Cidades

Adeptos do Tai Chi Chuan em Brasília comemoram o dia mundial a arte milenar

Principal representante do tai chi chuan na capital, o grão-mestre Moo Shong Woo celebrou com os seus discípulos o dia mundial da arte milenar. De jeito suave e, ao mesmo tempo, forte, ensina os benefícios da prática e convida a todos para uma experiência única

Luiz Calcagno
postado em 30/04/2017 07:15

O mestre Woo pode ser sempre visto na Praça da Harmonia Universal, na 104/105 Norte, ensinando tai chi para quem quiser chegar

O grão-mestre e médico Moo Shong Woo usa como metáfora o embate entre toureiro e touro para falar sobre o tai chi chuan. O primeiro, de pé, observa o animal pacificamente e desvia, com tranquilidade, das investidas. O segundo, furioso, bufa, ameça, projeta-se para frente e tensiona os músculos do corpo para intimidar e destruir o adversário. Longe de fazer apologia ao polêmico espetáculo espanhol, o praticante de artes marciais se refere, na verdade, à posse das próprias emoções, ao autoconhecimento e à tranquilidade para lidar com adversidades e para se relacionar consigo mesmo e com o mundo.

Mestre Woo explica que o artista marcial tem habilidade para um combate físico, mas está voltado para a ;fraternidade, a saúde e a paz;. E, se puder escolher, preferirá acariciar o bovino furioso e acalmá-lo, em vez de eliminá-lo. A reportagem do Correio acompanhou a aula do mestre e aprendeu movimentos e a se conhecer melhor (leia Eu repórter).


A explicação vem em decorrência do 19; Dia Mundial do Tai Chi Chuan e Chikung (veja Para saber mais), comemorado ontem em 80 países, e é bem-vinda em um cenário de crise nacional e mundial, com adversários excessivamente polarizados e discussões inflamadas. Em Brasília, a celebração ocorreu na Praça da Harmonia Universal, na 104/105 Norte. Aos 86 anos, o mestre Woo, como é carinhosamente chamado, fala de assuntos profundos com leveza. Sabe ser, ao mesmo tempo, doce e firme na voz e nos ensinamentos. Caminha sob o peso da idade avançada, mas revela um tônus de imponência e uma postura impecável ao se apresentar diante dos alunos, cumprimentá-los e dar início ao treino ; que ocorre todos os dias, desde 1974, aberto a quem quiser participar.


Com um forte sotaque mandarim que não nega suas origens taiwanesas, mestre Woo explica que o tai chi chuan previne doenças, ajuda a curar enfermidades e torna o praticante apto a se defender. ;A pessoa internaliza os movimentos, e os reflexos são espontâneos. No trânsito, a pessoa pode evitar um acidente. Vai reagir corretamente. Isso é um tesouro milenar. É importante cultivar o corpo, a mente e o espírito juntos. Estamos falando de uma arte que não é pensada para a briga, mas para unir as pessoas, reforçar o senso de comunidade, de paz, de fraternidade. Aqui (na praça), as pessoas treinam juntas há anos. Cultivam horta comunitária. Isso é união.;


[SAIBAMAIS]A reportagem do Correio acompanhou um dos treinos do grupo e chegou a fazer uma aula particular. Alunos seguiam os movimentos do professor na quadra de esportes da praça. Entre os praticantes, pessoas de várias idades e locais do DF. O grupo medita, ora, nos fins de semana, assiste a palestras e promove encontros comunitários. ;Começamos a aula focados no nosso interior, para adquirir calma, tranquilidade e paz. Só depois da meditação vem o movimento. É preciso praticar, meditar, estudar, só fazer o movimento não adianta. Mas, se a pessoa persiste, quando encontra o seu touro, poderá reconhecê-lo. Fica cheia de paz, de alegria e de esperança;, afirma.

Mudanças nada radicais

As aulas do mestre mudaram a vida de diversas pessoas. Entre elas, a do professor de tai chi, jornalista e psicanalista Antônio Roberto Prates de Amorim, 69, que entrou para a prática há cerca de 10 anos, após sofrer uma ameaça de infarto. ;Eu já tinha feito algumas aulas antes. Gosto da filosofia oriental. Mas, depois desse episódio, comecei a praticar regularmente. Ao menos três vezes por semana. Para Amorim, os benefícios são sentidos rapidamente. ;A vida fica mais simples. Eu me tornei uma pessoa mais despojada, passei a valorizar mais o cuidado com o corpo e com os afetos, a valorizar coisas diferentes. Isso tudo me trouxe riqueza existencial;, declara.


Victor Jimenez, 64, começou a praticar tai chi chuan há seis meses. Para ele, a arte marcial é um complemento importante no tratamento de Parkinson. Tem ajudado a melhorar o equilíbrio e a postura. ;Depois que soube que estava com a doença, comecei a pesquisar, para saber como manter minha qualidade de vida. Foi quando soube que o tai chi tem eficácia comprovada e potencializa o tratamento. E a prática mudou minha forma de ver a vida. É um tratamento completo, da mente, do espírito e do corpo, típico da medicina tradicional chinesa. Hoje, vejo o mundo com mais humildade e compaixão. Trabalho mais com a comunidade, e minha qualidade de vida melhorou bastante.;


Nádia Paranaíba se mudou para a 105 Norte para ficar mais próxima do treino. Ela frequenta a praça há mais de 10 anos. ;Passei a me conhecer melhor e, com isso, eu me abri mais para as pessoas. Pratico tai chi, estudo, medito, mesmo sozinha. Aprendi que compartilhar é muito importante e, aos poucos, isso se exprime mais e mais na minha vida. Se antes eu tinha minhas plantas no meu apartamento, hoje ainda cuido delas, mas também tenho outras plantadas na quadra. E tenho amigos que cuidam dela assim como eu cuido das que eles plantaram.;

O mestre viajante

Moo Shong Woo nasceu em 3 de março de 1932, em Chiayi, Taiwan, onde aprendeu medicina chinesa e tai chi chuan. Insatisfeito com uma ditadura, o então jovem mestre deixou a terra natal nos anos 1950. Foi estudar medicina nos Estados Unidos. Em seguida, voltou para Taiwan e, pouco depois, em 1961, chegou ao Brasil. Foi primeiro para São Paulo. Viveu também em Minas Gerais. Mudou-se para Brasília em 1968. Morou primeiro em Taguatinga e deu aulas de inglês, chinês e japonês. Também foi o primeiro professor dos dois idiomas orientais no Instituto Rio Branco. Em 1974, mudou-se para a 105 Norte, onde reside até hoje.

Para saber mais

Comemoração internacional

A comemoração do Dia Mundial do Tai Chi Chuan e Chikung começou na Nova Zelândia e termina hoje, no Havaí, por conta da diferença de fuso horário entre as localidades. A meta era unir praticantes de vários lugares do mundo para enviar boas vibrações para o planeta. A primeira edição da comemoração ocorreu em 24 de abril de 1999. Em Brasília, as comemorações tiveram início às 7h30 de ontem, na Praça da Harmonia Universal, 104/105 Norte. Bem como no resto do mundo, praticantes, simpatizantes curiosos executaram as práticas dos 13 e dos 24 movimentos do tai chi.

Eu, repórter (Luiz Calcagno)

;Já pratiquei kung fu, mas nunca levei muito jeito para artes marciais. Embora admire e tenha lido um pouco sobre filosofia oriental ; o Dhammapada, um curto livro de máximas que teria sido escrito pelo próprio Buda, para ser mais preciso ;, nunca me arrisquei nos caminhos do tai chi. Tive, no entanto, o privilégio de fazer uma aula particular de alguns minutos com o grão-mestre Moo Shong Woo. Com um jeito ao mesmo tempo doce e enérgico, ele me ensinou algumas posturas e me mostrou que pouco sei sobre o exercício fluido e pacificador. Ele me chamou a atenção para detalhes, como a posição da língua durante os movimentos e como devo pensar menos na hora de segui-los.


A principal lição que tirei foi justamente sobre a necessidade de me conectar melhor comigo e com o mundo. O intenso fluxo de pensamentos que nos assalta dia a dia parece nada ter a ver com o pensar em si. À medida que tomamos consciência da nossa respiração, dos nossos movimentos e do ambiente que nos cerca, sem pressa, conseguimos ver essa torrente de ideias, lembranças e opiniões como algo quase externo, como se observássemos um rio, sem nos identificarmos necessariamente com nada que passe por ele. Nesse momento, reconhecemos a nós mesmos e temos a capacidade de lidar com o próximo e com a realidade de modo genuíno, em posse de nós mesmos.;

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