O jornalismo, muitas vezes, é o porta-voz dos fiascos. Ajuda a dar a dimensão do quanto políticas públicas ineficientes podem trazer imenso sofrimento ao povo, monumentais prejuízos à nação e uma desesperança generalizada em relação ao futuro de uma cidade e, em menor escala, até de uma família. A máquina governamental é grande, pesada, emperrada e ineficiente. Mesmo quando funciona, tem a agilidade de uma tartaruga e, muitas vezes, precisa de um empurrãozinho. Os melhores exemplos de boas iniciativas em prol do bem público vêm de parcerias do governo, que detém o dinheiro dos nossos impostos, com pessoas, que, por uma ou outra razão, estão imbuídas de uma causa. Em Brasília, não há outro exemplo tão bem-sucedido quanto o Hospital da Criança.
Quero falar sobre esse projeto. Se você não foi lá, vá. Conheça a essência de um trabalho comprometido de pessoas que não têm pretensão de obter ganhos materiais. São mais de 30 anos de batalhas voluntárias contra o câncer infantil, que resultaram na Abrace, instituição filantrópica que acolhe crianças com a doença e suas famílias, e que foi criada por Ilda Peliz, depois de perder a filha em decorrência da doença. Da experiência dela, nasceu o intuito de ajudar em larga escala, compartilhado por médicos dedicados de Brasília. A Abrace arrebanhou apoios para construir e doar ao GDF um hospital direcionado aos cuidados infantis. O governo do DF, na época, ouviu esse clamor, doou o terreno, compreendeu que deveria investir no projeto.
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Agora, há questionamentos em série sobre a forma de doação do terreno e as regras de gestão. O Hospital da Criança está na mira do Ministério Público. Assim como os seus gestores, que estão sob o fogo cruzado e prestes a desistir de um projeto extremamente bem-sucedido, que aumentou, de 40% para mais de 70%, as chances de uma criança sobreviver ao câncer.
[SAIBAMAIS]Não vou entrar no mérito das ações propriamente ditas nem na análise da forma como se concretizou a parceria para montá-lo. O Ministério Público do DF sempre cumpriu muito bem seu papel de fiscalizar. Se aponta incorreções, é preciso que sejam corrigidas de alguma forma. Dificilmente, pela inépcia do Estado e descontinuidade das políticas públicas de um mandato ao outro, projetos e obras ficam à prova de retificação ou de contestação. Porém, é preciso que se chegue a uma solução, preservando a obra e os seus idealizadores e gestores. Três deles ; Isis Magalhães, Ilda Peliz e Newton Alarcão ; conversaram comigo, Ana Maria Campos e Renata Rusky, por mais de duas horas, na última quinta-feira. Convido vocês a lerem a entrevista publicada hoje na editoria de Cidades. É importante darmos mais atenção ao que está acontecendo ao nosso redor.
O Hospital da Criança é um case de sucesso. As pessoas que o idealizaram e o concretizaram depositaram sua energia, seu trabalho e seus sonhos de tratar crianças que teriam poucas chances de atenção num hospital qualquer da rede pública. Torná-los alvos de interesses corporativos, de qualquer lobby, a despeito de possíveis defeitos jurídicos que possam existir nesse processo, é um absurdo. É preciso que se observem os vícios, mas, antes deles, os méritos. Ou, em vez de corrigir os erros, estaremos endossando mais um, ainda pior: o fim do melhor exemplo de saúde pública no âmbito do DF. Salvem o Hospital da Criança!