O debate sobre o corte dos supersalários vai parar na Justiça. Há maioria na Câmara Legislativa para aprovar a proposta de emenda à Lei Orgânica que permite a aplicação do teto constitucional na remuneração dos funcionários de estatais, mas sindicatos prometem recorrer ao Judiciário contra a medida. Eles alegam que os servidores de sociedades de economia mista têm regime jurídico diferenciado, com contratação pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), e que, portanto, não se submetem às mesmas regras da administração direta. O governo alega que o corte dos supersalários é indispensável e não descarta a diminuição das tarifas de água e luz após redução dos vencimentos nessas companhias.
Ontem, o secretário-chefe da Casa Civil, Sérgio Sampaio, deu detalhes sobre a proposta enviada ontem o Legislativo local. Para ele, ;não é razoável que haja essas disparidades salariais em um momento de crise;. Ele afirmou que os conselhos de administração de empresas como a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) e a Companhia Energética de Brasília (CEB) podem avaliar a melhor forma de usar os recursos economizados após o corte dos supersalários. ;Isso pode dar margem para onerar menos a sociedade;, garantiu Sampaio.
O governo quer alterar o artigo 19 da Lei Orgânica do Distrito Federal. Esse dispositivo estabelece que o teto constitucional é aplicado a empregados de ;empresas públicas e de sociedades de economia mista que receberem recursos do Distrito Federal para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral;. Como essas estatais pagam salários com recursos próprios, arrecadados com taxas e tarifas públicas, criou-se uma brecha para desrespeito ao limite definido pela Constituição. O projeto do GDF muda esse artigo, permitindo a aplicação do abate-teto na folha de pagamento de funcionários tanto das empresas que recebem dinheiro do governo para pagar a folha quanto das estatais que usam recursos próprios.
O advogado especializado em direito do servidor Rudi Cassel avalia que há margem para contestações judiciais. ;Se o pagamento desses salários é imoral, essa é outra discussão. Mas, certamente, não é inconstitucional. Empresas públicas de sociedade mista não estão submetidas ao teto. O inciso 11 do artigo 37 da Constituição prevê que o limite só vale para servidores da administração direta, autárquica e fundacional;, reforça o especialista.
Cautela
O tema é controverso. Deputados distritais receberam decisões do Supremo Tribunal Federal determinando que os empregados de sociedade de economia mista e de empresa pública estejam sujeitos ao teto remuneratório. O presidente da Câmara, Joe Valle (PDT), defende a medida. ;Estamos vivendo um momento de crise. Então, todos têm de dar uma contribuição. Os supersalários estão fora da média e da razoabilidade;, afirma.
O distrital Ricardo Vale defende que é preciso discutir o tema com cuidado. ;Temos de ser cautelosos. Pelas primeiras conversas que tivemos com os trabalhadores, percebemos que os salários foram conquistados de forma legal. Fica parecendo, da forma como está sendo colocado, que eles cometeram um crime. Isso não podemos aceitar;, ponderou.
O diretor do Sindicato dos Servidores da Caesb (Sindágua) Henrique Mendonça de Faria garantiu que a entidade recorrerá à Justiça caso o projeto do Executivo local seja aprovado pela Câmara. ;Vamos questionar a constitucionalidade dessa proposta, que, para a gente, não passa de uma tentativa do governador de melhorar a própria imagem;, argumenta Henrique. ;Pode até ser um discurso bonito, mas não é válido aplicar as regras da administração direta para as estatais. O regime é diferente, essa medida não tem amparo legal;, acrescenta.