Cidades

Atleta com surdez tenta arrecadar dinheiro para ir a Surdolimpíadas

O brasiliense está classificado para os 200 e os 400 metros rasos e mesmo sem recursos para a viagem, ele intensificou os treinos

Marlene Gomes - Especial para o Correio
postado em 16/02/2017 06:00

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No ano passado, enquanto os atletas brasileiros lutavam por medalhas nas Olimpíadas do Rio, Lucas Nunes Mendes acompanhava as competições pela tevê, resignado. E sonhava. O jovem, que nasceu surdo, imaginava-se subindo no pódio sob aplausos de todo o estádio. Agora, terá a oportunidade de viver o sonho olímpico. O atleta brasiliense garantiu a vaga na equipe de atletismo que vai representar o Brasil na Surdolimpíada (Deaflympics 2017), marcada para julho na Turquia. Mas Lucas corre contra o tempo. E não atrás de recordes do atletismo. Ele precisa garantir um lugar na delegação brasileira. Sem patrocinador e com a família sem condições de arcar com os custos da viagem, Lucas faz o que pode para conseguir o dinheiro que vai lhe garantir um lugar na maior competição internacional exclusiva para atletas surdos.

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O brasiliense está classificado para os 200 e os 400 metros rasos. Mesmo sem recursos para a viagem, Lucas intensificou os treinos, realizados diariamente sob a supervisão do técnico Gilvan Ferreira dos Santos. Nada consegue desanimar o jovem, considerado um lutador pelo técnico e amigos. Lucas reside no Itapoã com a família, a mãe, Cledina, que é diarista, e o padrasto, Edvar, desempregado. O irmão, João Henrique, 12, também treina na equipe do Centro de Atletismo de Sobradinho (Caso). É ele quem lidera a torcida para que o atleta possa participar da competição na Turquia.

Lucas se esforça como pode para sensibilizar amigos e desconhecidos, por meio das redes sociais. ;Estou tentando conseguir dinheiro por meio de uma vaquinha que está nas redes, mas também estou vendendo uma rifa de uma cesta de café da manhã e aceitando doações em dinheiro;, explicou. A causa comoveu as irmãs Mychelle e Mykaella, de 7 e 11 anos, respectivamente, que também fazem parte da equipe de Lucas. ;Doamos R$ 50 porque ele é legal e o admiramos;, disse a pequena Mykaella.


O brasiliense está classificado para os 200 e os 400 metros rasos e mesmo sem recursos para a viagem, ele intensificou os treinos

Talento

Lucas começou a praticar atletismo quase por acaso. Ele participada do grupo de quadrilha no Centro de Atletismo de Sobradinho e, depois dos ensaios, observava, atento, os treinos de atletismo. O professor da dança, então, fez um apelo ao técnico de atletismo para deixar o rapaz praticar a modalidade. ;Logo nos primeiros treinos, percebi que ele tinha um grande potencial para ser trabalhado. Era muito veloz e dedicado;, conta o técnico Gilvan. ;Quando estive na casa dele, vi que ele tinha ganhado uma medalha de ouro nos 75 metros rasos e outra de prata no salto em distância nos Jogos Escolares do DF, quando tinha 12 anos. Percebi que tinha a chance de lapidar um atleta;, complementou.

O jovem, então com 16 anos, chegou de chuteiras porque não tinha nem sequer um par tênis e começou a treinar diariamente, na parte da manhã, em Sobradinho. A preparação foi complementada, das 19h às 21h, em uma unidade de Itapoã do Centro de Atletismo de Sobradinho, que atende jovens do Paranoá, do Itapoã, do Del Lago e da Fazendinha. Considerado um jovem de muita garra, Lucas se transformou em ídolo para cerca de 100 crianças e jovens, da faixa etária de 6 a 20 anos, que treinam pelo menos três vezes por semana no Itapoã. Na pista de atletismo não oficial, sem banheiros nem cobertura para a proteção contra o sol ou a chuva ou qualquer outra infraestrutura, localizada próxima ao balão do Itapoã, o rapaz de sorriso cativante é referência. ;O Lucas é modelo para todo mundo. Ele é um rapaz bom, dedicado e dono de uma grande força de vontade, Além disso, não deixa que ninguém desanime, chama a atenção das crianças, conversa com elas e me ajuda em tudo o que for possível;, explicou o técnico.

A condição de surdo não garante a Lucas um tratamento diferenciado do técnico ou dos companheiros de equipe. Na pista, argumenta Gilvan, todos são iguais. Mas a preparação do atleta requer um cuidado extra, já que Lucas não escuta o tiro de largada das provas. ;Levanto as mãos como se fosse dar o tiro de largada e, ao abaixar, o atleta entende que é largada;, explicou Gilvan. Durante as competições oficiais, é o movimento do juiz ao abaixar a bandeira vermelha que indica o início da prova.

Delegação brasileira

O número de atletas brasileiros na Surdolimpíadas da Turquia ainda não está fechado. O esforço de Deborah Dias de Souza, presidente da Confederação Brasileira de Desportos dos Surdos (CBDS), tem sido no sentido de que o Brasil participe do evento com sua força máxima, o que totalizaria 230 atletas, em 15 modalidades. A confirmação do número de competidores, no entanto, depende de verbas oficiais e patrocínios de empresas. Sem a ajuda do governo ou da iniciativa privada, caberá aos próprios atletas arcarem com os custos da viagem. ;Nos seus estados, os atletas estão em busca de patrocínio ou do apoio de familiares. Em Brasília, a situação não é diferente, mas temos uma promessa de apoio da Secretaria de Esportes, com o fornecimento das passagens aéreas para os nossos atletas;, explicou Deborah Dias.

A meta da presidente da CBDS é que o Brasil se classifique na competição na 30; posição. Na última Surdolimpíadas, realizada em Sofia, na Bulgária, em 2013, a delegação brasileira, formada por 19 atletas, conquistou quatro medalhas ; uma de prata e duas de bronze, na natação, e uma de bronze, no caratê.


Para saber mais | Competição iniciada em 1924

As olimpíadas para atletas surdos nasceram em 1924, na França, com o nome de Jogos Internacionais Silenciosos. Em 2000, passou a ser chamada de Surdolimpíada. Bem antes disso, porém, o Comitê Internacional de Desportos de Surdos (ICSD) assumiu a organização da competição, que é disputada de quatro em quatro anos.


A 23; edição da Surdolimpíada terá a disputa de 22 modalidades esportivas e será realizada de 8 a 30 de julho, em Samsun, na Turquia. ;O atleta precisa passar por uma audiometria, um tipo de exame que acusa a perda da audição. Para participar das competições, ele deverá ter uma perda na audição acima de 55 decibéis nos dois ouvidos;, explicou Deborah Dias.

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