Das 70 crianças e adolescentes moradores do abrigo Lar de São José, em Ceilândia Norte, não há quem desconheça a história de Luciana Ferreira, 20 anos. Isso porque a história dela é marcada por reviravoltas e é a cara do propósito do centro: ajudar os jovens a superar a dor do abandono, dos maus-tratos e dos abusos, além de realizar as conquistas do lado de fora dos muros da instituição. Há 29 anos, o local abriga menores encaminhados, sob medida protetiva, pela Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT). Eles recebem tratamento integral de uma equipe formada por 43 profissionais, entre assistentes sociais, pedagogos, psicólogos, motorista e cozinheiros.
;Quando cheguei ao abrigo, eu era ninguém;, relembra Luciana, durante visita ao abrigo onde morou por quatro anos. Enquanto passeia pelo pátio, puxa pela memória o dia em que deixou a casa dos pais, na Vila Planalto, por falta de condições financeiras. Na ocasião, o Conselho Tutelar entendeu que ela estava em situação de risco e a levou ao centro de acolhimento, com os cinco irmãos. Hoje, ela projeta para os abrigados uma vida independente, com moradia e trabalho fixos. ;Tomara que sejam tão felizes aqui quanto eu fui;, comenta.
A coordenadora técnica do Lar de São José, Ana Lúcia Antunes, explica que um dos principais objetivos da instituição é o acolhimento de crianças e jovens até atingirem a maioridade. Nesse período, prover assistência médica, escolar e social é de responsabilidade do lar. ;Uma das nossas metas é formar cidadãos. Por isso, a partir dos 14 anos de idade, os adolescentes passam a integrar programas de estágio;, elucida. A experiência profissional gera renda aos jovens. Os coordenadores, então, ensinam os adolescentes a reservar o dinheiro e criam contas-poupanças.
[VIDEO1]
;Eles ganham de R$ 400 a R$ 500. Deixamos eles usarem, mais ou menos, R$ 100, para gastos pessoais. O resto fica guardado para terem reserva quando chegarem aos 18 anos;, detalha a coordenadora. Graças às lições de economia, Luciana poupou R$ 12 mil, adquiridos em quatro anos, por causa dos estágios como auxiliar de escritório. O montante permitiu a ela dividir moradia com o marido menos de um ano após deixar o Lar de São José. Além da poupança, Luciana coleciona outras conquistas obtidas graças à ONG. ;Fiz estágios, cursos de capacitação e hoje moro com meu companheiro;, enumera.
Dois anos após a partida do abrigo, Ferreira visita o antigo lar semanalmente. Criou laços com o lugar e com os profissionais. ;Essa é minha família. Às vezes, me sinto sozinha em casa ou passo por algum problema e preciso de conselhos: volto ao abrigo;, justifica Luciana, atualmente desempregada.
Ana Lúcia conta que o Lar de São José depende de doações de empresários e da sociedade civil para abastecer a despensa e os guarda-roupas do lugar. Além disso, uma parceria com o Governo do Distrito Federal viabiliza o pagamento de salário aos funcionários. Ela salienta que a necessidade de ganhar donativos é constante. ;Precisamos de qualquer tipo de ajuda durante todo o ano. Não só financeira, mas com móveis, brinquedos e roupas;, reforça a coordenadora, que trabalha no abrigo há sete anos.
Formação cultural
A dirigente ressalta ainda outra forma de contribuição que é muito bem-vinda ao abrigo: atividades culturais. Neste ano, uma empresa construtora despertou a imaginação das crianças e adolescentes ao levar livros de histórias. Os funcionários da companhia narraram contos para os jovens. ;Foi um dia inesquecível para eles. Os olhos brilhavam. Houve, inclusive, adesão de 100% dos garotos. A atividade fugiu do costume de doação de brinquedos e roupas;, recorda. ;Tudo é fundamental para a formação deles, inclusive, a cultura;, destaca a coordenadora, que, às vésperas do Natal, concentra esforços para organizar uma ceia para os acolhidos.