Em um ambiente pequeno e simples, nasceu um projeto grande e poderoso. A 15km do centro de Brasília, o Valfenda, na Cidade Estrutural, abre espaço para mulheres da comunidade carente descobrirem as possibilidades que uma linha e uma agulha podem trazer. O silêncio é interrompido pelo barulho das máquinas de costura, dos cortes da tesoura, das mãos inquietas, das conversas e dos sorrisos. Mesmo quem chegou ali interessada apenas na aula de maquiagem profissional passou a fazer parte da oficina e hoje deseja confeccionar a própria roupa, a dos amigos, dos filhos, dos netos ou de quem precisar. O propósito do programa é empoderar e valorizar as mulheres da região, que apresenta a menor renda do Distrito Federal. Criado pela gestora em saúde pública Isabelle Esmeraldo, o projeto foi lançado no mês passado, durante as celebrações pelo Dia Internacional da Mulher, e oferece às 14 participantes uma chance de mudança.
A ideia de trabalhar em algo voltado especialmente para mulheres sempre aparecia nos pensamentos da coordenadora. Com o intuito de juntar duas paixões ; a vontade de ajudar o próximo e a moda ;, Isabelle começou a dar forma ao Projeto Valfenda. Após conseguir o financiamento do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), da Secretaria de Cultura do DF, ela teve a certeza de que o sonho seria realizado. A escolha do nome é uma referência a um dos filmes favoritos da idealizadora: Senhor dos Anéis. ;Valfenda é onde os elfos moram. Eles são conhecidos pela delicadeza que têm para trabalhos manuais. É onde a mágica acontece, como nas oficinas ; um ambiente para elas desenvolverem a criatividade e potencializarem o talento elas já têm.;
As oficinas têm duração de oito semanas e estão previstas para acabar em 28 de abril. A participação é totalmente gratuita. ;O ateliê vai para outras cidades, não vai ficar apenas aqui, na Estrutural. Eu vou inscrever o projeto novamente no FAC, mas, com apoio ou não, tentarei conseguir patrocínio para que a oficina continue mudando a vida das mulheres. E também trabalhar com mulheres em outros cenários. Aqui, são mulheres de comunidade carente, mas há também quem não se encontre nessa situação e a oficina tem servido como terapia;, comenta Isabelle.
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Com os cabelos entrançados e batom rosa nos lábios que destacam o sorriso, Azinete Neves Alves, 52 anos, termina de costurar uma flor que aprendeu com a professora de customização. ;Eu estava em um ciclo vicioso. Sofri uma depressão um tempo atrás e, então, fiquei mais vulnerável. Só queria saber se dormir. Agora, eu me sinto motivada, acordo cedo e tenho para onde ir. Aqui, está servindo como uma medicação para mim. Eu me sinto feliz.;
A mulher, que se formou em pedagogia na Universidade de Brasília (UnB), explica que os conhecimentos adquiridos a ajudarão na profissão e também servirão como uma fonte de renda extra. ;A minha formatura e esse curso estão só agregando. Eu cuidava do meu neto para a minha filha. Mas, aí, resolvi tirar essas amarras e, agora, estou fazendo por mim. Você tem que se colocar no lugar do outro, mas a partir do momento em que você vive o outro, a sua vida fica para trás;, filosofa.
Diante do brilho diferente no olhar dessas mulheres, Isabelle decidiu criar uma campanha para arrecadar máquinas de costura para as participantes. ;As oficinas têm dado as ferramentas e o ambiente para elas aprenderem. Elas, por sua vez, têm o desejo de continuar. Falam em começar a trabalhar.; A gestora não esconde a felicidade em ver a mudança ocasionadas pelo projeto na vida das alunas. ;Meu maior interesse é a mudança de mentes, porque, muitas vezes, a questão da miséria não está relacionada ao ambiente onde a pessoa vive e, sim, à cabeça. Quero que elas entendam que não são pessoas miseráveis por morarem na Estrutural. Quero vê-las sonhando, planejando, idealizando, criando e se amando.;
Outra razão importante que a coordenadora levou em consideração é o fato de muitas das mulheres da região terem filhos. ;Entre as alunas, há uma menina de 19 anos que tem dois filhos. Não queria que isso fosse um impedimento. Então, combinei com uma pessoa para vir olhar as crianças enquanto as mães estão nas aulas, para, assim, elas se sentirem confortáveis de estar aqui.;
Em um canto da sala, concentrada, encontra-se Maria Raimunda Sousa, 48. Ela trabalha na Fábrica Social, onde começou a mexer com produção de roupas. ;O curso me ajudou muito, já que estão chamando algumas costureiras para mudarem de cargo. Estou me dedicando porque quero ser chamada também.; A mulher, pequena de estatura, mas com um coração enorme, confessa um dos principais motivos para querer aprender a costurar. ;Aqui na comunidade, tem muito pessoas humildes. Quero ajudar do mesmo modo que fui ajudada com o projeto.;
Para fechar o processo de valorização dessas mulheres, o encerramento do projeto será com um desfile de moda. Todas as participantes desfilarão a coleção que elas mesmas desenvolveram durante as oficinas. O evento ainda não tem data nem local definidos, mas carrega o orgulho das novas costureiras em mostrarem as peças.
Projetos
Para concorrer ao FAC, é necessário ter o Cadastro de Ente e Agente Cultural (Ceac), que pode ser solicitado por pessoas físicas ou jurídicas. Os documentos necessários e o formulário de solicitação estão disponíveis no site da Secretaria de Cultura. O interessado deve morar no DF há pelo menos dois anos e comprovar atividade artística ou cultural por meio de portfólio contendo fôlderes, matérias de jornal, entre outros. Cabe ao Conselho de Cultura do DF a análise e a decisão quanto à emissão do Ceac.
Quer ajudar?
As pessoas interessadas em apoiar o Projeto Valfenda devem entrar em contato com Isabelle Esmeraldo: (61) 99820-0358 ou Roberta Pinheiro: (61) 99958-2712