Para usar recursos da Agência de Desenvolvimento de Brasília (Terracap) na construção do Estádio Nacional Mané Garrincha, o governo de Agnelo Queiroz (PT) teve que mudar a legislação, trocar os integrantes do Conselho de Administração da empresa e enfrentar uma guerra política por poder entre os representantes do segmento de obras. Um levantamento técnico realizado pela companhia indica que a movimentação acarretou perdas de R$ 1,3 bilhão à estatal. Esse investimento bilionário, que trombou com o estatuto social original da Terracap, ocorreu sem um estudo de viabilidade econômica.
O levantamento da Terracap, denominado tecnicamente como ;imparidade;, estima, a partir de um modelo econômico, a lucratividade de um empreendimento no seu período de vida útil. O teste, realizado em 2016, foi uma determinação de auditorias independentes com a ressalva de que, entre 2012 e 2014, no auge da construção do estádio, nenhum estudo financeiro foi realizado pela Terracap que comprovasse a lucratividade do investimento.
Os dados serão apresentados hoje, durante reunião do Conselho de Administração da agência. A expectativa é de que os debates se estendam até a quinta-feira, já que é grande o volume de informação a ser analisada.
[SAIBAMAIS]Se aprovado pelos nove conselheiros ; quatro indicados pela União e cinco pelo GDF ;, o balanço patrimonial vai reforçar as investigações relativas à transferência de recursos da Terracap para a construção do estádio, em andamento no Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT), com a possível responsabilização de ex-gestores. Além dos procedimentos em andamento na Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e Social, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do MPDFT (Gaeco) apura possíveis irregularidades nas obras do estádio, construído para abrigar até 70 mil pessoas.
Acordo
As tratativas que permitiram a Terracap fazer investimentos para a construção do estádio começaram em 2009, quando houve a assinatura de um convênio. O acordo garantiu que a empresa repassasse recursos à Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), que ficaria responsável pelas contratações e licitações. Na época, o MPDFT questionou os repasses de recursos e recomendou que o Conselho de Administração da Terracap suspendesse os pagamentos destinados à obra do Mané Garrincha.
O Ministério Público considerou a negociata irregular, já que não havia, à época, previsão legal para que a companhia investisse recursos em um empreendimento como o estádio. Os promotores entenderam que a obra do Mané Garrincha não era condizente com a missão institucional da Terracap. O órgão que administra todas as terras públicas do DF deveria, segundo o MP, aplicar recursos em infraestrutura urbana e no sistema viário. O Ministério Público também cobrou uma anuência prévia do Conselho de Administração da empresa, antes dos pagamentos, o que não havia ocorrido. Diante das cobranças, a companhia paralisou os pagamentos.
Como só havia um aval da diretoria colegiada, seria preciso buscar autorização do conselho da companhia para levar adiante os planos de liberar a Terracap para investir no estádio. Pouco depois de assumir o cargo, em fevereiro de 2011, o então governador Agnelo Queiroz submeteu o tema ao colegiado, que rejeitou a proposta de autorizar os repasses à Novacap.
Meses depois, houve um novo encontro do Conselho de Administração e os integrantes novamente derrubaram a iniciativa. Antes de fazer uma terceira reunião, o GDF trocou os representantes do Palácio do Buriti no colegiado e conseguiu aprovar as regras, permitindo à Terracap atuar na reconstrução do Mané Garrincha.
Paralelamente, Agnelo enviou à Câmara Legislativa projeto de lei alterando o estatuto social da Agência de Desenvolvimento de Brasília. A proposta dava superpoderes à companhia, acabando com as restrições de atuação. O texto gerou uma briga política dentro do governo, já que a área de obras era comandada pelo então vice-governador, Tadeu Filippelli (PMDB).
Poder
Durante a votação, peemedebistas tentaram impedir a aprovação do projeto, entre eles, o então secretário de Obras, Luiz Pitiman, e o distrital Rôney Nemer, que apresentou emendas tentando limitar os superpoderes da Terracap. Deputados de oposição também defenderam que a empresa submetesse à Câmara, para aprovação prévia, todas as propostas de parcerias público-privadas, especialmente aquelas envolvendo o Mané Garrincha. Apesar da pressão do PMDB, o projeto de lei do Executivo foi aprovado.
Por conta das mudanças de regras da Terracap, Luiz Pitiman deixou a Secretaria de Obras e partiu para a oposição a Agnelo. Com a aprovação do projeto de lei, além de gerir todo o patrimônio imobiliário do DF, a Terracap passou a ter o aval para investir em outros grandes empreendimentos. Como a lei foi aprovada às pressas, não houve tempo para desmembrar a matrícula do registro em cartório do terreno do estádio. Com isso, o GDF repassou toda a gleba do complexo esportivo, o que inclui também o ginásio Nilson Nelson e as piscinas do espaço Cláudio Coutinho.
O último balanço patrimonial da Terracap, já aprovado pela diretoria colegiada e em debate no Conselho de Administração, indica que, entre 2010 e 2014, a empresa repassou R$ 1,575 bilhão à Novacap para as obras do estádio. O Mané Garrincha só tem potencial de gerar R$ 171 milhões de retorno financeiro, durante toda sua vida útil, de acordo com estudos da companhia. Os mesmos levantamentos indicam que já houve depreciação de R$ 80 milhões no valor estimado da arena. Com isso, é possível chegar a um prejuízo patrimonial de mais de R$ 1,3 bilhão para a empresa.
Em entrevista ao Correio, o ex-governador Agnelo Queiroz rechaçou os dados levantados pela atual diretoria. Segundo ele, como a Terracap incorporou aos seus bens toda a área do complexo esportivo, o patrimônio da empresa cresceu. ;O GDF repassou à Terracap toda a gleba onde estão o estádio, o ginásio, o complexo aquático e o autódromo. Uma área gigantesca na área central da cidade, um patrimônio de valor incalculável;, comentou Agnelo.
Os conselheiros
Confira os integrantes do Conselho de Administração da Terracap
Representantes do GDF
; Júlio César Reis, presidente da Terracap
; Arthur Bernardes, secretário de Justiça e Cidadania
; Sérgio Sampaio, secretário-chefe da Casa Civil
; Thiago de Andrade, secretário de Gestão do Território
; Marcos Dantas, secretário das Cidades
Representantes da União
; Guilherme Estrada Rodrigues, secretário de Patrimônio da União
; Fabrício Moura Moreira, subsecretário adjunto de Planejamento, Orçamento e Administração do Ministério da Fazenda
; Marcos Adolfo Ferrari, secretário de Planejamento e Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão
; Francisco Bruno Neto, advogado