta saiu da pista, bateu em uma árvore e capotou. Com o impacto, Cleuza Maria Cayres, 69, e o filho Ricardo Clemente Cayres, 46, que estavam no banco traseiro do veículo, morreram na hora. Oswaldo Clemente Cayres, 72, pai e marido das vítimas, e o motorista Helberton Silva Quintão, 37, cunhado de Ricardo, foram socorridos e levados ao Hospital de Base do DF sem gravidade.

A família havia saído de um churrasco na casa do irmão de Ricardo, no condomínio Ville de Montagne, no Lago Sul, e seguia para o Guará. Ricardo deixaria os pais em casa, na companhia do cunhado, e retornaria para o endereço da festa para buscar a mulher, Fabrícia de Oliveira Gouveia, 48.

Os suspeitos de terem causado o acidente seguiam para Águas Claras após participarem de uma festa em comemoração ao aniversário de Fabiana, em uma lancha, no Lago Paranoá. A Polícia Civil investiga se o trio estava sob efeito de bebidas alcoólicas.