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TJDFT usa sessões de constelações familiares para solucionar processos

De problemas financeiros a disputas de guarda, o método alternativo mostra que mudanças nas relações entre parentes pode resolver dramas, longe dos tribunais

Ana Luiza De Carvalho*
postado em 07/02/2017 06:05
De problemas financeiros a disputas de guarda, o método alternativo mostra que mudanças nas relações entre parentes pode resolver dramas, longe dos tribunais
Processos judiciais podem ser longos, cansativos e custosos. Quando consistem em problemas familiares, a situação envolve sentimentos e os anos de convivência, o que pode tornar tudo ainda mais difícil. Para evitar a judicialização desses conflitos e resolver os dramas na origem, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) trabalha com o Projeto Constelar e Conciliar, baseado no método de constelações familiares.
A preferência por iniciativas que evitam a tramitação tradicional é uma tendência. A Resolução n; 125, de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), estabelece que uma tentativa de mediação deve ser feita antes mesmo que os processos cheguem às audiências com juízes.

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A técnica foi testada no Judiciário em alguns estados. No TJDFT, o método foi implementado em março de 2016, por Adhara Campos. Ela é servidora pública do Tribunal Superior do Trabalho (TST), mas atua de forma voluntária no Tribunal de Justiça. Ela começou a pesquisar sobre constelações no âmbito do Judiciário ainda durante a graduação em direito, em 2015, e apresentou uma monografia sobre o tema, orientada por Nefi Cordeiro, ministro do Superior Tribubal de Justiça (STJ).

Além de atuar como consteladora, ela vem, desde o início do ano passado, coletando estatísticas dos resultados das sessões realizadas na Vara de Família, Órfãos e Sucessões do Núcleo Bandeirante para desenvolver sua dissertação de mestrado. Ela também viaja pelo país dando palestras sobre o método e prestando consultorias. ;O método é baseado em conceitos como a transgeracionalidade (transmissão psíquica entre gerações) e os três níveis de consciência de Freud: o consciente, o pré-consciente e inconsciente;, explica.

As constelações familiares podem parecer abstratas (veja quadro), mas a juíza da Vara do Núcleo Bandeirante, Magáli Dellape, explica que visualizar, em forma de uma dinâmica terapêutica, os conflitos domésticos é uma solução óbvia e eficaz. Segundo ela, a ferramenta é especialmente útil para indivíduos que estão em vulnerabilidade social ou econômica. ;Muitas vezes, essas pessoas não sabem nem explicar, de forma objetiva, os próprios sentimentos;, afirma. Se esses conflitos são acessados inconscientemente, fica mais fácil até para os envolvidos compreender o porquê da situação que estão vivendo.;

A juíza garante que o método costuma fazer sucesso entre os constelados. Um desses participantes é o servidor público Jefferson Rosa, de 38 anos. Ele e a parte com quem disputa um processo de guarda foram convidados a participar de uma constelação. Após a sessão, ambos afirmaram que a situação que enfrentam ficou mais clara. ;É uma experiência incrível perceber o que causa as brigas. Agora, acredito que vai ter acordo;, comemora o servidor público.

A juíza Magáli Dellape também analisa os dados das sessões para identificar um padrão nos resultados positivos. Segundo ela, o índice de acordos na audiência de conciliação aumenta muito quando as duas partes litigantes participam da constelação: os acordos chegam a 86% dos casos, comparados com 54% de quando apenas uma parte está presente.

Dependendo do caso, algumas pessoas podem receber uma intimação para participar da sessão. De modo geral, as estatísticas são animadoras: cerca de 90% das pessoas ficam satisfeitas após ser submetidas ao método, segundo dados divulgados em outubro de 2016 pela Vara de Família, Órfãos e Sucessões do Núcleo Bandeirante.

A raiz da questão


O Superendividados, um programa do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), voltado para pessoas em grandes crises financeiras, também faz uso das constelaçoões. Andreia Siqueira, supervisora do CEJUSC-Super, explica que, dependendo do contexto, uma audiência sem acordo já é um resultado positivo. ;Às vezes, vir para uma conciliação e dizer ;não; me mostra que essa pessoa está empoderada, que não aceitou juros que são abusivos;, avalia.

Foi o que aconteceu com a dona de casa Patrícia (nome fictício). Endividada, recusou vários acordos por acreditar que não eram benéficos a ela. ;Quando fui negociar, estava muito serena e não aceitei nenhuma proposta abusiva, como fiz a vida inteira. Consegui descontos muito bons e paguei à vista;, comemora. A necessidade, porém, era entender por que não conseguia lidar com o dinheiro de maneira saudável. Uma das maneiras de compreender a dificuldade foi recorrer à constelação familiar.

Quando foi convidada pelo Tribunal de Justiça, Patrícia não teve receio ou dúvidas. ;Confiei que eles não estariam propondo alguma coisa de forma irresponsável e aceitei imediatamente;, conta.

Patrícia afirma que o método permite ao participante identificar a raiz dos problemas. Nas sessões, ela notou que o descontrole e a dificuldade de poupar eram comportamentos passados de geração para geração. ;Na minha família, existem comportamentos similares ao meu, situações que têm perdurado durante décadas.; Durante a reorganização financeira, dois familiares de Patrícia se inspiraram nela e decidiram interromper o ciclo vicioso do superendividamento. ;Quando você vê sua vida encenada como se fosse um teatro, fica muito mais fácil perceber as situações que levam ao desequilíbrio;, finaliza.

Uma das principais diferenças entre as constelações dos dois setores é o público que delas participa. Enquanto as sessões de Magáli Dellape são abertas, o CEJUSC-Super limita o acesso a participantes do próprio programa. Andreia Siqueira, supervisora do programa, explica que superendividados têm vergonha da própria trajetória e não são facilmente entendidos por quem não está em situação semelhante. ;A gente lida com uma população que vem de um processo de exclusão social muito forte.;

A condição é tão grave que, segundo Andreia, as dívidas colocam em risco o sustento e a honra da família. ;A questão não é se a pessoa ganha muito ou pouco, mas a relação entre as receitas e as dívidas, em um período de tempo. Nós temos casos de pessoas com salários altíssimos, mas que estão tão comprometidas que não conseguem mais pagar a conta de água ou de luz do mês;, lamenta.

Outro ponto é que a participação na constelação do Superendividados é totalmente voluntária. A partir do momento em que uma pessoa se reconhece como superendividada, ela pode solicitar a participação no programa e marcar uma entrevista de cadastro. Durante a conversa, a equipe identifica quem são os credores e qual o valor total da dívida. O programa consiste em oficinas de educação financeira, grupos de apoio e, claro, nas constelações familiares. As sessões contam com um profissional de psicologia, além da consteladora. A ideia é apenas otimizar o serviço. ;Não é terapia, porque não é papel do judiciário. É um acolhimento;, explica Rafael Rico, supervisor substituto do CEJUSC-Super.

Como funciona uma constelação familiar


Os primeiros registros das constelações familiares datam da década de 1970. Apesar de não ter sido criado por Bert Hellinger, o método ficou conhecido mundialmente por meio do alemão. Bert e a esposa, inclusive, estiveram no Brasil em abril do ano passado para palestrar sobre as constelações e conheceram de perto o sistema que tribunal utiliza.
Por ser uma forma de abordagem sistêmica, o método compara os indivíduos e suas relações familiares a constelações: embora uma pessoa exista de forma isolada, ela está ligada e sofre forte influência dos outros componentes do mesmo sistema.

A partir da análise completa de todas as partes envolvidas, é possível compreender como os conflitos se originam e buscar soluções. As bases teóricas das constelações envolvem conceitos sociológicos e cênicos, já que o método tem semelhanças com o psicodrama.

A constelação possui passos bem definidos. Após uma breve explicação de como o método surgiu e quais são seus benefícios, uma das partes do processo sai do auditório e conta ao constelador qual é o conflito que levou à ação judicial. Nenhuma informação sobre o caso é repassada aos demais constelados nem ao público que assiste à sessão.

De forma intuitiva, o constelado escolhe na plateia pessoas que representarão as partes envolvidas no litígio e aloca os representantes da forma que imagina ser sua configuração familiar. O constelador começa, então, a perguntar aos representantes como eles se sentem ocupando tais lugares. É quando vários sentimentos vêm à tona. As sensações dos representantes são o mais relevante para o constelador, já que estariam neutros e sem informações adicionais sobre o conflito.

A partir de perguntas direcionadas aos representantes e ao constelado, o facilitador movimenta as pessoas de lugar, criando um rearranjo que acredita ser mais adequado para o caso e explicando para o constelado quais atitudes adotar no dia a dia para alcançar uma mudança. Caso as outras partes do processo estejam presentes na sessão, elas são convidadas a assumir seus postos familiares no arranjo já reorganizado. Após a sessão, é agendada, enfim, uma audiência de conciliação para resolver o caso.


SERVIÇO

; O juiz responsável pela vara em que o processo está analisa se o caso é adequado para uma constelação e as partes decidem se aceitam, ou não, participar da prática.


; O CEJUSC-Super recebe inscrições de voluntários com registro no Conselho Regional de Psicologia, além de voluntários de qualquer área do conhecimento para prestar a orientação financeira. Informações pelo e-mail reeducar$@tjdft.jus.br

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